A frase do presidente do Conselho Deliberativo da Fundação Piratini, Pedro Luiz da Silveira Osório, resume bem a sensação quanto ao futuro da TVE/RS e da FM Cultura por parte da entidade e dos funcionários. No último dia 30 de abril, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), vinculada ao governo federal, recebeu comunicado do Governo Yeda. Nele, é manifestado o interesse de permanência no prédio localizado no Morro Santa Tereza, sem integrar a rede da EBC, e solicitada a criação de uma comissão mista para tratar do assunto. Até agora nada aconteceu, e os envolvidos esperam sentados.
Desde a compra das instalações, o governo estadual alegava que precisaria entregar o prédio, no qual é inquilino, para a EBC, nova proprietária do imóvel. O local que chegou a ser cogitado é um depósito localizado no Centro Administrativo. A Empresa Brasil, no entanto, declarava publicamente que não pedia a desocupação do prédio. Conforme o setor jurídico da EBC, as duas emissoras podem funcionar em conjunto, operando conforme as orientações dos seus dirigentes, inclusive sem qualquer contrapartida por parte da Fundação Piratini à EBC.
O diretor jurídico da Empresa Brasil, Ricardo Collar, informa que acompanhou as tratativas entre a EBC e o Governo. “Permanecerão ambos no prédio, e a EBC irá instalar escritório próprio para transmitir sua programação a toda Região Sul. É importante ficar claro que tanto acatamos a decisão do Estado de não participar da rede, que estamos buscando outras formas de nos estabelecermos no Estado”. A EBC é uma empresa de jornalismo pública criada durante o Governo Lula, e que reúne quatro canais de televisão e oito emissoras de rádio, além de contar com cerca de 1,5 mil funcionários.
Negociação de dois anos
Para Luis Henrique dos Anjos, também diretor jurídico da EBC e que tem tentado afinar as tratativas entre a empresa e o Estado, “há dois anos se negocia com a Fundação Piratini para integrar a rede nacional de comunicação pública aqui. A TV Brasil é replicada em todos os Estados que possuem TVs educativas, apenas o RS tem posição de não fazer da parte da rede. De qualquer forma, são duas coisas diferentes, porque uma é a utilização do prédio em conjunto e a outra, a cooperação entre as emissoras”.
O impasse não é de agora. Em fevereiro de 2010, o secretário de Administração e Recursos Humanos do Estado, Elói Guimarães, confirmou ao site Coletiva.net a intenção da governadora Yeda Crusius de que a TVE e a rádio FM Cultura continuassem no prédio que ocupam hoje. Segundo ele, um grupo de trabalho cuidaria das negociações de parceria com a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), para que dividissem o mesmo espaço. A comissão, porém, até hoje não foi definida, já que o Conselho Deliberativo da Fundação sequer foi avisado de qualquer tratativa.
Na mesma ocasião, Yeda recebeu da diretora-presidente da EBC, Tereza Cruvinel, ofício com a oferta para que a TVE permanecesse no local sem custo e sem obrigação de transmitir a programação da TV Brasil. O prédio em questão é ocupado pela TVE e FM Cultura há 25 anos e pertencia ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Após recusa do Governo do Estado em adquiri-lo, o imóvel foi vendido, no final de 2009, para a EBC.
As vantagens da cooperação entre as duas iniciativas são várias, garante Pedro Osório, desde que adotado um pensamento público, e não de Governo. “Quando ficamos sabendo desta última informação do dia 30 de abril, de que o Governo estaria disposto a negociar, foi uma notícia satisfatória. A impressão que eu tenho é um pouco de alívio e um pouco de suspense. Porque a questão deve ficar em ‘banho-maria’ para evitar polêmica. Achamos que, seja quem for o próximo governo, um cenário ideal seria aquele da Fundação Piratini reaberta à sociedade”.
“Mesmo que a EBC não esteja nos impondo uma grade de programação, ela nos seria útil. Acredito que a TV pública do Brasil vive um momento de extraordinária vitalidade, conquista um espaço inédito no país. O Estado deveria aproveitar isso e fortalecer a aproximação. A TVE poderia ser o canal de relação da EBC com outros países, como a Argentina, o Uruguai e o Paraguai, ser um posto avançado nestes lugares”, avalia Osório.
Ao que tudo indica, a solução para o impasse é depositada em um próximo governo estadual. Para que se tenha uma idéia, os funcionários da TVE/RS e da FM Cultura realizaram seminário neste último sábado (29), no Sindicato dos Radialistas, para elaborar um conjunto de propostas a serem entregues aos candidatos e às coordenações de campanha com objetivo de incidir em planos de governo. As proposições são organizadas em quatro eixos: Gestão, Financiamento, Programação e Atualização Tecnológica e estão “embasadas no conhecimento produzido pelos diversos atores do campo da comunicação pública, especialmente o que está registrado na Carta de Brasília, resultante do I e do II Fórum de TVs Públicas”, explica o documento.
Confira as propostas:
1.Gestão
1.1. Alterar artigo 25, parágrafo 1º, da lei 10.535/95, garantindo que o Conselho
Deliberativo escolha, nomeie, dê posse e exonere o presidente da Fundação Cultural Piratini, que nomeará seus diretores.
1.2. Acesso aos cargos de chefia e de direção para os funcionários do quadro efetivo,
especialmente as diretorias Técnica e de Programação, levando em consideração a qualificação profissional.
1.3. Alterar lei 10.536/95, visando a revisão da composição do Conselho Deliberativo.
1.4. Realização de concurso público, visando a extinção gradual dos Cargos de Confiança em funções jornalísticas e de radialistas, acabando com a fragilidade do vínculo empregatício que tende a minar a independência e autonomia editorial das emissoras, além da diminuição do uso de estagiários nas rotinas de produção jornalística.
2. Programação
2.1. Respeito às diretrizes de programação estabelecidas pelo Conselho, sendo vedados quaisquer veto ou censura a pessoas ou temas, devendo ser assegurada a pluralidade de versões e fontes.
2.2. Estabelecimento de normas transparentes e democráticas para a exibição de programas independentes, através de seleções públicas, concursos de projetos e outras formas que evitem a apropriação privada da TVE/FM Cultura.
2.3. Assinatura de acordo com o governo federal para a inclusão da TVE/RS na Rede Pública Nacional de Televisão, visando garantir a diversidade e o intercâmbio de programação qualificada, assegurando pelo menos um terço da grade para a produção local.
2.4. Estimular a cooperação com universidades para que a TVE/FM Cultura veicule produção jornalísticas de todas as regiões do Estado.
2.5. Reativação do jornalismo e respeito às características originais da FM Cultura, com contratação de pessoal por concurso público, que permita a volta da programação ao vivo.
3. Financiamento
3.1. O financiamento das emissoras do sistema público será garantido pelo Estado e pela sociedade, através de:
I – dotações orçamentárias, com percentual fixo vinculado à arrecadação do Tesouro do RS, estabelecido em PEC à Constituição Estadual;
II – destinação de verbas publicitárias de órgãos públicos;
III – doações, legados, subvenções e outros recursos que lhe forem destinados por pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado;
IV – apoio cultural de entidades de direito público ou privado, sob a forma de patrocínio de programas, eventos e projetos;
V – recursos provenientes de acordos e convênios que realizar com entidades nacionais e internacionais, públicas ou privadas;
VI – licenciamento de marcas e comercialização de conteúdo;
VII – rendas provenientes de outras fontes, desde que não comprometam os princípios e objetivos da radiodifusão pública e desde que submetidos à aprovação do Conselho;
VIII – captação de recursos através das leis de incentivo à cultura;
IX – Criação de um fundo não contingenciável para a Fundação Piratini.
3.2. Fortalecimento do quadro de funcionários na área de captação de recursos, com conhecimentos específicos para a elaboração de projetos que visem o aproveitamento das leis de incentivo.
4. Atualização Tecnológica
4.1. Renovação tecnológica da TVE e da FM Cultura: digitalização, atualização dos equipamentos de captação, edição e transmissão (na transmissão, os investimentos são necessários tanto na tecnologia analógica quanto na digital); e atualização da informática (softwares e hardwares); qualificação profissional, com cursos de atualização.
4.2. Política de melhoria e ampliação do sinal da TVE/FM Cultura para a Região Metropolitana e o interior do Estado;
4.3. Indexação e digitalização do acervo da TVE/FM Cultura;
4.4. Criação de política de inserção da TVE/FM Cultura no processo em andamento da convergência tecnológica de mídias.
5. Outros
5.1. Comprometimento com a permanência da TVE/FM Cultura no prédio histórico do Morro Santa Teresa, mediante acordo com o governo federal;
5.2. Revisão do Plano de Cargos e Salários.
Porto Alegre, 01 de junho de 2010.