Clarissa Pont
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A Organização das Nações Unidas (ONU) quer que o governo de Israel investigue de forma isenta o ataque à frota de navios com carregamento de ajuda humanitária, ocorrido em final de maio deste ano. O relator especial das Nações Unidas sobre Execuções Extrajudiciais, Philip Alston, disse na semana passada que o inquérito interno de Israel deve ser independente e seguir as normas internacionais.
Outra decisão da ONU acaba de ser tomada neste mesmo sentido, mas tarde demais. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos determinou nesta segunda-feira (14) que três especialistas independentes investiguem a ofensiva militar de Israel à Faixa de Gaza em dezembro de 2008 e janeiro de 2009. O ato provocou mais de 400 mortes e protestos em vários locais do mundo.
A comissão será presidida pela juíza norte-americana Mary McGowan Davis e integrada pelo professor alemão Christian Tomuschat e o jurista malásio Param Cumaraswamy. A base de análise dos especialistas será o Relatório Goldstone, resultado de três meses de uma investigação conduzida pelo juiz sul-africano Richard Goldstone. Nele, o juiz responsabiliza israelenses e militantes palestinos por atos criminosos típicos de situações de conflito armado – os chamados crimes de guerra.
A alta comissária da ONU, Navi Pillay, disse que a comissão vai monitorar e avaliar o processo, considerando o relatório Goldstone, mas também abre possibilidades para que autoridades de Israel e da Palestina apresentem explicações. Estimativas da época do conflito indicam que cerca de mil pessoas foram mortas, muitos eram civis e a maioria de origem palestina. Entre os israelenses, foram registrados quatro mortos.
Denúncias
Dois meses depois da ofensiva de Israel na Faixa de Gaza, deflagrada entre 27 de dezembro e 18 de janeiro, denúncias sobre crimes cometidos contra civis palestinos já era divulgadas. Muitas delas inclusive vindas de jornais e entidades israelenses. Na época, o grupo de proteção dos direitos civis Human Rights Watch, o diário inglês The Guardian e o jornal israelense Haaretz publicaram matérias e divulgaram documentos sobre o tema.
Entre as denúncias publicadas pelo The Guardian figuram ataques diretos contra médicos e hospitais, que foram relatados em um documento divulgado dia 22 de março de 2009 pela organização Médicos pelos Direitos Humanos. Médicos e motoristas de ambulâncias contaram terem sido alvo de disparos israelenses e denunciaram 16 mortes nestas condições, algo estritamente proibido pelas convenções de Genebra. O jornal britânico disse ter provas de ataques contra civis realizados por aviões não-tripulados. No total, a ofensiva teria matado mais de 1000 civis.
O Guardian publicou na época três vídeos com relatos como o de três irmãos adolescentes da família Al-Attar, que contam terem sido utilizados como escudo humano em frente a carros de combate israelenses. Os irmãos contam também que soldados israelenses os enviaram a casas de famílias palestinas para também servirem de escudo para as primeiras balas. A utilização de escudos humanos foi declarada ilegal em 2005 pela Suprema Corte israelense após vários incidentes do tipo.
O Canal 10 da televisão israelense divulgou no mesmo período um documentário com imagens de uma reunião militar, no qual o comandante exigiria “agressividade” aos seus homens. “Se estiver alguém suspeito no andar de cima de uma casa temos de bombardear. Se tivermos uma casa suspeita, temos de botar abaixo”, ordenou o oficial.
As imagens alimentaram a polêmica que o Haaretz começara, ao divulgar testemunhos de soldados que admitiram terem matado civis em Gaza e destruído casas, no cumprimento de ordens. Logo em seguida, a Breaking the Silence, organização de antigos militares, contou ao Guardian ter conseguido o testemunho de 15 soldados que confirmaram as denúncias de mortes indiscriminadas e de vandalismo pelas forças israelenses. “Não estamos falando de algumas unidades que foram mais agressivas do que outras, mas denunciando uma política. De tal forma que os soldados nos disseram que tiveram de refrear as ordens que receberam”, disse um dos ativistas do grupo ao Guardian.
O ataque à flotilha
Quanto aos recentes ataques, a Anistia Internacional (AI) afirmou nesta terça-feira (15), que falta transparência e independência à investigação interna proposta por Israel para esclarecer a investida contra a frota internacional de ajuda humanitária à Faixa de Gaza, no qual morreram nove pessoas.
A organização considera que a investigação, a ser feita por uma comissão formada por três autoridades israelenses e dois observadores internacionais, não tem o formato adequado para garantir a imparcialidade. “O formato desta comissão representa uma decepção e uma oportunidade perdida”, diz em comunicado o diretor para o Oriente Médio da Anistia Internacional, Malcolm Smart.
“A comissão não parece independente nem suficientemente transparente, já que os dois observadores podem ter acesso negado a informações fundamentais”, opinou Smart, ao lembrar que “as descobertas da comissão não serão usadas em futuros processos judiciais”. Ainda segundo a AI, a comissão não investigará os israelenses envolvidos no ataque de 31 de maio e só terá acesso ao chefe do Estado-Maior das Forças de Defesa, e sequer está claro se suas conclusões terão valor jurídico.
A AI mostra especial preocupação em relação a este tema e alerta que Israel, como qualquer Estado, é obrigado pela legislação internacional a processar e punir os autores de delitos e a combater a impunidade. A organização também aponta que a criação da comissão não encerra o debate e que a comunidade internacional não deve perder o foco de exigir o fim do bloqueio à Faixa de Gaza, que Israel “deve suspender imediatamente”.
Com Agência Brasil