
Luciano Velleda
Museus, teatros, cinemas, casas de shows, centros culturais, um banquinho e o violão. Desde março, quando a crise do novo coronavírus fechou estabelecimentos comercias e de serviços em Porto Alegre, o setor cultural segue sendo um dos mais afetados. A razão, com o tempo, se tornou de fácil compreensão: as manifestações artísticas, normalmente, têm como essência reunir pessoas e criar aglomeração, muitas vezes em ambientes fechados ou com pouca circulação de ar. Ou seja, a atmosfera perfeita para o contágio do coronavírus.
Com a melhora recente nos indicadores da pandemia no Rio Grande do Sul, alguns espaços culturais lentamente começaram a reabrir. Em Porto Alegre, no final de setembro, a Prefeitura anunciou a retomada de alguns equipamentos ligados à Secretaria Municipal da Cultura. Voltaram a funcionar o Centro de Documentação e Memória da Cinemateca Capitólio, a Biblioteca Josué Guimarães, as pinacotecas Ruben Berta e Aldo Locatelli, o Museu de Porto Alegre e o Arquivo Histórico Moysés Vellinho. Em todos, a visita deve ser agendada, há limitação de horário e de número de pessoas, além de ser obrigatório o uso de máscara.
Nos últimos dias, foi a vez de o Governo do Estado anunciar a reabertura do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), do Memorial do Rio Grande do Sul, Arquivo Histórico, Museu Antropológico, Museu da Comunicação Hipólito José da Costa (MuseCom) e Biblioteca Pública do Estado, todos com horário de visita ao público reduzido. Para o dia 19 de novembro está prevista a reabertura da Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ), e dia 1º de dezembro devem abrir as portas o Teatro de Arena, a OSPA e o Theatro São Pedro.
Se os espaços culturais administrados pelo poder público estão, aos poucos e com restrições, retomando as atividades, a situação varia muito quando se trata de iniciativas culturais privadas e independentes. Alguns cinemas voltaram, como as salas da rede GNC nos shoppings Iguatemi e Praia de Belas, e a rede Cineflix, no Shopping Total. Importante na cena cultural da cidade, a Fundação Iberê Camargo voltou a receber público desde meados de setembro, ainda que apenas entre sexta-feira e domingo. Porém, entre os locais de menor aporte financeiro, sustentado muitas vezes pela dedicação extrema do proprietário e clientes fieis, as dificuldades são imensas.
Carência do bar
Lugares conhecidos por música ao vivo na Capital, como o Odeon Snack Bar, Café Fon Fon e o Espaço Cultural 512 seguem fechados. Ao mesmo tempo, outros reabriram e começam a planejar pequenos eventos ou shows com público reduzidíssimo, como o Parangolé, o Espaço 373 e o Espaço 900. No caso do Bar Ocidente, símbolo da noite porto-alegrense, as portas estão abertas, mas o proprietário Fiapo Barth ainda não sabe se a música voltará a ressoar no salão.
Depois de passar os últimos meses apenas com o serviço de tele-entrega de comida, o Espaço 900 retomou sua programação cultural em setembro, com a exposição “Obras Aleatórias de uma pandemia: exposições imprevistas”, do artista Rafael Dambros. Mesmo reaberto há quase dois meses, a intenção é manter o serviço de tele-entrega junto com o atendimento presencial, que agora tem acontecido somente mediante reserva.
“O público também tem que mudar, se reciclar, precisa agendar para chegar e ter uma mesa higienizada, preparada”, explica o proprietário Thiago Braga. Com uma identidade formada, ele diz que os clientes que começam a retornar à casa são cuidadosos, acostumados com os hábitos de higiene desenvolvidos pela pandemia. Se negacionistas não são o público do Espaço 900, por outro lado isso reduz a clientela e diminui a margem de venda num período de tanta dificuldade econômica. Bônus e ônus.
Em quem chega, todavia, Braga conta perceber a felicidade. A carência de contato é grande. Os clientes estão ávidos por conversar. Braga enfatiza que a decisão de sair do isolamento não deve significar relaxamento nos cuidados e acredita ter que ajudar os clientes a romper o medo. “O medo paralisa as pessoas”, pondera.
Para impulsionar o novo momento, o Espaço 900 fará eventos gastronômicos no mês de novembro. A Parrilla 900 acontecerá nas noites de quinta-feira e no almoço de domingo, com lotação máxima de 20 pessoas e exclusivamente sob reserva. “É nossa forma de tentar enfrentar o momento, poder sair mas não abandonar a política de distanciamento”, afirma o proprietário.
A política da casa tem sido a de todos os funcionários trabalharem de máscara, enquanto os clientes de cada mesa fazem a própria combinação, se ficam com ou sem o utensílio, considerando que há distanciamento entre as mesas e o público é bem reduzido. Depois de mais de seis meses de restrições, Braga avalia que hoje é mais seguro frequentar um estabelecimento zeloso com os cuidados de higiene do que os encontros informais nas residências ou mesmo a aglomeração de pessoas bebendo na calçada. Ele ainda enfatiza que o momento não é mais para julgamento social, pois cada indivíduo sabe como está sua saúde mental e o que tem passado ao longo da crise do ano de 2020. “Não é hora mais de um julgar o outro”, avalia Thiago Braga.

Compasso de espera
Também conhecido na cena cultural da Cidade Baixa, o Parangolé voltou à ativa no começo de outubro, com atendimento de comes e bebes. A música ao vivo e os eventos de leitura, porém, ainda permanecem em silêncio. Há planos de talvez fazer um show intimista em novembro, conforme o interesse do público que aos poucos retorna à casa. “Tem coisas que não vão ser a curto prazo, talvez médio ou longo”, analisa o proprietário Claudio Soares de Freitas.
Nesse começo de retomada, o proprietário diz perceber o público um pouco receoso e consciente dos cuidados relativos ao contágio do coronavírus, como o uso de máscara, álcool em gel e distanciamento. Sentar na varanda tem sido a preferência da maioria dos clientes. A situação econômica do espaço, todavia, depois de tanto tempo fechado, é delicada. “Estamos bem indecisos na continuidade…temos muito apego pelo bar, tanta coisa boa aconteceu aqui, por isso não queremos jogar tudo pro ar, vamos ver”, reflete o proprietário.
Para sustentar as contas, o Parangolé também começou a oferecer o serviço de tele-entrega, com cardápio disponível nas redes sociais da casa. Diante do movimento baixo, Claudio Freitas diz que por enquanto não há necessidade de reserva, algo que provavelmente será preciso se a música voltar em novembro.
O que realmente poderia colaborar agora, avalia o proprietário, é a extensão do horário permitido para abertura. Embora o local abra às 15h, os clientes começam a chegar mesmo no começo da noite, e às 23h já é preciso fechar. Antes do coronavírus virar o mundo do avesso, o Parangolé funcionava até a 1h da madrugada. “Isso dificulta a demanda para suprir os custos fixos. Acredito que aos poucos vá melhorando, se não piorar de novo, como está acontecendo agora na Europa.”
Quem também pede pela extensão do horário de abertura é Fiapo Barth, dono do Bar Ocidente. “Está sendo cruel”, afirma, explicando que as pessoas não estão acostumadas a terem que ir embora por volta das 22h ou 23h. Poder atender até meia-noite, diz ele, seria importante para dar mais chance de recuperar as finanças. “O melhor seria ficar em casa, mas não posso mais, estou no limite, todas as reservas se esgotaram. Dever no futuro indefinido não dá”, explica.
Após cruzar o período de portas fechadas oferecendo o serviço de tele-entrega de refeição, o Ocidente agora tem recebido clientes no salão, na hora do almoço, e à noite, no formato de pub, com poucas mesas disponíveis. Há mesas também no terraço, mas a preferência dos clientes têm sido mesmo o atendimento na calçada.
A equipe da casa está reduzida, com envolvimento maior da família que administra o local. O público tem compreendido a situação e está “comprando a ideia” da volta do icônico espaço. “Estão dizendo que a comida está até melhor, acho que é a saudade”, brinca Julia Barth, filha do proprietário.
Quanto ao retorno da música, a situação está indefinida. A casa tem feito o Ocidente Acústico de modo virtual, mas show presencial ainda não há nada planejado. Fiapo Barth explica que está aberto a ideias, desde de que seja numa capacidade bem pequena, único modo em que se sente seguro. “Se algum artista quiser fazer algo para uma capacidade mínima e achar que vale a pena, estou aberto”, afirma. A turma do Sarau Elétrico, por enquanto, não sente confiança em voltar.
Enquanto isso, o proprietário conta procurar deixar o salão atrativo mesmo com poucos clientes, um cenário muito distinto das festas com centenas de pessoas que caracterizam o Ocidente. “Tento dar à casa uma aparência agradável nessa condição toda, para que as pessoas se sintam bem”, explica Barth.

Novos caminhos
A crise do coronavírus abriu uma nova perspectiva de trabalho para o Espaço 373. A proprietária Silvana Diniz Beduschi explica que desde o começo da pandemia e das restrições nunca parou de planejar e pensar em como manter o local “vivo na cabeça das pessoas”. Seguindo a tendência de outros espaços e artistas, a casa abriu um canal no YouTube, ampliou a atuação nas redes sociais e investiu no formato das lives musicais.
Acreditando que as lives vieram pra ficar, ela e a equipe estão investindo em equipamentos, câmeras e computador e criando o Estúdio 373, com auxílio de recursos da Lei Aldir Blanc. Tudo para melhorar a qualidade das transmissões e oferecer o novo espaço para shows e eventos artísticos em geral.
“A gente quer continuar com as lives, estamos nos preparando para isso. A gente acredita que isso vai divulgar nossos músicos e nosso conteúdo cultural. A live veio pra ficar, afirma Silvana.
A reabertura presencial ainda está sendo ensaiada. Há poucos dias houve a live com o pianista João Maldonado, com cerca de 10 pessoas presentes no espaço. O plano deve se repetir em novembro, com a transmissão de outra live acompanhada de um pequeno público presencialmente, algo em torno de 20 pessoas, num ambiente para 130 clientes. Daqui pra frente, a ideia é monetizar as apresentações transmitidas pela internet e experimentar um modelo híbrido, com poucos clientes in loco. “Estamos bem entusiasmados. Estamos buscando uma saída, tudo é experiência, é novidade. Só vamos poder voltar mesmo depois da vacina, é complicado. Cada dia é um dia”, comenta Silvana.



