
Luís Eduardo Gomes
No dia 15 de novembro, Alice Carvalho (PSOL) foi a candidata mais votada na disputa para a Câmara de Vereadores de Santa Maria. Fez 3.371 votos, 600 a mais do que o segundo mais votado e 2,5 mil a mais do que o último vereador eleito na cidade, mas não ocupará uma cadeira na Casa em 2021.
Isso ocorre porque o PSOL não alcançou o quociente eleitoral (votos em candidatos do partido acrescidos dos votos em legenda) mínimo para eleger um vereador na cidade. Ao todo, os três candidatos do partido na disputa e a legenda fizeram 3.999 votos, quando eram necessários 6.267 para garantir uma vaga direta.
O quociente eleitoral é o número mínimo de votos que um partido precisa fazer para garantir uma cadeira em eleições proporcionais. Ele é calculado pela divisão do número eleitores que comparecem às urnas pelo total de cadeiras em disputas. Como Santa Maria registrou 131.607 votos válidos e a Câmara local tem 21 cadeiras, o quociente eleitoral é de 6.267.
Contudo, ainda havia a possibilidade de Alice entrar pelas sobras do quociente. Como há partidos que recebem votos e não fazem cadeiras, o quociente mínimo não é atingido 21 vezes (no caso de Santa Maria), devendo as últimas vagas serem distribuídos entre os partidos que mais se aproximaram do número descontados os votos usados para alcançar o quociente. Nesse cálculo, faltaram 657 votos par ao PSOL conseguir a vaga de Alice.
Último a entrar, com 859 votos, Professor Danclar (PSB) contou com o fato de que o seu partido teve 29 candidatos, nove dos quais fizeram mais de 500 votos. No caso do PSOL, os dois outros candidatos do partido, Vinicius Brasil e Afroguga, receberam, respectivamente, 360 e 171 votos.
Alice lamenta o fato de não ter conseguido uma cadeira apesar da votação, avalia que o resultado foi expressivo e uma vitória dos movimentos sociais pelos quais milita.
“Acho que foi uma votação super importante para o PSOL de Santa Maria, que é um partido ainda pequeno no interior, e acho que a gente conseguiu levar para muita gente o nosso programa, o nosso projeto. A gente conseguiu mobilizar as pessoas em volta do modelo de sociedade que a gente acredita. Isso para a gente já é uma super vitória. Infelizmente, por causa do quociente eleitoral, a gente não conseguiu entrar”, afirmou.
Natural de Santa Maria e moradora do bairro Tancredo Neves, Alice, 24, conta que começou a militar aos 14 anos, quando conheceu, pela internet, o movimento feminista. O interesse pela pauta a levou a participar de coletivos locais que atuavam na luta pelos direitos das mulheres e, a partir de contatos feitos nesses espaços, passou também a militar no movimento negro. Ingressou no PSOL após as jornadas de junho de 2013. Na Universidade Franciscana (UFN), onde fez a graduação em Psicologia, participou do diretório acadêmico do curso e do DCE. Atualmente, cursa o mestrado.
Para Alice, a votação expressiva que recebeu está inserida no contexto de ganho de espaço de mulheres negras na política, que viu, em Porto Alegre, eleger quatro representantes em 2020 após a cidade ter eleito apenas uma mulher negra como titular em toda a sua história.
“Fico muito feliz que candidaturas negras, especialmente aquelas com as quais me identifico enquanto esquerda, tenham conseguido se eleger. Eu acho que, 2020, a partir de vários movimentos sociais, protestos e atos que se teve em função da luta antirracista, a nossa pauta ganhou mais visibilidade. Acho também que o fato de a Câmara não ser um espaço tão representativo, de ter uma maioria de homens brancos heterossexuais, isso fez também com que as pessoas olhassem com mais carinho para as candidaturas negras, que, de alguma maneira, representam o rosto da classe trabalhadora e que também tem projetos políticos para isso”, diz.
Após receber a notícia de que fora a mais votada, mas não entrara, Alice declarou ao jornal Diário de Santa Maria que a eleição é um processo “que não nos representa” pelo fato de não priorizar os candidatos majoritários.
O quociente eleitoral é um elemento chave do sistema proporcional em vigor no Brasil, em que são priorizados os votos nos partidos (até pouco tempo em coligações) antes de serem contabilizados os votos em indivíduos.
Secretário-judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS), Rogério de Vargas pontua que o modelo proporcional é complexo e que muitas vezes gera perplexidade entre os eleitores quando candidatos bem votados ficam de fora, como é o caso de Alice. Contudo, avalia que o cálculo que define quem fica com uma vaga é transparente. “Vamos imaginar uma cidade com 11 mil eleitores e 11 vereadores. Um partido precisa fazer mil votos”, explica.
Ele reconhece que a discussão sobre o sistema é válida, mas que deve ser travada no Congresso Nacional, que é quem determina as regras do jogo eleitoral. “As regras que regram o jogo eleitoral são essas e compete a Justiça Eleitoral aplicá-la”, afirma.
Há anos o modelo é debatido em todo o Brasil e tramitam na Câmara propostas de alteração para priorizar os candidatos com mais votos. Uma delas é o chamado voto distrital, que tornaria eleições para deputados e vereadores em disputas majoritárias. Isto é, cidades e estados seriam divididos em regiões e o mais votado em cada uma delas seria eleito. No caso da vereança, um candidato disputaria apenas os votos de um único distrito e, caso não fosse o mais votado, perderia a cadeira, mesmo que obtivesse mais votos que um candidato de outro distrito que eventualmente acabasse eleito. Outra seria apenas considerar os candidatos com mais votos, ignorando a votação partidária.
De qualquer forma, o caso de Alice não é isolado. Mesmo em Santa Maria, outros 16 candidatos fizeram mais votos do que o Professor Danclar. Maria Rita Py Dutra (PCdoB), outra mulher negra, foi a sétima mais votada, com 2.051. Nesse caso, contudo, a votação de Maria Rita, que ficará na suplência, ajudou a dar uma cadeira a Werner Rempel (PCdoB), que foi o terceiro mais votado e fez 2.604 votos.
Em Porto Alegre, Cláudio Janta (Solidariedade) foi o eleito menos votado, com 2.394 votos, enquanto outros 27 candidatos fizeram mais votos que eles. A diferença, contudo, é que, na Capital, todos esses eram de partidos que conquistaram ao menos uma cadeira.
O caso de Alice ecoa outra muito conhecido no Estado, quando Luciana Genro (PSOL) também não conseguiu se eleger deputada federal apesar de fazer 129.501 votos, com o PSOL também não atingindo o quociente eleitoral na época.
Nas redes sociais, o tema virou alvo de polêmica em razão de casos como o de Alice. Algumas pessoas questionam o fato de candidatos que não receberam nenhum voto serem considerados suplentes e outros com milhares de votos serem considerados não eleitos. Contudo, isso ocorre porque o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) considera todos os candidatos de um partido que conquistou ao menos uma cadeira como suplentes, não necessariamente significando que ele ficará com a cadeira em algum momento — o que só acontece quando todos os outros do partido que ficaram à sua frente estiverem indisponíveis. E, como a suplência é de atribuição partidária, não há chances de candidatos que estão em situações como a de Alice assumirem o mandato em algum momento da próxima legislatura.