
Jaqueline Silveira
Membros da Comissão Nacional da Verdade (CNV) estiveram em Porto Alegre, na tarde desta segunda-feira (15), para ouvir o depoimento de cinco militares perseguidos na época da ditadura. Também foi ouvido o filho de um militar. A audiência pública ocorreu no Salão Alberto Pasqualini do Palácio Piratini e foi organizada em parceria com a Comissão Estadual da Verdade (CEV).
Coordenadora do GT dos Militares dentro da Comissão Nacional na Verdade, Rosa Cardoso afirmou que os depoimentos coletados serão “resumidamente” incluídos no relatório final do trabalho, que será apresentado à presidente Dilma Rousseff no dia 10 de dezembro. Já os depoimentos na íntegra, conforme ela, serão enviados para o Arquivo Nacional e ficarão à disposição para a consulta.
Pesquisador do GT dos Militares, Paulo Cunha disse que a audiência desta segunda-feira é a terceira realizada para ouvir militares, as duas primeiras ocorreram em São Paulo e Rio de Janeiro. O Rio Grande do Sul, segundo ele, foi escolhido pela grande concentração de militares, além da Brigada Militar. Ele afirmou que o trabalho da comissão “será um ponto de partida”, uma vez que serão necessários mais dados para “ter um diagnóstico mais preciso e claro” desse período. “O buraco, na verdade, é bem mais embaixo. O ponto de chegada será um ponto de partida. Tem muito a ser desvelado”, enfatizou Cunha, sobre o relatório final da CNV.

Dos militares, o primeiro a prestar depoimento foi o capitão do Exército José Wilson da Silva, que auxiliou a Comissão Estadual da Verdade a contatar com os demais depoentes ouvidos na tarde desta segunda-feira.
Conhecido como tenente Vermelho, Silva foi vereador pelo PTB em Porto Alegre e teve o mandato cassado após o Golpe Militar de 1964. Ligado ao ex-presidente João Goulart e ao ex-governador Leonel Brizola, ele viveu um período na clandestinidade antes de pedir asilo ao Uruguai, país onde permaneceu por sete anos. “Eu tive que sair para não ser massacrado”, completou o militar. Ao retornar ao Brasil, em maio de 1971, se apresentou à polícia e depois foi entregue ao Exército.
Ele ficou preso por um ano em Porto Alegre e Curitiba, Paraná, devido à condenação em quatro processos políticos. “Fui ameaçado de morte e muito humilhado”, afirmou o capitão, acrescentando que não foi torturado fisicamente. Como tinha muitas informações e dados, destacou Silva, ele era importante para a ditadura. “Fui para a cadeia e tive de trabalhar com a polícia nas minhas costas”, frisou Silva. O militar disse que o trabalho da Comissão da Verdade é muito importante, pois permite às pessoas que não viveram a época da ditadura conhecer esse período da história do país.
No entanto, ressaltou o capitão, o “Brasil está atrasado” quanto a condenações de “de golpistas” comparado a países com Argentina e Chile. “As leis deixam a desejar”, explicou ele. Além de Silva, foram ouvidos o capitão Almoré Zoch Cavalheiro, o coronel Avelino Iost, o major Melquisedec Abrão Lopes Medeiros, o capitão Constantino José Sommer e Alfredo Daudt Júnior (filho do militar Alfredo Daudt). Já o militar da Marinha Avelino Capitani não pôde ficar até a hora do seu depoimento, mas entregou um relato as duas comissões. Os depoimentos se estenderam até final da tarde desta segunda-feira.
Só uma amostra dos dados
A coordenadora do GT dos Militares, Rosa Cardoso, disse que, como a Comissão Nacional da Verdade teve dois anos para fazer o trabalho não foi possível ouvir todos os depoimentos que seriam importantes para o relatório. “Não temos a pretensão de ouvir todas as pessoas. Estamos colhendo depoimentos de uma amostra”, explicou ela, acrescentando que teriam de ser ouvidos, por exemplo, trabalhadores, índios e religiosos.
No momento, ressaltou Rosa, a comissão está dando prioridade para apurar a participação de empresários na ditadura. “Os civis têm uma responsabilidade tão grande quanto os militares. Há uma responsabilidade que foi jogada debaixo do tapete nesse tempo”, afirmou a coordenadora do GT dos Militares.
Comissão gaúcha transmite dados
A exemplo da Comissão Nacional, a gaúcha também terá de concluir o trabalho em dezembro. No momento, a CEV está transmitindo os dados à CNV sobre os mortos e desaparecidos no Rio Grande do Sul. Entre as informações, estão o tipo de violação sofrida, a época, o local e os responsáveis pelos crimes. Conforme o presidente da Comissão Estadual, Carlos Guazzelli, ainda deverão ser ouvidos dois depoimentos no mês de novembro antes da conclusão do relatório final.
Comitê Carlos de Ré entrega sugestões
Coordenador adjunto do Comitê Carlos de Ré da Verdade e Justiça do Rio Grande do Sul, Raul Ellwanger, entregou documento com sugestões aos relatórios das duas comissões. Entre elas, estão a intensificação e continuidade dos esforços para a localização de restos mortais de desaparecidos políticos, a extinção da Justiça Militar e a produção de leis que proíbam a utilização de nomes ligados à ditadura em ruas e prédios públicos.