
Luísa Cruz e Renata Padilha (*)
A transição energética é um processo inevitável, mas que deve ser conduzido com responsabilidade, planejamento e escuta ativa dos territórios afetados. Em Candiota (RS), cidade historicamente vinculada à mineração e à geração de energia a carvão, esse processo desperta preocupações legítimas. A usina Candiota 3, símbolo dessa vocação, teve o encerramento de suas atividades decretado, gerando movimentações políticas para estender sua operação e mitigar os impactos sociais e econômicos imediatos.
A centralidade do carvão na região não é apenas econômica — ela é também simbólica, cultural e familiar. Trabalhar na mineração é motivo de orgulho para muitos, e essa atividade molda identidades, histórias e trajetórias profissionais. O setor ainda oferece os melhores salários da região, além de um regime especial de aposentadoria, e seu desaparecimento sem alternativas concretas deixa um vácuo difícil de preencher.
Estudos apontam que o encerramento abrupto das atividades carboníferas, como já observado em outros territórios, pode resultar em desemprego em massa, afetando diretamente cadeias produtivas locais, arrecadação pública e o bem-estar das comunidades. Além disso, o medo da incerteza permeia os discursos dos trabalhadores: medo de perder o emprego, os direitos, a identidade e o sustento da família. A reforma da Previdência, ao alterar regras de aposentadoria, apenas agravou esse sentimento de insegurança — “mudaram a linha de chegada”, como muitos relatam.
A transição energética precisa, portanto, ser socialmente justa. Isso significa reconhecer a complexidade dos territórios, garantir a participação dos trabalhadores e sindicatos nas decisões, e oferecer políticas públicas territorializadas. A experiência do DIEESE na região confirma que o diálogo com o território ainda é limitado. A transição não pode ser percebida como uma imposição externa, desvinculada das realidades locais. É preciso ouvir os trabalhadores, os sindicatos, as prefeituras, os jovens, as mulheres e os pequenos produtores rurais — todos impactados pela mudança.
O município precisa de um Plano de Transição Energética Justa (TEJ), construído a partir de um inventário local de vocações e capacidades. A requalificação profissional é um elemento essencial, mas ainda pouco presente nas discussões. Candidaturas de novas cadeias produtivas existem — agricultura, cerâmica, turismo, plásticos, construção civil — mas sem formação adequada, essas possibilidades se tornam frágeis.
Por outro lado, a manutenção dos subsídios ao carvão impõe um alto custo ao país. Esses recursos poderiam ser redirecionados, por exemplo, por meio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), para fomentar novos empreendimentos sustentáveis, de base local, com incentivo à economia solidária, apoio a assentamentos e micro empreendimentos.
É verdade que os impactos ambientais da mineração são reconhecidos, mas também muitas vezes naturalizados pela população, que os associa a um passado superado. No entanto, doenças como pneumoconiose ainda não foram erradicadas, e há indícios de impactos indiretos sobre a saúde mental, que exigem novos estudos e atenção especial.
A experiência de Santa Catarina, onde já existe uma lei estadual sobre Transição Justa, mostra que avanços institucionais são possíveis, mas também revela limites quando não há territorialização real das políticas. Em Candiota, o desafio é transformar a transição de um processo abstrato em um projeto concreto de futuro.
A transição energética pode ser uma oportunidade para reverter desigualdades históricas, desde que seja participativa, gradual e comprometida com a justiça social. O papel de instituições como o DIEESE pode ser justamente o de articular diferentes atores — poder público, trabalhadores, universidades, movimentos sociais e setor privado — para que ninguém seja deixado para trás.
Candiota tem o direito de imaginar e construir seu futuro além do carvão — mas esse caminho precisa ser pavimentado agora, com coragem, escuta e planejamento.
(*) Luisa Cruz é geógrafa e técnica pesquisadora do DIEESE. Atualmente, desenvolve uma série de estudos em várias regiões do Brasil, com foco em clima, meio ambiente, trabalho e gênero; Renata Padilha é graduada em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Pelotas e fundadora do movimento Eco Pelo Clima, que defende o cumprimento do Acordo de Paris, a Agenda 2030 e a transição energética justa.