Opinião
|
19 de fevereiro de 2025
|
14:39

Podemos fazer, só precisamos saber como fazer – um convite! (por Janaína Collar e João Beccon)

Javier Milei. Foto:
Tânia Rêgo/Agência Brasil
Javier Milei. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Janaína Collar e João Beccon (*)

Na última sexta-feira, dia 14 de fevereiro, um colapso financeiro em que diversos investidores perderam muito dinheiro, após o presidente argentino promover e incentivar a compra de criptomoeda, a partir de postagens em redes sociais. Independente da culpa ou dos efeitos dos processos de investigação envolvendo o caso, o que queremos chamar a atenção é para o processo que vemos ao longo de nossa história intensificado nas últimas duas décadas, o potencial do discurso. Ele aceita qualquer conteúdo e, portanto, cada vez menos importa o que se está dizendo, mas a partir de quem ou de que grupo se está originando. 

No mundo de hoje, fake news gera lucro (e muito); no entanto, pensar de forma crítica, encarando que nossa realidade é constituída de uma rede complexa de informações, em que fatos são reescritos conforme determinado interesse do grupo que se sente pertencente, não traz “engajamento”. A manipulação do discurso esconde as ambiguidades dele, promovendo ainda mais desigualdade social, pois a concentração de renda é ampliada. Escondemos atrás do discurso de grupos antagônicos, ações e políticas excludentes e que favorecem a fração mais rica da população (os poucos mais de 1%). 

A massificação desse discurso (de morte) é produto da reprodução deliberada de uma bandeira, de um lado que se sente estar e pertencente. Paradoxalmente, também produzido por discurso, pois basta um clique, um compartilhamento, uma fala, uma afirmação irreflexiva para se pertencer a um grupo cuja bandeira invariavelmente está num campo dicotômico em que me sinto (forçado) a ocupar. A mola propulsora desses discursos é muitas vezes o julgamento do outro (grupo). Nos sentimos constantemente em comparação, incentivando a disputa e a rivalidade. Tal performance fomenta uma competição insana, pois o objetivo é abstrato e indeterminado, ter mais/melhor que os outros, ou seja, a régua é a métrica de acordo com o que você sabe (acha que sabe), pois o outro mostra o que não temos, e assim o potencial desejo se instala. Nesta toada convidamos você a prestar mais atenção e evitar pensamentos e teses que defendem uma forma universal, generalizante e hegemônica sobre nossa realidade, pois ninguém vem de um mesmo lugar, detém a mesma trajetória o que dirá se realizará com os mesmos objetivos/sonhos e “pacote felicidade”. Em termos de coletivo, precisamos ocupar nossos territórios regionalmente, nos implicarmos com campanhas, grupos, sociedades locais, e todo o tipo de organização que agregue informação e traga protagonismo para agendas relevantes para a sua região.

A psicanálise é um campo de análise do sujeito, suas subjetividades e borramentos, mas também inserida no coletivo e suas visões de mundo (literatura, história, política, religião, cultura, …). Precisamos não reproduzir narrativas massificadas, universais, que generalizam e fortalecem os discursos hegemônicos. Classificar a dor/sofrimento do outro sempre como o outro, é prática de controle e “silenciamento”, no monitoramento de um pacto antigo de controle de desejos e emoções, através de encaixotamento de perfis e completo abandono da agenda de pluralidade e subjetividade. 

O campo progressista precisa ampliar e qualificar seus argumentos para além da ação e reação, é “preciso reduzir a gritaria dicotômica” e engrossar o caldo, sabemos ser uma tarefa árdua combater agendas de morte, promovendo esta máquina de moer subjetividade e desqualificar narrativas. Nesta toada, assim como no campo progressista se perde no ressoar de “coligações estratégicas”, o sujeito é diagnosticado selvagemente por sua história, reduzido a vivencias especificas, computando ao próprio sujeito a culpa, pelo sofrimento e dilacerações de uma sociedade estruturalmente violenta.

O poder que se perpetua não o realiza através de violência física, pois desta ele acaba por depender e uma vez cessado, o poder também deixa de existir. O poder se perpetua pela sujeição através da reprodução ou produção contínua de uma lembrança, ou seja, ele age a partir do potencial de melancolia que em cada um provoca. Como Freud comenta, a melancolia tem relação com algo que perdemos. Na relação com o poder, tem relação com a perda e recuperação de um ideário, uma promessa; objetivos e expectativas. Não à toa depositamos verdades a partir de líderes messiânicos.

Precisamos prestar atenção em nossas atitudes, decisões e posicionamentos. Somente controlamos as nossas próprias ações, depositando expectativas, no máximo, para com o outro. Só somos capazes de fazer algo, se somos capazes de entendê-lo. Neste sentido, chamamos a atenção para que participemos mais de instâncias locais de controle social, onde cada um de nós pode atuar. Sabemos que isso demanda energia e caso não possas participar desses coletivos, pelo menos devemos nos informar mais sobre estas instâncias tão importantes para a fiscalização do nosso orçamento público e formulação de políticas públicas.

Este ano, em agosto de 2025, teremos a etapa nacional da 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora organizado pelo Conselho Nacional de Saúde do Ministério daSaúde. As conferências em saúde estão previstas na Lei Orgânica do SUS (Lei 8080/1990, art.3º) e na Lei 8142/1990, art. 1º, §1º, que regula a participação social no SUS. Ocorre que antes disso, até abril deste ano, devem ocorrer as conferências locais, municipais e regionais, além das conferências livres. Já etapa da conferência estadual, deve ocorrer até junho de 2025. São instâncias importantes, pois discutem políticas públicas e elegem representantes desses coletivos. São exemplos de instâncias que podemos participar. A legislação prevê outros. 

Podemos fazer, só precisamos saber como fazer! 

(*) Janaína Collar é psicanalista e mestre em Saúde Coletiva e João Beccon de Almeida Neto é advogado e professor da Unipampa

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também