
Janaina Collar e João Beccon de Almeida Neto (*)
Final de ano, tempo de renovação onde o borramento do fim e do início de ciclo se estabelecem, mas será mesmo?
No jogo da dualidade há muitos que creem que sim, com a certeza do sempre foi assim, e assim será, mas também há os dissidentes que creem que é tudo construção simbólica, do nosso imaginário individual e/ou coletivo. A cada final de ano temos a sensação de que com a meia noite do dia 31 de dezembro, temos um fim de jogo e com o primeiro de janeiro o estandarte flamejante e repleto de “novos” objetivos e desejos. Nesta toada o cotidiano é construído, pois mesmo sendo uma criação este cenário e sua organização existem, e são práticas vivazes que de muitas formas nos capturam no trabalho, negócios, serviços e até na vida pessoal e familiar. E assim, seja nas empresas, organizações e até mesmo no governo em seus três níveis, somos atravessados por prazos de entregas e projetos desse calendário imagético.
Mas essa “maldita adaga” (como afirma Fito Paez) que é o tempo, não passa de uma ficção que criamos. Já contamos o tempo de diferentes formas, até chegarmos as horas, minutos e segundos. Não se trata de defender que o tempo é relativo, uma vez que o tempo do objeto pode ser diferente do tempo do observador. O tempo passa de forma distinta para cada um.
Vivemos em sociedade e que precisamos pensar mais no quanto estamos implicados um no outro. Ou seja, todos compomos um coletivo que atravessou muitos contextos históricos e nada democráticos até onde estamos. A formação de políticas públicas deve levar em conta não o tempo de sua implementação ou o impacto dela em determinado ciclo de tempo, como um mandato eletivo, mas sim o quanto ele deve ser fortalecedor de nossas relações. E para além desse impacto, defendemos que essas políticas sejam internalizadas por cada um nós, para que exerçamos o controle social.
Independente da relatividade do tempo e espaço, políticas de acesso a serviços de saúde públicos de qualidade precisam ter como planejamento o impacto social. Temos que aprender com o tempo como a vida muda. No início do século 20, as políticas de saúde eram majoritariamente exercidas como forma de controle social, sem preocupação com a qualidade dos serviços. Desde então, passamos a compreender a importância de que os serviços em saúde não são caridade, ou seja, voltamos a dualidade, mas aqui público e privado.
Então estabelecer atuações e elencar encaminhamentos eficientes e qualificados é caminho comum, o público e gratuito não é sinônimo de “ofertado de qualquer jeito”. Os serviços precisam ser ofertados de forma integral e com qualidade, não devem performar conforme a orientação do gestor que ocupa o assento de inquilino temporário. Poderíamos falar de diferentes exemplos, mas como estamos escrevendo da fronteira, vamos comentar o exemplo das políticas de cooperação binacional em serviços de saúde. Em diferentes estudos, vamos perceber que as cidades de fronteira, como Santana do Livramento/RS e Rivera/UY, cuja fronteira não é separada por uma ponte ou rio, a cooperação de serviços longitudinais muito embora seja permitida por lei, depende da “vontade” dos gestores locais. Neste sentido, vamos vislumbrar que a população que habita ambas as cidades e que compartilham o mesmo território não podem compartilhar de forma direta dos serviços públicos de saúde, pois depende da existência de acordos bilaterais que se precarizam com o tempo (ou com o fim de cada ciclo eleitoral).
No cotidiano de práticas de reprodução do mesmo, que produzem nada ou infinitamente menos do que o necessário, são ações revestidas de discursos que camuflam os privilégios de quem os detém. Quando se estabelecem diretivas, meios e ações ativas do que fazer, como mudar e aprimorar, muitos são os emuladores de freios, para além “do sempre foi assim”, selado a brasa dos mais longínquos territórios e nacionalidades. Talvez seja leviano diagnosticar a todos de forma massificada, pois aqui acreditamos nas singularidades de origens e percursos, mesmo que o destino te leve para o mesmo lugar, os trajetos que se acumulam nas jornadas individuais, são distintos.
Falando de ambiguidade, representativa é a música “Jornais” da banda Nenhum de Nós:
“(…) As pessoas que se enrolam nos jornais não são mais notícia.
Elas não esperam de um papel em duas cores.
Nada mais que um pouco de calor.
A calçada não é pai, não é mãe, não é nada.
Nada mais do que um abrigo, um refúgio.
Tão estranho pra quem passa.
Pra quem passa. Onde vai? Nós estamos de passagem.
Onde vai? (…)”
Acreditamos no conhecimento como ferramenta de aparato intelectual não só como amplo poder de escolha e atuação em uma vida democrática, mas que proporciona letramento e produz liberdade de escolha. Não há liberdade quando há necessidade, ou seja, só se pode escolher livremente quando se tem segurança econômica, de moradia, de saúde física e mental.
(*) Janaina Collar é psicanalista e mestre em Saúde Coletiva; João Beccon de Almeida Neto é advogado e professor da Unipampa.
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