
Atahualpa Blanchet (*)
O Brasil se despede esta semana da presidência do G20, deixando um legado significativo. Em um mundo marcado por tensões geopolíticas e transformações econômicas e tecnológicas, o país promoveu pautas e obteve avanços em áreas como mudanças climáticas, transição energética e governança da inteligência artificial (IA), reforçando a participação social e a inclusão no processo decisório do grupo.
Em 2025, o Brasil assumirá a presidência dos BRICS, um bloco ampliado pela participação de Arábia Saudita, Irã, Emirados Árabes Unidos, Egito e Etiópia (que se somam aos membros originários: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).
Traduzir os avanços do G20 em uma agenda coesa no BRICS, passará pela negociação de interesses diversos em um contexto de incertezas.
Certo é que o BRICS ampliado desempenhará um papel altamente estratégico na arena internacional. Com uma produção diária de 36,7 milhões de barris de petróleo por dia (45% da extração mundial) somado à crescente influência da China no cenário internacional e o tensionamento geopolítico em torno da Rússia, o Brasil terá um complexo desafio na condução do grupo.
A crescente centralidade dos BRICS em temas como mudanças climáticas e soberania tecnológica pode fazer com que a presidência brasileira insira na agenda internacional temas destacados no G20, como as estratégias para uma transição energética e digital justa, a governança de políticas voltadas para os impactos sociais e econômicos da implementação de sistemas de inteligência artificial e o fortalecimento da cooperação Sul-Sul.
Durante sua presidência no G20, o Brasil priorizou três eixos principais: inclusão social, transições energéticas e reforma da governança global. Esses temas foram materializados em iniciativas, como a criação da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, a mobilização global contra a mudança do clima e o chamado à ação pela reforma das instituições multilaterais.
A presidência brasileira também inovou ao integrar a participação social no processo decisório do G20, com a criação do G20 Social, integrando organizações civis e movimentos sociais no processo de incidência sobre a Declaração de Líderes, estabelecendo um precedente para outros foros internacionais.
Avanços na Economia Digital e Soberania de Dados
Os grupos de trabalho do G20 se destacaram como uma plataforma para avançar em temas estratégicos.
Em 2023, o Brasil, ao presidir o MERCOSUL, liderou o processo de formulação de declarações ministeriais que abordaram desde o papel da IA ao desenvolvimento sustentável, passando pela redução de desigualdades sociais.
No caso do G20, o país ampliou e aprofundou essas pautas buscando o reconhecimento da necessidade de redução das assimetrias entre os países do grupo. A projeção para 2025 indica que temas relacionados à infraestrutura e logística para o comércio internacional deverão ocupar a centralidade dos debates do BRICS, somado ao grande investimento realizado pela China e pelos países árabes em novas tecnologias.
Nesse sentido, um dos desafios que marcará o elo entre as presidências brasileiras do G20 e do BRICS será o estabelecimento de padrões regulatórios que protejam a soberania de dados (já considerado como o novo petróleo) em um cenário onde as assimetrias tecnológicas entre países ameaçam aprofundar desigualdades pré existentes.
A soberania de dados, que engloba o controle sobre o armazenamento, processamento e uso de informações, é essencial para que os países em desenvolvimento preservem sua autonomia tecnológica e econômica.
Esse debate, iniciado no G20, deverá ter continuidade no BRICS, onde o Brasil pode liderar esforços para fortalecer capacidades locais e criar um ambiente regulatório que priorize a justiça social e a inovação com base em princípios éticos já reconhecidos em instrumentos internacionais.
Mudanças Climáticas e Transição Energética Justa
A mobilização contra as mudanças climáticas foi outro pilar da presidência brasileira do G20, com foco nas transições energéticas, digitais e demográficas.
No BRICS, a transição energética deverá ganhar novos contornos, especialmente com a inclusão de membros como Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, grandes produtores de combustíveis fósseis.
Neste quesito o Novo Banco de Desenvolvimento – NDB (Banco dos BRICS) terá um papel fundamental no direcionamento de linhas de crédito para o investimento em infraestrutura voltada para a digitalização e descarbonização das matrizes energéticas e produtivas. O conceito das empresas petrolíferas se amplia para as chamadas empresas de energia.
O Brasil, com sua matriz energética baseada em fontes renováveis, poderá desenvolver soluções que combinem inovação tecnológica com inclusão social. Nos moldes das ações já em curso por parte da Itaipu Binacional, por exemplo.
Além disso, a presidência brasileira da COP30, marcada para 2025, será uma oportunidade de consolidar esses avanços e reafirmar o compromisso global com a redução das emissões e a adaptação climática.
Os Desafios de um Panorama Internacional Incerto
Apesar dos avanços alcançados no G20, a implementação dessas conquistas enfrentará desafios significativos no atual cenário internacional. A eleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos marca uma nova fase de incerteza política, com potenciais impactos nas ações de cooperação internacional voltadas à mitigação das mudanças climáticas e nos esforços de descarbonização.
Durante seu mandato anterior, Trump retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris. Sua volta ao poder tende a dificultar a mobilização de recursos para ação climática e gerar retrocessos em compromissos assumidos por outros países.
Além disso, o acirramento das tensões comerciais entre Estados Unidos e China deverá polarizar ainda mais as dinâmicas internacionais. A disputa comercial entre os dois gigantes, que já afeta cadeias globais de valor e investimentos em tecnologia, pode dificultar a construção de consensos em fóruns multilaterais, incluindo o BRICS.
A crescente rivalidade entre essas potências representa um obstáculo para iniciativas multilaterais como a governança da inteligência artificial e a reforma da governança internacional.
Nesse contexto, será mais difícil transformar os avanços do G20 em ações concretas durante a presidência brasileira do BRICS. O Brasil precisará mediar interesses conflitantes e articular uma agenda comum em áreas prioritárias, como mudanças climáticas, transição energética e inovação tecnológica.
O legado deixado pela presidência do G20 oferece uma base sólida, mas o caminho à frente exigirá ajustes e correções de rota para navegar em um cenário internacional cada vez mais complexo e incerto.
(*) Atahualpa Blanchet é pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP) e do Grupo Transformação Digital e Sociedade da PUC/SP.
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