Opinião
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21 de novembro de 2024
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11:52

A defesa conservadora da jornada 6×1: um exemplo de retórica da reação (por Henrique Morrone)

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Henrique Morrone (*)

Na literatura, há uma longa tradição de explorar as consequências imprevistas e, muitas vezes, negativas de ações que, à primeira vista, parecem bem-intencionadas. Voltaire é um exemplo desse tipo de análise, oferecendo uma série de lições em sua obra Zadig. Da mesma forma, Giuseppe Tomasi di Lampedusa, em O Leopardo, também explora as complexidades dos paradoxos sociais e políticos.

Esse tipo de análise não se limita à literatura, mas também é comum na economia. Economistas neoclássicos, por exemplo, utilizam análises de custo-benefício para destacar paradoxos nos quais políticas aparentemente benéficas acabam gerando efeitos econômicos adversos para a sociedade. Um exemplo disso seria a transferência de recursos do resto do Brasil para a região Nordeste, que, embora pareça positiva, poderia, teoricamente, levar ao enfraquecimento econômico da região, tornando-a ainda mais dependente. Um fenômeno semelhante ocorre com o sul da Itália, que recebe apoio financeiro do Norte, mas permanece economicamente atrasado. Outro exemplo seria o pagamento do décimo terceiro salário, que impõe custos adicionais às empresas, afetando sua lucratividade. Embora essas políticas sejam moralmente válidas, elas poderiam resultar em consequências indesejadas do ponto de vista econômico.

Essa ênfase nas consequências negativas imprevistas é característica do pensamento econômico conservador e foi bastante explorada no livro intitulado Retórica da Reação do economista alemão Albert Hirschman. Contudo, nem sempre esses efeitos negativos se concretizam. Um bom exemplo disso é o pagamento do décimo terceiro salário. Embora aumente os custos para as empresas, o benefício se traduz em um aumento da demanda por produtos e serviços, seguindo a lógica do paradoxo dos custos kaleckianos. Ou seja, o aumento nos custos das empresas pode, paradoxalmente, resultar em um estímulo à economia, o que, em um cenário de baixa taxa de investimento, poderia ser vantajoso.

Portanto, é importante ser cauteloso ao tirar conclusões precipitadas, uma vez que as previsões econômicas, especialmente utilizando a ótica keynesiana, podem ser imprevisíveis. Um exemplo disso é a discussão sobre a jornada de trabalho 6×1 e 4×3. Economistas neoclássicos argumentam que a jornada de trabalho 4×3 geraria aumento de custos para as empresas, o que, em sua visão, resultaria em uma queda de produtividade. No entanto, esse raciocínio é análogo ao que se observa no caso do décimo terceiro salário e do apoio às regiões mais pobres: o aumento dos custos, se ocorrer, pode ser compensado por uma mudança técnica que impulsione a produtividade. Além disso, empresas com margens de lucro mais altas poderiam em tese absorver esses custos adicionais sem grandes dificuldades, sem pressionar a inflação.

O ponto central, portanto, é que os resultados econômicos são muitas vezes imprevisíveis. Contudo, o que é indiscutível em uma sociedade desigual como a brasileira é que a promoção do bem-estar dos trabalhadores deve ser uma prioridade, como uma questão de justiça social. A jornada de trabalho 6×1 ou 4×3, ao impactar diretamente a qualidade de vida dos trabalhadores, deve ser analisada não apenas sob a ótica da eficiência econômica, mas também do bem-estar coletivo e da equidade social.

(*) Professor de Economia da UFRGS

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