Opinião
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5 de julho de 2024
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06:56

Territórios escolares: “entre-lugares” (por Liliane Ferrari Giordani)

Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Liliane Ferrari Giordani (*)

A tragédia da crise socioambiental que assolou o Estado do Rio Grande do Sul mobilizou a todos nós. Redes de solidariedade rapidamente se estabeleceram pela ação espontânea de muitas pessoas, importantes pesquisas receberam atenção  pública, agentes políticos inauguram seus escritórios locais e todos se ocuparam de buscar alternativas de sobrevivência e reconstrução. O fortalecimento de vínculos das crianças e adolescentes com suas escolas mobilizou direções e professores. A pauta no campo da Educação passa ser a escuta ativa, o  acolhimento e as aulas reinventadas, externando a  preocupação com a  retomada do que foi interrompido em consequência das enchentes. A escola é muito mais do que seus prédios, escola é encontro de gentes, com suas culturas, línguas, experiências.

Ao retornar após uma catástrofe, é necessário nos reinventarmos, redescobrirmos jeitos de não deixar ninguém para trás, e isso nesse momento é mais importante do que darmos conta da lista de conteúdo. Vivemos uma tragédia em vários níveis e sem precedentes e devemos nesse momento buscar múltiplas possibilidades de conectar os conhecimentos escolares com os estudantes, inclusive considerando os impactos dos deslocamentos para abrigos e regiões não afetadas pelas águas. Para alguns, não terá a volta para casa, porque não há mais casa para voltar. A escola é o lugar em que podemos aprender a partir da experiência e leitura da realidade.

O espaço da escola deve sempre contemplar cada um(a) na sua identidade e na sua diferença. Cada criança, adolescente, jovem ou adulto chegará neste retorno com uma história, uma experiência, um sentimento, uma demanda diferente. A escuta sensível das(os) educadoras(es) será fundamental para reconstruir a trajetória e fortalecer vínculos. A escola em seus diversos cenários, seja na volta ao prédio recuperado, nas salas improvisadas dos alojamentos e abrigos ou em novos territórios das igrejas e salões comunitários deverá ter como princípio  o acolhimento e o sentimento de pertencimento. O conteúdo com certeza é importante e relevante, não devendo ser reduzido ou simplificado. Mas é fundamental entendermos que o momento vivido pela comunidade escolar também é conteúdo, de vida e acadêmico.

Precisamos reinaugurar tempos, abrindo fronteiras com informação, reinvenção e responsabilidade, saber que a mente humana é um multiverso de sensações, desafios e oportunidades, isso tudo sem desconsiderar o princípio da equidade que deve garantir a acessibilidade e o direito à Educação. Para avançarmos nas políticas educacionais, é imprescindível uma série de transformações políticas, culturais e sociais no cumprimento do orçamento público de forma plena e eficaz. Nesta perspectiva, tencionam-se debates para rediscutir currículos e práticas que possam romper com a lógica de uma única forma de aprender e que permitam possibilidades para diferentes aprendizagens.

É necessária  a presença de conteúdos e práticas na formação docente que movimentem os tempos e os espaços da escola e dos alunos, que se propõem em experimentações no encontro de saberes. As Universidades, através de seus cursos de formação inicial e continuada de professores, projetos e programas de extensão e pesquisas com estudos de diferentes áreas do conhecimento deve estar  à disposição das redes de ensino para a reconstruir em conjunto o retorno à escola, com comprometimento esperado de uma Universidade socialmente referenciada e ambientalmente responsável. 

(*) Professora na Faculdade de Educação da UFRGS e integrante do Movimento Virada UFRGS.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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