Opinião
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16 de julho de 2024
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19:12

Financiar as protetoras: uma proposta para salvar os animais resgatados na enchente (por Leonardo da Costa)

Foto: Leonardo da Costa
Foto: Leonardo da Costa

Leonardo da Costa (*)

A realidade é triste, temos mais de 15 mil animais em abrigos e a maior parte nunca serão adotados e esses abrigos tornaram-se depósitos para descarte de animais, sabemos disso porque antes mesmo das enchentes, os abrigos de animais já estavam saturados e agora estão prestes a colapsar.

Dentre os diversos problemas que teremos que lidar na reconstrução do Rio Grande do Sul, um deles sem dúvidas é a questão animal, mas para esse problema, da mesma forma que o ambiental, não falta conhecimento técnico ou dinheiro, falta vontade política daqueles que mandam nas cidades. 

Resolver a questão animal não se trata apenas de subsidiar um trabalho social tão importante quanto o exercido pelas protetoras, mas garantir uma estabilidade social capaz de reorganizar e reeducar a nossa comunidade. 

Digo aqui protetoras no feminino, porque a maioria absoluta são mulheres, e essa questão não vai ser resolvida sem uma política pública que escute elas, já que essa caminhada não começou em maio. 

Precisamos também diferenciar o amor do trabalho social, essas pessoas fazem o que fazem porque amam, mas ainda assim, é um trabalho social, porque elas ajudam os animais de outras pessoas, que não tem mais condições de fazer isso, porque perderam suas casas e suas vidas na enchente, então elas estão ajudando essas pessoas também.

A proteção dos animais é feita por pessoas, por CPF’s e não por CNPJ’s, então a gente precisa direcionar uma política pública voltada aos CPF’s. A maior parte delas está situada em uma realidade precária, não por escolha, mas porque dedicam suas vidas a este trabalho social, portanto, a política pública precisa ser direcionada pra realidade delas, sem, inicialmente, cobranças absurdas, mas ao longo do tempo de financiamento estabelecer regras, contrapartidas e adaptações. 

Um exemplo é a cidade de Canoas possui por meio da Secretaria de Bem Estar Animal o auxílio protetor canoense, não cabe aqui entrar no mérito da qualidade mas destacar que é uma iniciativa que precisa ser melhorada e replicada, em Canoas as protetoras recebem um auxílio mensal no valor de R$ 350,00 para auxiliar nas despesas com os animais que socorrem. Para receber o Auxílio o protetor deve estar credenciado junto ao município, o cadastramento se dá por Edital de Chamamento Público, o qual contém as normas e para a habilitação dos interessados, bem como a exigência da entrega de documentação. 

Mas de onde viria o dinheiro?

Fundo para multas por maus-tratos: deve ser estabelecido não um valor irrisório mas um valor que possa manter o animal até o final de sua vida, já que o tutor que violentou o animal perde a guarda do mesmo, ele deve ser responsabilizado sobre o sustento do animal; Precisamos estabelecer o custo de vida de um animal, um cão vira-lata (sem raça definida) vive em média 12/15 anos, precisamos estabelecer o cálculo anual da alimentação e medicamentos, tendo em vista eventuais problemas de saúde e acidentes que façam com que o custo aumente, e estabelecer um valor;

Financiamento privado: As pessoas querem e gostam de doar, então as prefeituras podem estabelecer um banco de cadastro de empresas e pessoas que estejam dispostas a financiar essas protetoras, mas não conhecem e não tem tempo de procurar então cabe às prefeituras ser a ponte que liga os doadores as protetoras;

Abatimento em ICMS, IPTU, etc: Existem diversas empresas que na hora de pagar seus impostos preferem direcionar para instituições do que para o Estado, então sejamos a ponte entre essas ações.

Responsabilizar é reeducar

Abandono de animais e maus tratos é crime, mas ninguém é de fato responsabilizado por isso, a responsabilização não se dá apenas na punição do criminoso com “cadeia”, mas nos custos da vida daquele animal maltratado, precisamos aplicar as leis que já existem e fazer a coisa andar, mas sobretudo ser sustentável, porque as protetoras tem a experiência do trabalho, mas não tem os recursos, então devemos lhes dar o recurso.

Muito tem se debatido sobre o poder público assumir a responsabilidade ou não, mas uma coisa é fato, as protetoras já possuem a expertise para cuidar dos animais, já têm experiência e uma rede de contatos, só precisam do incentivo, diferente do poder público que não tem estrutura básica para manutenção dos abrigos. 

Essa má gestão do poder público, também é um reflexo de algo que está acontecendo agora e ninguém está falando sobre, a castração em massa, que está sendo realizada por prefeituras no Rio Grande do Sul, que não tem estrutura para o procedimento nem para os cuidados posteriores, eles querem números, querem postar nas redes que fizeram 200/300 castrações em um dia, mesmo não tendo voluntários/veterinários ou estagiários para o pós-operatório e o resultado é esse: animais que foram resgatados das enchentes, com baixa imunidade, no meio de surtos de infecções como cinomose, que ficam acorrentados por 23h ao dia passando por procedimentos cirúrgicos, ficando sem remédios para dor até adoecerem e morrerem sem ninguém perceber.

Os animais domésticos precisam ser castrados, mas de uma forma digna.

(*) Ambientalista, Historiador e membro do Coletivo Mato do Júlio

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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