Opinião
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28 de julho de 2022
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06:47

Crítica socioambiental ao Plano Diretor de Torres (por Rafael Frizzo)

Praia da Cal. Foto: Free images
Praia da Cal. Foto: Free images

Rafael Frizzo (*)

 O que está em jogo com a revisão do Plano Diretor de Torres – além dos índices de verticalização à beira mar, na Zona 8 da Praia Grande – é um amplo processo de conversão urbana, incorporando áreas de ocupação extensiva com a intensificação das taxas construtivas e industriais. 

Numa perspectiva socioambiental crítica a partir dos documentos que foram apresentados na Audiência Pública promovida pela Prefeitura de Torres/RS, na noite da última terça-feira (26), no auditório da Ulbra, com expressiva participação de diversos setores da comunidade, observam-se reflexos de um avanço sem precedentes e que precisam ser conjecturados com o que está acontecendo em todo o litoral norte do RS. Impactos de uma especulação setorialmente consolidada, com incentivos contrários ao turismo sustentável, em detrimento de um modelo de desenvolvimento com artifícios à industrialização. Modelos que, de longa data, evidenciam inúmeras questões arriscadas e que não dialogam com as características tão especificas de ambientes costeiros; agora, sendo estendidas às praias do sul e campos de ocupação tradicionalmente rurais.

Até o ano de 2015, em Torres, discutia-se um Plano Diretor Territorial Ambiental (PDTA). Após publicação designado nova comissão interna aos trabalhos de revisão dos documentos (Portaria N. 424 de 16 de maio de 2018), o mesmo, passou-se a chamar Plano Diretor e Ambiental. Contudo, na documentação avaliada e apresentada na última noite, os componentes ambientais não estavam presentes. E, o mais grave, todo o capítulo que possuímos no antigo Plano Diretor de 1995 – ainda vigente –, além de não contemplar atualizações, foi completamente suprimido na atual redação. Situação que, por si, já incide em inúmeras dúvidas sobre modelo de plano debatido.

O dever da ação comunitária proporcionada por coletivos em defesa ao patrimônio natural, cultural, paisagístico e turístico das Torres, têm sido promover o diálogo de relações harmônicas de cooperação entre sociedade e meio ambiente. Um princípio ético – do cuidado –, como a Natureza das Torres merece por direito! Aos nossos municípios, cabe assumirem desafios que envolvam agendas comuns à altura de planos diretores ambientalmente sustentáveis. Urgentemente! Com esse intuito que a Associação de Surfistas de Torres – AST, Associação dos Condôminos da Praça João Neves da Fontoura – 4 Praças, Associação Onda Verde – Preservando o Meio Ambiente, Coletivo Diga Não às Torres de Concreto, Comunidade Indígena Mbyá Guarani do Campo Bonito – Tekoa Nhü Porã, Centro de Estudos Históricos de Torres e Região – CEHTR, Fundação Gaia – Legado Lutzenberger, Eduque Consultoria Ambiental, Grupo EcoTorres do José – Rede Ecovida de Agroecologia, Instituto Curicaca, Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – INGá, Praia Limpa Torres, Preserve Torres e Rede Cultura Torres, ingressaram junto à Promotoria de Torres, via Ministério Público Estadual, no sentido de qualificar a participação social em defesa à diversidade étnica, cultural, ambiental e econômica, como Direito à Cidade, de forma equânime e inclusiva a todas e todos. Com base nisso, faz-se necessário tecer algumas breves considerações:

Como compatibilizar uma zona urbana extensiva com incentivos industriais, de Nível III – isto é, com alto impacto ambiental –, na proposta Zona Logística do Aeroporto (4° Distrito), sendo que a mesma pertence à Área de Proteção Ambiental da Lagoa Itapeva (Lei Municipal, N.3.372/99), criada, justamente, para mitigar os impactos do mesmo empreendimento numa das regiões úmidas mais sensíveis em nosso ecossistema costeiro? Não por menos, principal manancial na captação e abastecimento público de toda à água servida e consumida pela população através da Corsan.

Como compatibilizar, nas Zonas 2 e 3 (4° Distrito) – Praias do Sul, historicamente invisibilidades pelas administrações públicas e, que agora, ganha novos ares de horizontalidade com a promessa de um Porto Marítimo – sem a apresentação de estudos ambientais –, em Arroio do Sal, com a permissão de edificações de até 18 metros (Zona 2) e 30 metros (Zona 3), com incentivos industrias até nível II, por exemplo, em áreas adjacentes ao Parque Estadual de Itapeva (Decreto N° 42.009/2002)? Proposta, no mínimo, incompatível com zonas de amortecimento estabelecidas desde os documentos originais aos estudos de revisão do Plano de Manejo da UC, incorporando microcorredores ecológicos que a interligam diretamente com outras áreas protegidas da natureza e sítios arqueológicos, nos últimos ambientes costeiros de características tradicionalmente rurais que, compreendem, ainda, o protagonismo da agricultura familiar com produção orgânica participativa certifica pela Rede Ecovida de Agroecologia, e de sistemas agroflorestais de base ecológicos autorizados pela SEMA.

Qual modelo de Zona Histórica, Zona 5 (1° Distrito), moradores, veranistas e turistas de Torres podem acreditar? Considerando que não existem esforços políticos referentes à concretização da legislação de proteção ao Patrimônio Histórico, Cultural e Arqueológico do Município, previsto desde 1995. Onde, praticamente nada se fez; contrariando o incentivo de políticas públicas de valorização e preservação, testemunhando-se um constrangedor irremediável apagamento do Direito à Memória.

Como compatibilizar áreas urbanas de ocupação intensiva e industrial, com construções de até 21m, na Zona 20 (3° Distrito) – Núcleos São Brás e Campo Bonito e Zona 21 (3° Distrito) – Corredor BR-101 / Leste, em áreas adjacentes à Terra Indígena Guarani do Campo Bonito, adquirida, em 2007, com medida compensatória aos impactos socioambientais da rodovia junto ao modo de vida da comunidade de Nhü Porã? Invisibilidade étnica e que reflete o racismo institucional que fere princípios constitucionais diretamente relacionados ao Direito dos Povos Originários, em todo o território brasileiro, perante a soberania e autodeterminação de suas vidas. Dispositivos, presentes em tratados internacionais, onde o Brasil é signatário, portanto, com obrigações conjuntas na responsabilização de atendimento, a exemplo, da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com especial atenção a proteção de valores, práticas sociais e culturais; prevendo, ainda, o direito livre, prévio e informado de consulta às comunidades em qualquer situação que incida afetá-los diretamente.

Diante disso, discutindo-se inúmeras outras questões, o Conselho Consultivo do Parque Estadual de Itapeva, reunido em reunião extraordinária (22/07), entende que é extremamente necessária à atualização de uma proposta de Plano Diretor para Torres. Entretanto, o entendimento é que não há harmonia entre os documentos apresentados e que precisam ser solucionados previamente; especialmente, no que tange à legislação ambiental mais ampla. Portanto, há necessidade de uma compatibilização prévia, urgentemente, evitando processos de judicialização que não interessam a nenhuma das partes. 

Em defesa de garantias ambientais que partem do Código Ambiental do Município de Torres (Lei Complementar N° 30/2010), pela manutenção do Zoneamento Ecológico Econômico do Litoral Norte do RS e atenção aos Planos de Bacias Hidrográficas do Rio Mampituba e do Rio Tramandaí, entre diversos outros dispositivos que devem ser preconizados a uma gestão costeira integrada, espera-se que na continuidade de revisão do Plano Diretor de Torres estas posições possam ser atendidas.

Ademais, Torres pertence à zona núcleo da Reserva da Biosfera, sendo chancelada como Geoparque Cânions do Sul, igualmente reconhecidas pela Unesco. Logo, deve estar em sintonia com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e os desafios globais da Agenda 2030. Nada menos.

(*) Historiador e antropólogo, morador de Itapeva; representante da sociedade civil no Conselho Consultivo do Parque Estadual de Itapeva e no Centro de Estudos Históricos de Torres e Região.

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