
Jonas Reis (*)
O final do primeiro ano do prefeito Sebastião Melo à frente da Prefeitura de Porto Alegre é o momento adequado para fazer um balanço dos acertos e erros da gestão. Infelizmente, para a população, os erros superam os acertos. O prefeito Melo assumiu o cargo no período de agravamento da pandemia. Aconteceu o que até então não havia ocorrido em Porto Alegre: falta de leitos, pessoas que deveriam estar em uma UTI com respirador, esperaram dias nas UPAS. O número de mortes cresceu assustadoramente, chegando a 5806 óbitos, muitos deles evitáveis.
Em meio ao caos sanitário, Melo se recusou a adotar medidas de isolamento social e não adquiriu vacinas, mesmo autorizado pela Câmara Municipal. A vacinação começou lenta e só ganhou corpo meses depois. Mas, este início trágico de governo não ensinou nada ao prefeito, que retomou aulas presenciais e liberou eventos antes de Porto Alegre ter atingido uma cobertura vacinal adequada. Quando o secretário de saúde sugeriu a adoção do passaporte vacinal foi imediatamente desautorizado e, até hoje, a capital gaúcha está na contramão de outras cidades do Brasil e do exterior.
A prática de defender os interesses econômicos em detrimento da população não ficou restrita ao enfrentamento a Covid. Foi na área fiscal que a prevalência dos interesses dos super-ricos se mostrou mais explícita. A anulação da revisão da Planta de Valores do IPTU, aprovada na gestão passada, beneficiou os mais ricos. É certo que a lei tinha distorções, mas o governo Melo poderia ter enviado novo projeto corrigindo as distorções e fazendo justiça fiscal. Melo também enviou para a Câmara projetos de lei para isentar de multas e de juros os maus pagadores do IPTU e do ISSQN. Quem tinha contratos imobiliários de gaveta conseguiu regularizar a situação com favores fiscais. Estas medidas além de retirarem preciosos recursos da educação, saúde e assistência social, são injustas para com quem paga em dia suas obrigações com o fisco.
Além dos devedores de impostos, os principais beneficiados pelas políticas de favorecimento são as incorporadoras e fundos imobiliários. Melo fatiou a revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental. Ao invés de fazer um debate sobre o futuro da cidade como um todo, integrado e articulado, Melo optou por fazer projetos pontuais para o Centro Histórico, 4º Distrito, Fazenda do Arado e Torres do Internacional. Este fatiamento descaracteriza o espaço urbano e contraria recomendação do Ministério Público, beneficiando apenas a especulação imobiliária.
O chamado projeto de Reabilitação do Centro prevê dobrar a população do bairro e permitir a construção de prédios de até 200 metros de altura. Este adensamento tornará ainda mais caótico o trânsito na região, aumentando a poluição atmosférica, e exigirá investimentos públicos para ampliação das redes de água, esgoto, drenagem urbana e pavimentação de vias. Recursos que faltarão para a periferia carente de infraestrutura. A maioria das periferias da cidade sequer têm saneamento e pavimentação adequados em pleno 2021.
O projeto de urbanização da Fazenda do Arado, aprovado pela Câmara, vai afetar profundamente o ambiente natural, incluindo animais silvestres que vivem na região (muitos ameaçados de extinção), deslocará uma comunidade indígena Guarani, provocará problemas no trânsito, já tumultuado, da zona sul e aumentará os riscos de enchentes no bairro Belém Novo. Enquanto isso, o projeto das Torres do Internacional (oriundo do governo Marchezan) foi retomado sem diálogo com a comunidade, desconhecendo a existência de um quilombo urbano.
Em meio à maior crise do transporte público, passado um ano de governo, Melo não apresentou nenhum projeto estruturante para o setor. Limitou-se a seguir a política de Marchezan de repassar recursos dos contribuintes para os empresários do transporte (R$16 milhões em 2021), sem exigir qualquer contrapartida ou cobrar as dívidas das empresas e da ATP com o município, da ordem de 300 milhões de reais. Além de repassar recursos para as empresas, o governo atacou os direitos dos estudantes e de inúmeras categorias profissionais, retirando isenções e reduzindo drasticamente o passe escolar. A extinção do cargo de cobrador vai provocar desemprego, em meio a pandemia, e aumentar o lucro dos empresários, sem a garantia de redução no preço da passagem. A privatização da Carris vai prejudicar a qualidade do transporte e só beneficiará as empresas privadas que vão abocanhar as linhas da empresa pública.
No entanto, a política privatista de Melo não se restringe a Carris. O Parque Harmonia foi privatizado, em um processo que começou com Marchezan e foi concluído pelo atual prefeito (aliás, cada vez mais a gestão Melo se parece com a de Marchezan). Privatizaram até uma rua lateral e agora para estacionar tem que pagar R$20,00 para a concessionária do Parque. Um absurdo.
A linha Turismo também será privatizada, com um padrão de ônibus inferior ao que tem hoje, com a operação da Carris. Não vai precisar nem de guia turístico, tudo para aumentar os lucros.
A privatização chegou à educação. Ao invés de publicar edital para conveniamento (parceria no jargão neoliberal) com as creches comunitárias para atender a educação infantil, o governo Melo vai comprar vagas em creches privadas, enquanto entidades comunitárias, sem fins lucrativos, estão fechadas.
A falta de compromisso do prefeito com o dinheiro público chegou à limpeza urbana. Às vésperas de completar um ano à frente da prefeitura, Melo renovou contrato emergencial, no valor de R$28,9 milhões, para a coleta de lixo domiciliar. Um ano é tempo suficiente para fazer uma licitação que poderia resultar em melhor serviço prestado à população e economia para os cofres públicos.
Se com os setores empresariais o prefeito é generoso, com os servidores públicos Melo adota a guilhotina para cortar direitos. A reforma da previdência retirou direitos dos funcionários e prolongou o tempo para aposentadoria, mesmo o Previmpa sendo superavitário e não havendo necessidade de fazer uma reforma previdenciária. Ao mesmo tempo em que retira direitos, Melo não realiza concursos públicos para repor os servidores que se aposentam ou deixam a prefeitura, adotando a lógica do governo estadual, de contratos temporários (precários) que se sucedem e da terceirização massiva. Desqualificando o serviço público e prejudicando o atendimento à população. A imposição de mudanças pedagógicas nas escolas da rede municipal, sem diálogo com a comunidade escolar, é outro exemplo de autoritarismo do governo.
Melo prepara a privatização da Procempa ao liberar a contratação de serviços de informática pela prefeitura sem passar pela companhia municipal. Agora teve que enviar para a Câmara projeto de lei para a contratação de profissionais de informática, gerando um custo dobrado, já que a Procempa dispõe destes técnicos.
Para implantar estas mudanças neoliberais no município, subordinando o Executivo municipal aos interesses privados, Melo precisa destruir as estruturas de participação popular e controle social. Projeto enviado à Câmara Municipal reduz a participação da comunidade no Conselho Municipal de Saúde, ao mesmo tempo aumenta a participação dos prestadores de serviço privados, o que fere a Lei do SUS. O Orçamento Participativo (que tornou Porto Alegre reconhecida mundialmente) está paralisado. Este ano não foram realizadas assembleias e grande parte de suas lideranças foi cooptada pela gestão.
Para mudar esta situação, impedir a destruição do serviço público municipal e a transformação de Porto Alegre em um território a serviço da especulação imobiliária, será necessário um amplo processo de mobilização social. Esperemos que com o arrefecimento da pandemia as condições para luta social sejam melhores e possamos enfrentar o neoliberalismo em sua versão local. Desejamos um 2022 de muita resistência e luta popular.
(*) Vereador e Vice-líder do PT. Professor e Doutor em Educação.
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