
A pandemia do novo coronavírus no Rio Grande do Sul estabilizou num novo platô desde o começo de setembro. Após o momento mais trágico da crise alcançar o pico em março, cair vertiginosamente até o início de maio e aumentar novamente, desde junho o número de novos casos e internações hospitalares começou a baixar e mantém em patamar estabilizado.
A média móvel de mortes tem sido de 20 pessoas por dia. A quantidade de pacientes internados em leitos clínicos tem variado em torno de 450 pessoas, mesmo número de pacientes na UTI.
A melhora dos dados da pandemia no Estado acompanhou o avanço da vacinação, conforme era esperado. Porém, desde setembro, apesar da campanha de imunização prosseguir, a situação está inalterada.
Ronaldo Hallal, infectologista e consultor da Sociedade Riograndense de Infectologia, diz haver uma série de variáveis para entender o momento. A começar por ainda ter pessoas com imunidade natural devido ao pico da pandemia no primeiros meses do ano.
“Devemos ter o efeito da imunidade daquela onda no primeiro semestre, que foi devastadora e que é possível, pela exposição de um grupo grande da sociedade, que isso tenha algum efeito junto com o avanço da vacinação. Algum nível de imunidade ainda residual gerado por aquele cenário, junto com avanço da vacinação, reduzindo a consequência mais devastadora da variante Delta, que se observa em alguns lugares da Europa”, explica.
Por outro lado, destaca a grande circulação de pessoas atualmente, o que mantém um contingente ainda elevado de pessoas que contraem a doença. “É esse conjunto, como se fossem elementos de uma balança que estão postos e que nos mantém nessa situação”, afirma.
Hallal adota a precaução no cenário da pandemia no RS para os próximos meses. A presença da variante Delta, com algum potencial escape da vacinação, pode causar nos próximos meses um aumento nos indicadores da pandemia.
Ainda que um novo aumento possa acontecer, o infectologista destaca haver um “degrau” entre a curva de novas infecções, estabilizada ainda em níveis elevados, em relação a internação em UTI, bem mais baixa. “É possível que isso diga respeito à mudança, do ponto de vista imunológico, relacionada à exposição e à vacina. Então é possível que esse ‘degrau’ se alargue ao longo do tempo, à medida que a vacinação avance”, explica.
O consultor da Sociedade Riograndense de Infectologia acredita que, em algum momento, a pandemia se tornará uma endemia, com taxas de prevalência mais baixa e possivelmente restrita a grupos mais expostos, como profissionais de saúde, idosos e populações que não conseguem evitar aglomerações. “É possível que a covid-19 permaneça como uma doença, só que com outro contorno epidemiológico.”
Hallal diz ainda não ter uma estimativa do que poderão ser os níveis permanentes da crise da covid-19 no futuro, entre internações e mortes. São muitos fatores interagindo constantemente, com variáveis sendo modificadas ao longo do tempo. “Provavelmente não veremos casos zero de covid-19 e ocupação zero de UTI, certamente veremos mais baixo do que vemos agora.”
A incerteza, daqui pra frente, seguirá sendo a possibilidade de novas variantes do vírus, com mutações que possam escapar das vacinas e de tratamentos emergentes que estão surgindo, como os de anticorpos monoclonais e remédios antivirais. Por outro lado, o infectologista destaca a expectativa para uma nova geração de vacinas que consigam prevenir e tratar diversas variantes, além da eficácia contra as formas graves da doença.



A biomédica Mellanie Fontes-Dutra, coordenadora da Rede Análise Covid-19, tem adotado a analogia do cabo-de-guerra para explicar o atual momento da pandemia – analogia criada por Isaac Schrarstzhaupt, também coordenador na Rede Análise Covid-19 e convidado do último episódio do podcast De Quinta.
Nesse cabo-de-guerra, ela explica, de um lado há o vírus, tentando novas mutações para ser mais eficiente e resistir aos ataques do nosso sistema imunológico, e do outro lado há as vacinas e as estratégias de controle. “Como estamos vacinando muita gente, estamos na maior parte do tempo impedindo que o vírus ganhe, buscando virar esse jogo pra nós e sair de vez da pandemia”, explica.
O problema é ainda haver um número grande de pessoas não vacinadas, seja quem ainda vai se imunizar ou quem não quer tomar a vacina. “A gente começa a ter uma situação mais complicada, em que essa briga é mais difícil de ganhar, porque o vírus segue se adaptando independente do que a gente faz.”
A atual estabilização num novo platô é vista pela biomédica como um sinal de alerta, um sinal de que não estamos conseguindo vencer esse “cabo-de-guerra”. “É um alerta. É justamente em situações como essa que a gente pode tomar um ‘sapecão’ e ter a reversão de tendência, como está sendo vista em vários países.”
Mellanie enfatiza que o atual momento da pandemia lida com a variante Delta, mais transmissível e que, por isso, requer alta cobertura da população vacinada. Nos países da Europa e da Ásia que agora lidam com aumento de casos e mortes, o uso de máscara e outros protocolos foi flexibilizado antes de alcançar elevada taxa de vacinados. Por isso, ela enfatiza a importância de se manter o uso de máscara, evitar aglomerações, e ter cuidado com as flexibilizações.
“A Delta mostrou que precisa de uma cobertura mais alta, que se vacine mais pessoas e que, até lá, a gente siga com uma flexibilização controlada. Precisamos tomar cuidado com as aberturas. A situação parece boa, mas não podemos nos iludir com ela, ainda está longe para que a gente possa fazer aberturas mais intensas, especialmente no que tange flexibilizar o uso de máscaras, não se deveria flexibilizar nem ao ar livre”, afirma.
A coordenadora da Rede Análise Covid-19 diz que a situação do exterior costuma ser um prelúdio do que pode acontecer no Brasil. Portanto, é preciso aprender com o que acontece em outros países e agir para evitar o mesmo roteiro.
“Já flexibilizamos bastante coisa. Agora se deve reforçar o cuidado das pessoas com as máscaras. Não adianta tirar a máscara agora no verão na praia lotada, onde tem um guarda-sol no lado do seu. As pessoas podem seguir fazendo certas atividades, mas é muito importante que sigam se cuidando, justamente pra continuar fazendo essas atividades e não ter que voltar pra um ponto de maior restrição”, pondera.
A preocupação da biomédica é com a falsa sensação de segurança vista em parte da população, que já relaxou os cuidados. “E quem está ‘pagando o pato’ são as pessoas que ainda não se vacinaram, os idosos ou quem está para completar o esquema vacinal”, afirma.