
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre divulgou nesta semana como vai funcionar a distribuição gratuita de absorventes para pessoas em vulnerabilidade social no âmbito do Programa Dignidade Menstrual. A cada 56 dias, mulheres que recebem o Bolsa Família e estudantes de baixa renda poderão retirar 40 absorventes em unidades da Farmácia Popular.
Servidora da área técnica da Saúde da Mulher na SMS, a psicóloga Rosa Vilarino explica que o detalhamento sobre o funcionamento do programa foi dado pelo Ministério da Saúde em portaria que data do dia 15 de janeiro. Os absorventes serão disponibilizados para meninas e mulheres de 10 e 49 anos, que estejam inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) — atualmente, mais de 80 mil mulheres estão cadastradas no Bolsa Família na Capital — ou, no caso de estudantes, terem renda familiar por pessoa de até meio salário mínimo. Para quem não está matriculada, a renda é de até R$ 218 por pessoa, que é o limite para ter direito ao Programa Bolsa Família. Para as pessoas em situação de rua, não há limite de renda.
Eles poderão ser retirados nos estabelecimentos credenciados pelo Programa Farmácia Popular do Brasil — a distribuição começará nas mais de 31 mil unidades do Farmácia Popular — mediante apresentação de um documento de identificação oficial com foto e número do CPF, ou documento de identidade em que conste o número do CPF e também a “Autorização do Programa Dignidade Menstrual”, em formato digital ou impresso. Este documento deve ser gerado via aplicativo ou site do Meu SUS Digital. A retirada para menores de 16 anos deve ser feita por seu responsável legal. Cada pessoa terá direito a 40 unidades de absorventes higiênicos para utilizar durante dois ciclos menstruais, ou seja, a cada período de 56 dias.
Rosa explica que a autorização necessária está disponível no aplicativo Meu SUS sob o ícone “Dignidade menstrual” e que o próprio sistema já identifica se a pessoa tem direito a acessar o programa, sem necessidade de executar ação adicional, bem como sem custo e sem necessidade de apresentação de uma receita médica. Para quem tiver dificuldades de lidar com o aplicativo ou obter a autorização, a orientação é procurar o serviço de assistência social mais próximo para auxiliar na obtenção do benefício.
Ela ressalta que o programa já está em operação em Porto Alegre, mas pontua que, nos primeiros dias, foram identificados problemas no sistema da Farmácia Popular junto ao Ministério da Saúde. “Já identificamos que esse problema foi resolvido”. A técnica destaca que ainda é cedo para elaboração de um balanço sobre a procura nos primeiros dias do programa, mas pontua que diversas mulheres já acessaram o benefício na Capital.
Para Rosa, uma grande qualidade do programa é justamente organizar a distribuição de maneira equânime em todo o território nacional, não obrigando os serviços municipais a comprarem absorventes para distribuição local. “Eu entendo que a forma como ele foi organizado vai facilitar o acesso das mulheres a esses absorventes. A gente sabe que muitas mulheres, meninas e adolescentes faltam aula porque não tem condições de ter o absorvente, então a gente consegue garantir de fato a dignidade menstrual e atendendo essa população em todos os territórios da cidade, porque em todos os lugares têm uma farmácia. Agora, no início, a gente ainda pode se ajeitar na forma como a portaria foi colocada, mas daqui a pouco isso já vai estar no dia a dia das pessoas e aquela mulher ou aquela adolescente já vai identificar a farmácia perto da casa dela e é ali sempre que ela vai. Aí já está organizado, inclusive, aquele serviço, sabendo que tem que ter no seu estoque porque tem tantas mulheres que estão indo lá para pegar”, afirma.
Ela também pontua que a conscientização a respeito da dignidade menstrual já vem ganhando força na sociedade há alguns anos, mas avalia que os programas que existiam até o momento tinham o caráter mais pontual. “Conseguia dar conta de um ou outro público, mas agora a gente começa a ver essa ação numa forma mais ampla, e com certeza vai trazer mais qualidade de vida para essas para as mulheres de uma maneira geral”, afirma.

Uma das principais defensoras de iniciativas voltadas para a dignidade menstrual no Estado, a deputada Bruna Rodrigues explica que, em Porto Alegre, a União Municipal dos Estudantes (Umespa) operacionalizava nas escolas o projeto Jane, que era financiado por recursos oriundos de uma emenda parlamentar que ela indicou quando vereadora da Capital. Nomeado em homenagem a uma lutadora social da Vila Cruzeiro, o projeto distribuía absorventes ecológicos e trabalhava a formação e divulgação de informações a respeito da saúde feminina em escolas que aderiam ao programa.
“Se a cada quatro meninas, uma deixa de ir à escola por causa de absorvente, é a escola o vínculo. Nós precisamos mediar a partir da escola. O absorvente deveria ser como o papel higiênico, estar disponível no banheiro. Infelizmente, não temos essa lógica ainda e essa cultura de que o absorvente é um acessório de higiene importante para as mulheres”, afirma Bruna.
A deputada explica que a sua relação com a pauta vem da própria experiência. “Eu fui uma menina que não teve absorvente para ir para escola. Eu aprendi a usar absorvente já era adolescente, já era mãe. A minha mãe sempre disse: ‘pega as camiseta velhas, rasga e usa’”, conta.
Posteriormente, já atuando na política, na assessoria da então deputada Manuela D’Ávila, voltou a observar a necessidade da pauta ao visitar uma ocupação no bairro Restinga. “Eu vi uma menininha que eu conheci muito pequena, bebê no colo da mãe dela, e encontrei ela na ocupação depois de um tempo. Chamei ela para me dar um abraço e ela disse que não podia sair porque ela estava esperando secar os panos para usar. Quando eu olhei para as pernas dela, corria sangue. E eu disse: ‘tu tá menstruada?’ E ela disse, ‘sim’. Eu corri na farmácia, comprei uns absorventes, levei para ela, mas fiquei com isso na cabeça. ‘Poxa, tantos anos depois meninas como eu ainda não tinham absorvente para ir para escola’. E aí nós iniciamos uma militância no sentido de que, às vezes, a gente acha que só a fome nos limita. E, não, uma menina não sai de casa se não tem absorvente para usar”, pontua.
Bruna também saúda o fato de que a pauta ganhou aceitação nacional nos últimos anos. “Eu sempre falo que é um projeto vinculado à pauta feminista, é um projeto vinculado à sociedade. A gente precisa entender que, quando uma menina deixa de ir para escola porque não tem absorvente, nós falhamos coletivamente. Então, eu fico muito feliz com essa pauta sendo nacionalizada, é uma pauta que eu trato desde muito jovem”, afirma.
Contudo, ela pontua que, com o projeto Jane, percebeu que, além da distribuição dos absorventes, um elemento importante que precisa ser qualificado é a divulgação de informações. “A gente acabou se dando conta que não bastava só entregar o absorvente, tinha muita dúvida em relação, não só quanto a utilização, mas também ao que podia e o que não podia, os mitos da menstruação. A gente acabou se surpreendendo muito porque acabou envolvendo as meninas, as professoras, tinha muita curiosidade que nós também tínhamos, então acabou sendo um projeto muito formativo”, afirma.
Atualmente, tramita um projeto de lei na Assembleia Legislativa que trata da dignidade menstrual, mas ainda não foi aprovado. Como ainda não há lei estadual e o financiamento via emenda parlamentar municipal não foi renovado quando Bruna deixou a Câmara, o projeto Jane está em fase de reestruturação. Segundo a deputada, também pelo fato do programa nacional ter entrado em vigor, a ideia é que ele seja retomado com o viés mais formativo e informativo.
“O SUS vai distribuir o absorvente, mas ele não dá informação, não vai dar a formação. Essa foi uma preocupação muito grande nossa, porque a gente foi se deparando com uma série de desafios. Primeiro, nós entregamos absorventes ecológicos, que não são descartáveis, a menina precisava aprender a higienizar ele. ‘Quantas horas pode usar o absorvente? Como se higieniza ele?’ A gente foi se deparando com a necessidade de envolver a Saúde, equipes de saúde da família passaram a nos ajudar a buscar as informações. A gente viu que não basta só a distribuição, precisa ser acompanhada de uma formação e de informação. A gente está agora nessa fase de pensar como vamos continuar”.