
O Ministério da Saúde estima que, no Brasil, 520 mil pessoas tenham hepatite C ainda sem diagnóstico e tratamento. Até 2022, cerca de 150 mil pessoas tinham sido diagnosticadas, tratadas e curadas da hepatite C. No caso da hepatite B, estima-se que quase 1 milhão de pessoas vivam com a doença no país e, destas, 700 mil ainda não tenham sido diagnosticadas. Até 2022, 264 mil pacientes tinham sido diagnosticados com a doença e 41 mil estão em tratamento.
As hepatites são divididas em A, B, C, D e E, que podem ser crônicas e levar a cirrose e câncer de fígado, chegando a óbito, e também podem ser agudas, mais abruptas e com mortes raras. As hepatites A e E são geralmente agudas e autolimitantes. Já as hepatites B, C ou D podem ser crônicas. Há ainda uma peculiaridade, uma pessoa só terá hepatite D se contraí-la simultaneamente ou após a hepatite B. De 2000 a 2021, foram 85.486 óbitos por hepatites virais. A infecção pelo vírus C é o de maior letalidade, concentrando 76,1% dos óbitos, seguido pela hepatite B (21,5%) e, muito abaixo, está a hepatite A (1,5%).
Hugo Cheinquer, professor titular de hepatologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), alerta para os sinais das hepatites B e C que muitas vezes não são perceptíveis ou são silenciosos e podem somente aparecer nas fases avançadas. “O fígado tem a característica de se queixar pouco. Por exemplo, se uma pessoa tem apendicite, dificilmente ela não vai ter dor, e aí a dor vai chamar a atenção de todo mundo e a pessoa vai para o cirurgião. Já muitas hepatites são silenciosas, muita gente pode ter sua hepatite sentado no sofá em casa e não sabe”, explica.
Por isso, o médico recomenda a realização de check-ups, com exames de sangue que contenham as tansaminases AST e ALT. Alguns dos possíveis sintomas são cansaço, tontura, enjoo, vômitos, dor abdominal, pele e olhos amarelados.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) estipulou a meta de eliminar as hepatites virais até 2030, mas Cheinquer diz que essa não é uma expectativa exatamente realista. “Não é erradicar, é muito difícil erradicar, seria tipo varíola, não ter mais nenhum caso no mundo, a poliomielite está quase erradicada Para a hepatite, é eliminar como problema de saúde pública. Isso quer dizer que vai se tornar uma doença que vai estar lá, mas não vai ter esse impacto todo”, explica.
Alguns fatores também podem atrasar a meta, como a epidemia de Fentanil, nos Estados Unidos. As mortes pelo Fentanil, uma droga sintética injetável potente e altamente letal, chegam a 70 mil por ano no país. “Nos EUA, há mais pessoas contraindo hepatite através do compartilhamento de agulhas do que se curando da doença. Eles não vão eliminar a hepatite nem em 2050. Nós, talvez, tenhamos chance”, avalia o médico.
Para ele, a estratégia de “micro eliminação”, pela testagem somente de alguns grupos, como apenados e pessoas em situação de rua, não é suficiente. “Essas ações têm méritos, são louváveis. Vai no presídio, vai na rua. Eu faço um projeto nos centros de hemodiálise do Estado, junto com o nefrologista Dirceu Reis e o angiologista Alexandre Araujo, para eliminar o vírus C nesses lugares”, diz.
Em Porto Alegre, o vírus da hepatite C foi considerado eliminado do sistema prisional. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), em um ano, foram testadas pessoas privadas de liberdade nas penitenciárias da cidade. Quem teve resultado positivo para a doença teve acesso ao tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e acompanhamento de equipes de saúde. O órgão indica que todos os pacientes que receberam a medicação foram curados. A iniciativa integra o projeto Teste e Trate, que busca ampliar a testagem em públicos prioritários.
“Para testar todo mundo acima de 18 anos precisa ter uma ordem política nacional, ‘lá de cima’ mesmo. Se não tem dinheiro, testa a faixa que mais tem nas estatísticas, pessoas com mais de 40 anos. Já economiza bastante dinheiro e pode ter um resultado bom também. A população também tem que saber que pode e deve testar, tem que ser feita uma ‘macro eliminação’, do jeito que der”, completa Cheinquer.
Houve redução de 36% dos casos de hepatite B no Brasil entre 2019 e 2022, passando de 14.350 casos para 9.156. O ano de menor registro foi 2020, com 7.969 casos. Em relação à hepatite C, a queda foi de 39% no período, passando de 23.284 para 14.124, também com menor número em 2020 (13.149). Entretanto, a estatística representa somente a diminuição da confirmação de novos casos e não a diminuição efetiva de contaminados.
O Ministério da Saúde lançou um novo Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) de hepatite B com recomendações para diagnóstico e tratamento da doença no SUS. Antes, o protocolo tinha como necessidade a avaliação de um especialista antes do início do tratamento. Agora, o diagnóstico com teste de carga viral detectável para hepatite B avaliado em conjunto com a idade será suficiente para começar com a medicação de forma imediata.
Para a testagem, tem prioridade pessoas acima de 40 anos, portadores de diabetes e pessoas que tiveram exposição a sangue e derivados, seja por transfusão de sangue antes de 1993, hemodiálise, uso de drogas ou procedimentos estéticos como piercing e tatuagem, pessoas privadas de liberdade, pessoas que vivem com HIV, homens que fazem sexo com homens, pessoas trans, trabalhadores do sexo, usuários de álcool e outras drogas e pessoas em situação de rua.
Segundo o Ministério da Saúde, os casos de hepatite C estão concentrados em populações de maior vulnerabilidade social, como população privada de liberdade, população de rua e institucionalizados, além de homens que fazem sexo com homens. Estima-se, por exemplo, que de 2% a 10% da população dos presídios tenha sorologia positiva para a doença. O Ministério da Saúde trabalha no desenvolvimento de ações articuladas com outras pastas, como os ministérios da Justiça e do Desenvolvimento Social.
A transmissão da hepatite A é fecal-oral (contato de fezes com a boca) e tem grande relação com alimentos ou água inseguros, baixos níveis de saneamento básico e de higiene pessoal. A transmissão do vírus das hepatites B e C pode ocorrer por injeções, perfurações, compartilhamento de agulhas, barbeador, escovas de dente com resquícios de sangue ou por via sexual.
A vacina da hepatite A tem esquema de uma dose aplicada aos 15 meses de vida e também está disponível nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIE) com duas doses para pessoas acima de 1 ano de idade com determinadas condições de saúde. Já a vacina da hepatite B, a recomendação é que se faça quatro doses da vacina, sendo: uma ao nascer (vacina hepatite B), e aos 2, 4 e 6 meses de idade (vacina Pentavalente). Para a população adulta, o esquema completo se dá com o registro de três doses. A hepatite D pode ser prevenida com a vacina para a B.
Não há vacina contra a hepatite C. Para evitar a infecção é recomendado não compartilhar com outras pessoas qualquer objeto que possa ter entrado em contato com sangue, usar preservativo nas relações sexuais, e toda mulher grávida precisa fazer no pré-natal os exames para detectar as hepatites B e C, HIV e sífilis. Em caso de resultado positivo, é necessário seguir todas as recomendações médicas. O tratamento da hepatite C não está indicado para gestantes, mas após o parto a mulher deverá ser tratada.
As pessoas com infecção devem ter seus contatos sexuais e domiciliares e parentes de primeiro grau testados, não compartilhar instrumentos perfurocortantes e objetos de higiene pessoal, cobrir feridas e cortes abertos na pele, limpar respingos de sangue com solução clorada e não devem doar sangue ou esperma.
Segundo o Boletim Epidemiológico de 2022 do Centro Estadual de Vigilância em Saúde, em 2021 foram notificados 4.283 casos de hepatites virais no Rio Grande do Sul. Destes, 73,7% eram de hepatite C. A série histórica mostra um aumento nas taxas de detecção das hepatites B e C, em comparação com o ano de 2020, quando havia sido observada uma redução substancial nas notificações de novos casos. A hepatite C, que apresentou a queda mais expressiva em 2020, em 2021 apresentou uma taxa de 27,7 casos notificados por 100 mil habitantes.
Porto Alegre é a capital do país com maior taxa de detecção de hepatite C, segundo dados do Ministério da Saúde, com 51,1 casos por 100 mil habitantes em 2021. A testagem rápida está disponível de segunda a sexta-feira para toda a população nas unidades básicas de saúde.
No fim de julho, o Ministério da Saúde, por meio de uma portaria, reativou a Comissão de Gestão em HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis (Coge), com objetivo de aprimorar a participação na resposta nacional das doenças. A Coge é composta por membros do Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis, dos Conselhos Nacionais de Secretários Estaduais e de Secretarias Municipais de Saúde (Conass e Conasems), de coordenações estaduais e municipais de saúde, além da sociedade civil organizada.