
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) lançou na última quinta-feira (27), em Brasília, a Campanha Nacional de Prevenção ao Acidente no Trabalho (Canpat) 2023, que tem como tema os riscos psicossociais relacionados ao ambiente de trabalho e será realizada de abril a dezembro em todo o país, com eventos de conscientização da sociedade civil, empregadores e funcionários sobre os cuidados com a segurança e prevenção.
Em 2022, a Conferência Internacional do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT) determinou que um ambiente de trabalho seguro e saudável é princípio e direito fundamental do trabalho, instituindo o Dia Internacional de Segurança e Saúde no Trabalho (28/04).
Por ano, em todo o mundo, aproximadamente 2,3 milhões de trabalhadores e trabalhadoras morrem em decorrência de acidentes de trabalho, segundo a OIT. Em uma década, pelo menos 6 milhões de acidentes de trabalho foram notificados no Brasil, dentre os quais 25 mil resultaram em mortes. Segundo dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, iniciativa do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da OIT, somente em 2022 foram registrados cerca de 613 mil casos, 2,5 mil com mortes.
No ano passado, o Rio Grande do Sul foi o terceiro estado com mais notificações: 50 mil, atrás somente de São Paulo e Minas Gerais, com 204 mil e 64 mil acidentes, respectivamente. Ainda, Porto Alegre é a quarta cidade com mais incidentes, 9.400 em 2022, atrás de São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
De acordo com o MPT, podem ser consideradas acidentes de trabalho lesões corporais ou perturbações funcionais que causem morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para trabalho. Os acidentes considerados “típicos” envolvem lesões súbitas e imediatas após a exposição à situação de risco, como amputações. Os “atípicos” envolvem danos não imediatos decorrentes de certa frequência da exposição ao risco, como lesões por esforços repetitivos (LER/DORT) ou até mesmo depressão.
No Brasil, técnicos em enfermagem são os profissionais que mais sofrem acidentes, com um total de 314 mil casos entre 2012 e 2022, seguidos de alimentadores de linha de produção, faxineiros, motoristas de caminhão e serventes de obras.
Parte do setor econômico com maior incidência de acidentes, a enfermeira Luana* relata situações de descaso e insegurança na empresa de prestação de serviços de ambulância e atendimento pré-hospitalar em que trabalhava. Em 2022, Luana sofreu um acidente grave quando a ambulância em que se deslocava até um chamado se chocou contra um carro.
Na parte de trás do veículo, Luana ficou presa pelo cinto de segurança e coberta por materiais que caíram sobre ela. “Não sei quanto tempo demorou e quanto tempo eu fiquei daquele jeito, eu ouvia tudo, mas eu perdi a comunicação, a fala, e os movimentos. Lembro do meu sangue escorrendo, assim”, relata. O suporte dado a ela no momento do acidente foi o básico, pelo colega médico que também estava na ambulância e por outra viatura que chegou depois e a levou ao Hospital de Pronto Socorro (HPS).
Após o acidente, entretanto, a enfermeira não foi procurada nenhuma vez pela empresa em que trabalhava. “Eu saí do hospital e ainda tive que voltar para a base e bater o meu ponto.” Ela conta que ficou uma semana em casa e voltou ao trabalho, mesmo sem conseguir formular frases pela contusão cerebral que sofreu.
“Ninguém foi procurar saber o que estava acontecendo. Eu procurei meu neurologista por conta própria”, recorda. Além do trauma, Luana sente que sua memória está prejudicada e diz que ficou com sequelas permanentes por uma lesão no quadril. “Eu não tô mais 100% como eu era”, completa.
“Eles me chamaram para um plantão e eu fui, cheguei lá e pensei ‘eu vou ser avaliada, né? alguém vai me avaliar’, e não, só me colocaram na ambulância. Ninguém estava me olhando ali, eu não conseguia falar direito, estava gaga. Eu disse ‘não vou fazer isso, eu vou estar me colocando em risco, vou estar colocando a equipe em risco e ninguém tá nem aí pra mim’”, relata. Ela diz que o acidente grave não foi um caso isolado. “Vários outros já aconteceram. Caiu o torpedo de oxigênio aqui [apontando para os pés], perdi uma unha, já caíram coisas das ambulâncias em cima das minhas pernas, também tive uma fratura.”
Na sua experiência, a enfermeira alega que sentiu retaliações ao se recusar a trabalhar naquelas condições. Após deixar o plantão quando não se sentiu segura, conta que não foi chamada para plantões seguintes, que garantem uma renda extra além do salário base recebido. “Tu tem medo de sofrer represálias e ficar no congelador por três, quatro meses sem plantões, sem ganhar”, explica.
“Depois do acidente eu não consegui mais ter paz porque, por mais que eu confiasse no meu condutor, não era mais a mesma coisa, sabe. Qualquer freada, qualquer coisa, já dá aquela sensação de que vai bater. E eu estava vivendo um inferno.” Luana afirma que, além da insegurança, situações de assédio moral a levaram a pedir demissão.
Os casos como o de Luana, quando não há sequer a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) ou o contato com a Vigilância em Saúde do Trabalhador (VISAT), fazem parte da estimativa de subnotificação calculada pelo Observatório. Em 2022, estima-se que pelo menos 18,9% dos acidentes não tenham sido notificados adequadamente, formando um total de 116 mil acidentes sem a CAT.
Segundo a procuradora Priscila Dibi Schvarcz, coordenadora regional gaúcha da Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente de Trabalho (CODEMAT), do MPT, é obrigação da empresa emitir a comunicação, informar a vigilância e notificar no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). “Devem ainda investigar o acidente para a identificação das falhas nas medidas de prevenção e evitar a ocorrência de acidentes idênticos. Exige-se, ainda, que revisem o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) para identificação dos riscos e proposição das medidas de prevenção necessárias e adequadas.”
Um acidente de trabalho pode gerar a responsabilização civil do empregador por indenização dos danos morais, como função compensatória, punitiva e pedagógica; materiais, danos emergentes e lucros cessantes, despesas hospitalares, aparelhos ortopédicos, gastos com funeral e pensionamento; e estéticos, cicatriz e perda de membros.
O Art. 19, §2º da Lei 8.213/91 considera contravenção penal a empresa deixar de cumprir as normas de saúde e higiene do trabalho, independentemente da ocorrência de acidente ou dano. A responsabilização criminal (lesão corporal, crime de perigo comum) depende das lesões ocasionadas e do grau de violação das normas e medidas de prevenção detectadas. “As consequências de um acidente demonstram a importância da empresa investir na prevenção”, explica a procuradora.
Em empresas terceirizadas, a tomadora deve assegurar as mesmas condições de trabalho aos terceirizados e aos seus próprios funcionários, incluindo equipamentos de proteção, treinamentos, exames e atendimento ambulatorial. “Ao contratar uma empresa terceirizada, a empresa tomadora assume responsabilidade por possíveis danos tanto civis quanto os decorrentes de acidentes de trabalho, por exemplo, causados por sua ação ou omissão. A responsabilidade de ambas as empresas, tomadora e prestadora, é, nesses casos, solidária”, relata Priscila.
*Nome alterado para preservar a identidade da fonte