
Pelotas tem uma eleição aberta no segundo turno, com os candidatos Fernando Marroni (PT) e Marciano Perondi (PL) reunindo, em torno de si, um amplo leque de apoios. Uma disputa que, pelo olhar do cientista político Renato Della Vechia, reproduz uma base de apoio que lembra a campanha pelas “Diretas Já” na redemocratização do Brasil, no início dos anos de 1980. Também uma eleição marcada por demandas de soluções para problemas fundamentais da população, como a saúde e a zeladoria da cidade. Na análise da cientista social Elis Radmann, um segundo turno pautado menos por novas conquistas e mais pela discussão de perdas no serviço público.
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Professor universitário, Della Vechia diz que a aliança do PT e PSOL na disputa presidencial em 2022 veio a facilitar a união entre os dois partidos na eleição municipal deste ano em torno do nome do petista Fernando Marroni – ex-prefeito eleito em 2000, além de ter concorrido em 1996, 2004, 2008 e 2012. Marroni conquistou 39,6% dos votos no primeiro turno, seguido por Perondi, com 31,6%. Em terceiro colocado ficou o candidato do PSDB, Fernando Estima, que concorreu representando a continuidade do governo da atual prefeita Paula Mascarenhas (PSDB) e obteve 20,9% dos votos.
“O problema do Marroni sempre se soube que seria o segundo turno, ninguém tinha dúvida de que ele iria para o segundo turno”, diz Della Vechia. Desde 1996, em apenas uma eleição o PT não foi para o segundo turno. Isso ocorreu em 2016, quando a candidata do partido foi Miriam Marroni.
O cientista político conta que a saúde tem sido o principal tema da eleição em Pelotas. A criação de novas Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e a finalização de um novo hospital estão na pauta, assim como a melhoria da infraestrutura dos bairros periféricos e o transporte urbano. A enchente que atingiu o Rio Grande do Sul em maio também está no debate eleitoral, com a discussão em torno das áreas de atuação da construção civil e o impacto disso no meio ambiente, mas apesar da seriedade do tema, ele não é central na disputa eleitoral.

O segundo turno em Pelotas tem mostrado alguns movimentos políticos significativos no xadrez eleitoral do RS. No último dia 15 de outubro, a prefeita Paula Mascarenhas anunciou apoio ao candidato petista. O gesto foi seguido três dias depois pelo governador Eduardo Leite (PSDB), durante entrevista para o canal de televisão CNN. Adversários históricos do PT, ambos justificaram os apoios fazendo alusão ao caráter democrático de Marroni e sua capacidade de melhor governar a cidade
Ao analisar o gesto de Paula e Leite, o cientista político diz que a atual prefeita tem uma postura diferenciada dentro do PSDB. Professora universitária e ex-assessora de Bernardo de Souza, com origem no PPS, ele lembra que, em 2022, durante o segundo turno entre Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL), Paula “deu sinais” de apoio ao petista, aparecendo em fotos com políticos do PT em Pelotas. “Nos bastidores, se sabia que ela votaria no Lula”, conta.
Na mesma ocasião, embora quisesse o apoio dos eleitores petistas para vencer Onyx Lorenzzoni (PL), Leite adotou um tom neutro, sem declarar apoio a Lula, visando preservar o voto de seus eleitores com viés antipetista.
“A relação com a Paula sempre foi civilizada. Não me admiro que ela tenha tido essa posição, mesmo sendo a pessoa que mais recebeu críticas durante o processo eleitoral. Mesmo assim, teve a postura de dizer que não terá nenhuma participação, que será oposição, mas que, em nome dos interesses da cidade, da capacidade de gestão e da questão democrática, vai votar no Marroni”, explica Della Vechia.
Por outro lado, o professor analisa de modo diferente a figura do governador, a quem considera sempre ter tido uma posição antipetista durante sua trajetória política em Pelotas. Ainda assim, na última sexta-feira (18), Leite também anunciou apoio a Marroni.
“Como teve uma disputa muito acirrada entre o Estima e o Perondi para ver quem iria pro segundo turno, com o Perondi chamando o Estima de mentiroso, isso fez com que uma parte do PSDB, mais vinculada a Paula, agora apoie o Marroni. Mas a base que sustentou o governo foi toda pro outro lado”, explica o cientista político.
Ainda no PSDB, se a atual prefeita e o governador abriram voto em favor de Marroni, o deputado federal Daniel Trzeciak escolheu outro caminho. Della Vechia avalia que o deputado percebeu que não conseguirá se reeleger pelo PSDB em função da constante diminuição do partido a cada eleição e já começou a se aproximar mais da direita representada pelo PL. “Ele sempre votou com o Bolsonaro, nunca fez nenhuma crítica, nem nos momentos mais duros.”

Por sua vez, Perondi (PL) é um candidato que “surgiu do nada”, na avaliação do cientista político. Morador recente em Pelotas, oriundo de Caxias do Sul, ele trouxe à cidade o discurso do empreendedorismo que tem marcado a retórica da direita brasileira e tem dito que a cidade é atrasada e burocrática. O autolicenciamento ambiental para empresas é uma de suas propostas – a medida, criticada por ambientalistas, já existe no âmbito estadual e em Porto Alegre.
Della Vechia observa que Perondi associou sua imagem à do ex-presidente Bolsonaro porque buscar o voto bolsonarista era sua única possibilidade de chegar ao segundo turno, considerando ser novo na cidade e não ter a máquina da Prefeitura a seu favor. Ainda assim, não adotou o discurso das pautas moralistas sobre costumes que caracterizam o bolsonarismo.
Perondi trouxe para sua chapa, como candidata a vice, Adriane Rodrigues (PL), filha de Ancelmo Rodrigues, ex-prefeito de Pelotas pelo PDT, de perfil mais conservador e atualmente vereador no PL. No lado petista, em determinado momento do primeiro turno, houve quem achasse que Perondi não teria chance de chegar ao segundo turno. Os 31,67% dos votos obtidos pelo candidato do PL no primeiro turno surpreenderam.
Diretora do Instituto Pesquisas de Opinião (IPO), Elis Radmann faz sua análise a partir do olhar do eleitor captado em pesquisas e diz que a cidade é mais lulista do que bolsonarista. Por isso, afirma que isso fez com que Marroni tivesse, de saída, em torno de 20% do eleitorado, seja pelo apoio ao PT ou ao presidente Lula. Do outro lado, o candidato do PL parte de uma base de 10% dos eleitores ideologicamente mais à direita e alinhados com o ex-presidente Bolsonaro. Os outros 70% do eleitorado, diz ela, decidem o voto em função de uma pauta mais ligada aos problemas da cidade propriamente.
“A cidade de Pelotas, quando começa o processo eleitoral, o eleitor já tinha meio que definido que queria mudança. Isso já estava posto. Então o atual governo tinha um terço de avaliação positiva e dois terços que queriam mudança. E esta tendência de mudança se dá muito relacionada à zeladoria da cidade, ao ponto do tema da eleição ser buraco nas vias. A zeladoria toma conta da agenda, seguida tradicionalmente pela saúde, que é sempre um problema na cidade”, explica Elis, destacando que educação (principalmente com a falta de vagas em creches), emprego e a necessidade de potencializar a economia são os outros assuntos mais demandados pela população.
A cientista social pondera que, tendo em vista as opções no processo eleitoral, o candidato Marroni, além de ser ligado a Lula, é um ex-prefeito com relação afetiva com Pelotas, uma memória que passa a ser vantajosa com a cidade fragilizada. “O eleitor, olhando as opções da disputa, vai enxergar em Marroni a opção mais preparada para enfrentar esse contexto de zeladoria e cuidar da saúde”, avalia.
Elis observa que uma parcela do eleitorado enxerga em Marroni a figura da “mudança segura” e outra vê em Perondi o conceito de “renovação”, de modo que são dois conceitos subjetivos no mesmo campo da mudança, mas com olhares distintos. Acrescenta-se ainda ao jogo do segundo turno, os movimentos anti-Lula e anti-Bolsonaro.
“Mas quem irá ganhar a eleição não será nem pela agenda lulista e nem pela agenda bolsonarista. Vai ser aquele que tem mais capacidade de executar as obras emergenciais na cidade e depois a manutenção tanto da zeladoria quanto da eficiência da saúde”, acredita a diretora do IPO.

O professor de Ciência Política Renato Della Vechia pondera que ainda não é possível dimensionar o impacto dos apoios no segundo turno. Além das declarações de voto da prefeita Paula e do governador Leite, houve ainda o movimento de apoio do MDB e dos vereadores do PDT a Marroni, de um lado, e de Trzeciak, União Brasil, PSD e PP a Perondi, de outro.
“A gente tem hoje um cenário muito parecido com o período da redemocratização do País. Todas as forças da campanha das ‘Diretas Já’ estão num campo, com exceção do PSDB que está rachado, enquanto o PP, o PL, o antigo PFL, que agora é o União Brasil, e o PSD, o setor rural e o empresarial está todo no outro bloco”, explica.
Della Vechia ainda destaca a importância do apoio a Marroni do ex-prefeito Irajá Rodrigues (MDB), candidato derrotado no primeiro turno. Eleito em 1976, em plena luta pela democracia, e novamente prefeito entre 1993 e 1996, Irajá também tem adotado a questão democrática como justificativa para apoiar Marroni e não o candidato do PL.
“Mas a campanha não está reproduzindo o debate bolsonarismo versus não bolsonarismo. O Perondi não quer a polarização e diz que o importante é o empreendedorismo e a capacidade de gestão. Já o Marroni está indo numa linha mais propositiva de pensar a cidade”, afirma o professor.
Acreditando que no segundo turno os candidatos devem trabalhar a rejeição do oponente, ele avalia que o resultado das urnas no próximo domingo (27) ainda é uma incógnita. “Neste momento, está muito disputado. Não sei se haverá uma diferença muito maior para um ou para outro nos próximos dias”, afirma, ressaltando que Marroni, por ser uma figura mais conhecida na cidade, tende a ter mais rejeição.
De todo modo, o cientista político acredita que a capacidade dos apoios de transferir votos será determinante para o resultado do pleito. “Seja pela direita, seja pela esquerda, há que se ver quem consegue transferir mais votos.”

Por sua vez, Elis Radmann pondera que, segundo pesquisas do IPO, um terço da população de Pelotas acompanha o dia a dia da política e conversa sobre o assunto. Para ela, essa fatia do eleitorado toma suas decisões fazendo cálculo de custo-benefício, é um voto mais racional e irá analisar o movimento dos apoios no segundo turno. Por outro lado, o eleitor médio e o eleitor com maior vulnerabilidade social não leva em consideração os arranjos políticos do segundo turno, principalmente numa eleição pautada pela qualificação dos serviços públicos.
“O apoio da prefeita ou o apoio do deputado Trzeciak vai ter influência dentro deste percentual de um terço, que vai olhar pelo ângulo político, mas nos demais, não. Os demais querem saber qual candidato consegue fazer as duas novas Unidades de Pronto Atendimento (UPA). Essa é a resposta que o eleitor quer”, afirma a cientista social.
A diretora do IPO destaca que os fenômenos climáticos mais intensos e frequentes têm impactado a zeladoria das cidades, o que se transformou num grande problema. Se em outras eleições se discutia a ampliação do asfalto, agora se discute a qualificação e o fechamento dos buracos. A influência dos fenômenos climáticos na zeladoria da cidade também trouxe mais dificuldades operacionais e um custo maior para os governantes. Sem respostas rápidas por parte do poder público, a insatisfação da população cresce – e se exprime no desejo de mudança.
“Do ponto de vista sociológico, a gente discutia novas conquistas em outras eleições. O eleitor queria saber qual a nova rua que seria asfaltada, isso era conquista. Agora estamos numa eleição discutindo perdas, discutindo precarização de serviços públicos. A pauta do gestor não é o que ele vai qualificar, mas é o que ele vai ter que fazer de mutirão para arrumar e para manter˜, explica Elis. “Não está trabalhando com uma agenda de futuro, está se trabalhando com uma agenda de contingência. Isso mudou tanto na zeladoria quanto na saúde por causa da precarização da saúde pública, que acontece desde a pandemia e piorou com a tragédia (da enchente).”