
Após a eleição da primeira bancada negra de vereadores da história de Porto Alegre, em 2020, e da primeira bancada negra da Assembleia Legislativa gaúcha, em 2022, a eleição municipal de 2024 apresenta um desafio na busca pela diversidade no parlamento. Dos rostos que se tornaram conhecidos pelos porto-alegrenses, apenas um está na disputa deste ano.
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Em 2020, quatro vereadoras negras e um vereador negro foram eleitos em Porto Alegre: Bruna Rodrigues (PCdoB), Daiana Santos (PCdoB), Laura Sito (PT), Karen Santos (PSOL) e Matheus Gomes (PSOL). E, antes mesmo da posse, eles se organizavam coletivamente diante de um episódio de violência contra uma pessoa negra: a morte de João Alberto Freitas, espancado por dois seguranças de uma unidade da rede Carrefour, em 19 de novembro. No dia seguinte, 20 de novembro – Dia da Consciência Negra -, os cinco vereadores eleitos lideraram um ato pedindo justiça por mais um assassinato de pessoa negra.
O caso alcançou os noticiários de todo o País. A repercussão foi grande, mas não o suficiente para que Bruna Rodrigues fosse reconhecida como vereadora ao tentar adentrar o plenário da Câmara de Vereadores. Bruna conta que foi barrada pela segurança três vezes em seu primeiro dia de trabalho. A presença de tantos parlamentares negros era estranha ao local, afinal, até então, apenas uma mulher negra havia tomado posse no primeiro dia de uma legislatura: Teresa Franco (PTB), a Nega Diaba, em 1997.
Primeiros negros a chegarem à Câmara coletivamente, os cinco vereadores garantiram com sua presença que a população negra “pudesse se ver nesse espaço em que passávamos com a bandeja, com a vassoura, mas que muito pouco utilizávamos o microfone”, afirma Bruna Rodrigues. Questionada sobre a recepção no parlamento, a atual deputada lembra que “foi das mais agressivas. Eu tenho uma lembrança do meu primeiro dia de sessão como um dos piores dias da Câmara de Vereadores. Eu me lembro dos gritos, de ninguém conversar com a gente, de ficar num canto isolada – inclusive de setores da esquerda”.
Dos cinco, Karen Santos será a única a concluir o mandato como vereadora e está concorrendo à reeleição. Em 2022, Matheus Gomes, Bruna Rodrigues e Laura Sito se elegeram como deputado/as estaduais, e Daiana Santos conquistou uma cadeira na Câmara Federal. Apesar disso, eles avaliam que a luta política e a representatividade não perderam força no município – pelo contrário, entendem que conseguiram expandir sua atuação.
Daiana Santos avalia que os projetos defendidos na Câmara Municipal avançaram de forma significativa, resultando em conquistas importantes para a população negra. Dentre as vitórias, a atual deputada destaca a implementação do projeto de fomento ao afroempreendedorismo e a promoção da saúde da população negra. “Conjuntamente, estabelecemos com sucesso o selo de comércio antirracista em níveis municipal e estadual. Atualmente, estamos trabalhando na expansão deste projeto para a esfera nacional, buscando sua aprovação na Câmara Federal para que possa beneficiar ainda mais a nossa sociedade. Um projeto que saiu daqui do RS e será consolidado no País”, complementa.

Daiana reforça que o resultado em 2020 refletiu o desejo da população de se ver representada em espaços de poder. “A eleição da bancada negra de Porto Alegre não foi fruto do acaso, mas sim de um trabalho consistente, desenvolvido ao longo dos anos tanto pelas candidaturas eleitas quanto pelas que ficaram na suplência”. A parlamentar reforça ainda a importância da construção coletiva, seja através de bases comunitárias, projetos sociais ou ações que fortaleceram a luta antirracista nos municípios e no Estado.
Cientista político e fundador da Frente Negra Gaúcha, Airton Araújo destaca a importância da eleição coletiva de lideranças negras, ao mesmo tempo em que aponta que todos os cinco eleitos já haviam sido candidatos em eleições anteriores. Por isso, Airton reforça a necessidade da organização comunitária, da participação em movimentos sociais e de exigir maiores espaços na discussão partidária.
Na avaliação de Araújo, os partidos estão garantindo mais espaço para candidaturas negras, em parte impulsionados pela legislação que garante mais recursos a negros e pardos, ainda que, em agosto, o Congresso Nacional aprovou a PEC da Anistia, que perdoa os débitos dos partidos que descumpriram a aplicação mínima de recursos em candidaturas de pretos e pardos nas eleições passadas e permite a renegociação de dívidas tributárias das legendas. Airton Araújo destaca que essa decisão atrapalha o fortalecimento das candidaturas negras e indica que os partidos não terão a obrigação de executar o que exige a lei, pois podem contar com novos perdões nas próximas eleições.
Bruna Rodrigues afirma que, neste ano, o compromisso é eleger bancadas em todo o Estado. “Infelizmente, ainda estamos falando de um número muito aquém do que gostaríamos, mas tenho certeza que em muitos lugares o resultado será positivo, e na Capital certamente”.
Daiana Santos acredita que a eleição de negras e negros será uma vitória, pois “temos diversas candidaturas de lideranças que já possuem trabalhos consolidados e estão propondo novas alternativas de ações e políticas públicas para a cidade”.
Faltando pouco para o dia da votação, os parlamentares da primeira bancada negra em Porto Alegre estão confiantes em eleger seus sucessores em 2024. Em Porto Alegre, Karen Santos faz campanha por sua reeleição. Matheus Gomes (PSOL) declarou apoio a Grazi Oliveira (PSOL). Laura Sito (PT) está em campanha para Márcio Chagas (PT), e Bruna Rodrigues (PCdoB) e Daiana Santos declararam apoio ao Coletivo Cuca Congo (PCdoB).
Daiana Santos reforça que “manter um diálogo aberto e sensível em relação a quaisquer pautas de interesse comum com o Executivo é absolutamente imprescindível. Esse intercâmbio construtivo é fundamental para a articulação eficaz e a implementação bem-sucedida de políticas públicas que atendam às necessidades da sociedade”.
O ponto comum entre os entrevistados é reconhecer a importância de os negros e negras ocuparem a Câmara de Vereadores, um local tradicionalmente branco e que apresentou estranhamento com a chegada de cinco negros de uma só vez.
Daiana Santos conta que o sistema político, estruturado para perpetuar o racismo, também reproduz a violência política de gênero e invisibiliza tanto as políticas públicas voltadas à população negra quanto a mobilização desse segmento nas decisões políticas. Bruna Rodrigues finaliza ao dizer que o período atual é histórico, “se nós formos olhar para os últimos 20 anos das eleições na cidade e no Estado, nós vamos ver que a luta antirracista é o elemento novo, é a busca ou o acesso à consciência racial da nossa população que faz mudar o contexto histórico da política”.
Considerando o estranhamento causado pela presença de negros e negras no parlamento e a ausência de executivos sensíveis às pautas raciais, o cientista político Airton Araújo observa que “a luta dos negros não é só com os negros, mas por uma sociedade mais igualitária” e, por isso, se faz fundamental eleger uma nova bancada negra.