Eleições 2024
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23 de setembro de 2024
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14:38

Transporte, saúde, escolas, creches e calçada: ‘Falta tudo’, diz moradora da Restinga

Por
Luciano Velleda
lucianovelleda@sul21.com.br
Arte: Matheus Leal/Sul21
Arte: Matheus Leal/Sul21

De olho nas eleições municipais, o Sul21 conversou com lideranças dos bairros mais populosos de Porto Alegre para entender quais são as principais demandas das comunidades. O especial Raio-X das periferias iniciou na última quinta (19), pelo bairro Rubem Berta, e prossegue nesta segunda, pela Restinga. Nos próximos dias, também falaremos sobre Sarandi e Lomba do Pinheiro.

Uma das regiões mais populosas de Porto Alegre, a Restinga é um bairro com muitos bairros dentro, com denominações variadas. Quinto Território, Chácara do Banco, Restinga Nova e núcleo Castelo são alguns exemplos da divisão territorial de um dos maiores colégios eleitorais da Capital. Às vésperas da eleição municipal, ouvir as lideranças comunitárias locais traz à tona múltiplas demandas das “diferentes Restingas”, mas algumas questões mostram necessidades gerais, como reclamações sobre o transporte público e falta de escolas.

Confira mais do especial Raio-X das Periferias: 
As muitas Restingas dentro da Restinga
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Rubem Berta: os moradores, as distâncias e contradições

Cláudia Maria da Cruz, liderança comunitária do Quinto Território, mora há 24 anos na Restinga. Chegou na região como assentada num processo de luta por moradia, numa época em que não havia luz na rua e nem asfalto. Ganhou um terreno com água e esgoto, mas sem luz. Ou melhor, com luz clandestina, questão resolvida apenas recentemente.

 

São muitas as reivindicações dos moradores da Restinga aos candidatos a prefeito de Porto Alegre | Foto: Isabelle Rieger/Sul21

“Ainda é um lugar vulnerável”, diz ela, lembrando que, durante muito tempo, sua única sensação de segurança vinha da luz da própria casa. “Tudo que tivemos aqui foi por luta”, afirma, citando a chegada do asfalto, a criação do posto de saúde (conquistado via Orçamento Participativo) e da escola de ensino fundamental do município.

Naquele tempo, lembra Cláudia, o Quinto Território tinha cerca de 4 mil habitantes; hoje, tem o triplo. Atualmente, uma das demandas prioritárias é o transporte público. A líder comunitária reivindica um ônibus que saia da região e vá direto para o Centro da cidade. A demanda é maior por haver nas imediações o Hospital da Restinga e o campus do Instituto Federal. “Os ônibus estão precarizados. Isso é da vida toda na Restinga, mas, de uns anos pra cá, piorou”, critica, enfatizando os veículos velhos, com problemas no freio e poucos horários para atender a população da Restinga. Para ela, há falta de incentivo no uso do transporte público. 

O transporte público é também uma necessidade destacada por Ana Paula, moradora da Chácara do Banco. “Os ônibus estão uma porcaria. Tem que sair uma hora antes pra esperar pela boa vontade do ônibus. A pessoa começa o dia estressada.”

 

Ônibus velhos e com poucos horários tornam a vida dos moradores da Restinga mais difícil desde o começo do dia. Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Almerinda Rosa de Lima, há 14 anos presidente da Associação Chácara do Banco, reclama ainda da perda de horários da lotação Restinga Velha. Atualmente, existem apenas dois horários para ir do bairro ao centro e dois horários no caminho contrário. “Cadê a Prefeitura que não vê isso?”, questiona.

Ela conta que outra demanda reivindicada pela comunidade, que seria simples, é a criação de uma lombada na rua Sandra Bréa, onde fica a sede da associação, localizada numa casa dividida com o posto de saúde. O asfalto na rua trouxe junto a alta velocidade dos motoristas e os riscos para crianças e moradores. “Há mais de um ano, brigo pra ter uma lombada. Vários acidentes já aconteceram aqui”, afirma.

Moradora da rua Sandra Bréa há cinco anos, Sandra Machado igualmente destaca o pedido por uma lombada (quebra-molas) na rua. Ela conta haver muitos acidentes causados pela alta velocidade e falta de respeito dos condutores. “Se tiver quebra-molas, o pessoal respeita”, acredita.

A questão dos acidentes trazidos pelo asfalto na rua Sandra Bréa leva Ivonete Barbosa, presidente da Associação Espaço Esperança, localizada na Restinga Nova, a avaliar que os problemas no bairro crescem à medida que a população também aumenta. Hoje com 54 anos, ela tinha nove quando chegou na Restinga. Ivonete avalia que a rua Sandra Bréa asfaltada “é uma benção”, ao mesmo tempo em que traz o risco da alta velocidade e dos acidentes. 

“Ao mesmo tempo em que as coisas boas chegam, geram outros problemas”, pondera. Técnica de enfermagem aposentada e atualmente trabalhando na escuta e acolhimento de pessoas com dificuldades, a presidente da Associação Espaço Esperança diz que a comunidade não desiste das suas reivindicações. “A gente não consegue se acomodar numa situação de necessidade.”

 

Almerinda Rosa de Lima, presidente da Associação Chácara do Banco, mantém nos fundos da entidade a única pracinha da localidade.Foto: Isabelle Rieger/Sul21

As mulheres lideranças da Restinga, reunidas numa tarde de terça-feira na Associação Chácara do Banco, lembram que a Escola Nossa Senhora do Carmo é a última escola municipal de ensino fundamental inaugurada no bairro. Isso 15 anos atrás.  

Cláudia Maria da Cruz, liderança do Quinto Território, aponta a falta de vagas nas escolas municipais como outro sério problema da região. Ela afirma que o Orçamento Participativo (OP) já foi um instrumento importante para atender as reivindicações da comunidade, mas deixou de ser há tempos. “O OP hoje não funciona. Temos demandas congeladas desde 2012. O OP virou interesse próprio de alguns conselheiros”, lamenta, destacando que, em outra época, havia um sentido de união e visão coletiva. “Hoje não participo mais do OP.””

A opinião é compartilhada por Fernanda Luiza Silva dos Santos, presidente da Associação de Moradores na Putinga, localizada na “fronteira” entre a Restinga e o bairro vizinho, conta não ser ouvida nas reuniões do OP. Aluna do Instituto Federal, técnica em comércio, ela avalia que na região “falta tudo”. Falta escola, falta creche, falta calçada, falta asfalto. Diz que as crianças são obrigadas a estudarem em escolas distantes porque na localidade só tem escola de ensino fundamental, ainda assim pequena e sem refeitório adequado. O entorno da escola também é perigoso, ela avalia. “Não tem sinalização para as crianças saírem da escola, é um perigo. Nem calçada tinha, agora que estão fazendo um pouco.”

 

Bairro Restinga, na Zona Sul de Porto Alegre. Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Além da educação, o sistema de saúde é outro alvo de reclamações na Restinga. Almerinda, presidenta da Associação Chácara do Banco, comanda uma organização cuja sede abriga também o posto de saúde da localidade, com cerca de oito mil habitantes. O imóvel foi construído pelos próprios moradores. Ela conta que gostaria que o posto de saúde fosse para outro imóvel, desde que ficasse na região. Isso porque, a Prefeitura já tentou fechar o posto e transferi-lo para a Restinga Nova. 

A comunidade, no entanto, se mobilizou e não permitiu o fechamento. Porém, para ficar, o governo municipal articula ocupar o imóvel todo, hipótese que Almerinda não aceita. “Minha briga é com o secretário de saúde e com o Hospital Vila Nova (administrador do posto), eles querem pegar toda a área.” Enquanto a situação não se resolve, ela diz que o posto já perdeu médicos por falta de espaço.

A falta de espaço também está no centro de uma longa história envolvendo o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) na Restinga. Há mais de 20 anos, o atendimento está em local provisório. O atual está dentro do Polo Industrial. Ela conta que, no governo de José Fortunati (PDT), a Prefeitura firmou convênio com o Ministério do Desenvolvimento Social para a construção de uma sede para o CRAS Quinta Unidade, mas que a verba que estava garantida pelo governo federal acabou sendo perdida. “Por uma incompetência do governo municipal, entre 2014 e 2015, perdemos um valor do MDS porque não havia um engenheiro na Prefeitura que pudesse assinar o projeto e enviar para o governo federal”, recorda Cláudia Maria da Cruz. “Hoje o CRAS está num espaço provisório. Em 24 anos, foi mudando de um provisório para outro.”

 

Cláudia e Almerinda, duas líderes comunitárias da Restinga. Foto: Isabelle Rieger/Sul21

A líder comunitária diz que o CRAS faz cerca de mil atendimentos por mês. O volume, diz ela, comprova que o serviço tem demanda para ter uma sede “de verdade”, adequada à procura da população. “Se a gente deixar, vai ficar o resto da vida assim, mas a gente não vai deixar.”

Ainda na área da saúde, Cláudia ressalta como reivindicação antiga ainda não atendida, a necessidade da Restinga ter um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Ela avalia que a demanda por cuidados com a saúde mental, que já existia, aumentou desde a pandemia do novo coronavírus.

O cuidado com a saúde envolve também a coleta de lixo. A líder comunitária do Quinto Território diz que o serviço é muito ruim, tanto do lixo orgânico quanto do lixo seco. “Eles passam e não pegam. E aqui não existe container.”

Ciente das dificuldades, e ressaltando que todas as conquistas obtidas pela comunidade da Restinga sempre ocorreram por meio de uma luta coletiva, Cláudia dá sinal de não esmorecer, ainda que se chateie com a propaganda política a cada quatro anos. “Somos o maior colégio eleitoral de Porto Alegre e só somos lembrados em período eleitoral.”

Nas eleições municipais de 2020, Sebastião Melo (MDB) foi eleito no segundo turno, concorrendo com Manuela d’Ávila (PCdoB). Na Restinga, entretanto, Manuela venceu, conquistando 13.674 votos, quase 3 mil a mais do que os 10.923 votos obtidos por Melo.


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