Eleições 2024
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27 de setembro de 2024
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14:19

O agronegócio brasileiro é sustentável, como diz a vereadora Comandante Nádia? Não é bem assim

Por
Josué Gris
josuegris@sul21.com.br
Vereadora usou episódio das queimadas para falar sobre o agronegócio. Arte: Matheus Leal/Sul21
Vereadora usou episódio das queimadas para falar sobre o agronegócio. Arte: Matheus Leal/Sul21

Recentemente, na tribuna da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, a vereadora e candidata à reeleição Comandante Nádia (PL) discursou por cerca de cinco minutos, utilizando os episódios de queimadas Brasil afora para questionar a atuação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e enaltecer o agronegócio. A parlamentar e candidata à reeleição afirmou, entre outras coisas, que o agronegócio brasileiro “é um dos agros mais sustentáveis do planeta”, mas não é bem assim.

A Food and Agriculture Foundation (FAO) – Agência da ONU para agricultura e alimentação -, define o conceito de sustentabilidade a partir de fatores como conservação do solo, da água e dos recursos genéticos animais e vegetais, conservação ambiental e uso de técnicas apropriadas, economicamente viáveis e socialmente aceitáveis. Tendo em vista tais fatores e considerando a preservação do Pampa, bioma predominante no Rio Grande do Sul, Valério Pillar, pesquisador e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma que o sistema atual do agronegócio brasileiro não é sustentável.

A lei nº 12651/2012 é uma das responsáveis pela proteção da vegetação nativa. De acordo com Pillar, a legislação ambiental de modo geral está adequada ao contexto brasileiro, contudo, o professor destaca a falta de fiscalização e de condições para o cumprimento da legislação já estabelecida. Segundo levantamento feito pelo MapBiomas, o Pampa foi o bioma que mais perdeu vegetação nativa entre 1985 e 2023. A perda da vegetação está relacionada à expansão de atividades agrícolas. Em 2023, a área de pastagens expandiu 79% em relação a 1985. 

Nos mesmos períodos, a agricultura cresceu 228%. A expansão de atividades agrícolas é simultânea à degradação ambiental e à perda de vegetação nativa. Ainda segundo o levantamento do MapBiomas, em 1985, as áreas de vegetação nativa ocupavam 61,3% do Pampa. Em 2021, essa participação foi de 43,2%. Ainda, 46,7% do bioma sofre ação de atividades humanas, sendo que 41,6% é ocupado somente para a agricultura no Pampa.

O professor Valério Pillar destaca a construção do imaginário popular em relação à preservação de vegetação nativa: “no senso comum, se tem a ideia de que vegetação nativa é floresta, com grandes árvores e mata fechada. Mas nem sempre. O Pampa tem sua vegetação nativa composta majoritariamente por campos e vegetação rasteira, rica em diversidade”. Em 2015, por exemplo, pesquisadores da UFRGS identificaram 57 diferentes espécies em um metro quadrado da vegetação nativa do Pampa. Pillar questiona se tamanha diversidade é encontrada em espaços de monocultura.

Outro elemento levantado pelo professor, é sobre como é feita a transição dos campos nativos para a lavoura de monocultura, pois pode passar despercebida, já que a paisagem não sofre grandes variações. Diferente de quando há desmatamento em outros biomas da mata fechada de árvores nativas para dar espaço a lavouras, no Pampa, a transição ocorre de maneira mais sutil à percepção visual.

Na avaliação de Valério Pillar, “o agronegócio é necessário para o sistema produtivo brasileiro, mas precisa de limites”. Ele reforça que tais limites já existem, mas esbarram em uma fiscalização limitada de recursos para exercer sua função e encontram atalhos em governos municipais e estaduais, como no RS, onde há a possibilidade do autolicenciamento.

Para Pillar, o atual agronegócio brasileiro não é sustentável e não funciona em harmonia com a preservação dos biomas, em especial o Pampa. Por isso, a fala da vereadora de Porto Alegre, Comandante Nádia (PL), recebe o selo “não é bem assim”.

 

Essa checagem faz parte de um projeto nacional de combate à desinformação nas eleições, liderado pela Énois e que reúne 10 veículos de imprensa de todas as regiões do Brasil.


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