
De olho nas eleições municipais, o Sul21 conversou com lideranças dos bairros mais populosos de Porto Alegre para entender quais são as principais demandas das comunidades. O especial Raio-X das periferias iniciou no dia 19, pelo bairro Rubem Berta, prosseguiu no dia 23 com a Restinga e segue agora com o Sarandi. O especial será encerrado com uma matéria sobre o bairro Lomba do Pinheiro.
“O azar que a gente teve é que foi numa época eleitoral. Além da desgraça da enchente, teve esse azar de ser época eleitoral”, diz Arli Vera Borba Antunes. Ex-moradora do bairro Sarandi e atualmente no São João, ela viu parentes e amigos perderam suas moradias, bem como a casa de sua falecida mãe ser destruída. Na última segunda-feira (23), participou de um protesto diante do Paço Municipal denunciando que o bairro está há mais de 120 dias sofrendo as consequências das enchentes de maio e esperando por respostas de todas as esferas de governo para voltar à “normalidade”.
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O Sul21 está publicando desde o dia 19 a série de reportagens Raio-X das Periferias, que busca entender quais são as principais demandas apresentadas pelos moradores dos quatro bairros mais populosos de Porto Alegre para este período eleitoral. Maior colégio eleitoral da cidade, o Sarandi foi um dos bairros de maior margem de vitória para o prefeito Sebastião Melo (MDB). Ele recebeu 16.783 votos, contra 9.435 de Manuela d’Ávila (PCdoB). Contudo, esta não é uma eleição como outra qualquer.
Como um dos bairros mais afetados pela enchente em razão do rompimento do dique que protege a região das águas do Rio Gravataí, as principais demandas relatadas à reportagem são referentes à recuperação após a enchente.
“O que a gente sabe é que faz mais de 100 dias e tem gente que não voltou para casa, não teve nenhum auxílio, o dique ainda não foi consertado”, disse Arli, quando conversou com a reportagem no mês de agosto.

Ela avalia que, desde a enchente, o Sarandi está preso num jogo de “empurra-empurra” entre Prefeitura, governo do Estado e governo federal, em que o governo municipal reclama da falta de dinheiro, a presidência diz que aguarda projetos para liberar os recursos e o Estado empurra para as outras esferas. Esse jogo se manifestaria em diversas áreas, como na reconstrução do dique e na construção de casas para as famílias atingidas.
Essa situação motivou Arli a criar a comissão de moradores Fiscaliza Sarandi. Também idealizadora do movimento, Maria Isabel Gonçalves da Silva diz que ele surgiu de maneira espontânea, a partir de grupos de Whatsapp, capitaneado por moradores indignados com a situação do bairro.
Isabel conta que não perdeu apenas uma, mas duas casas na rua R. Pandiá Calógeras. “No terreno, tinha a casa da minha mãe nos fundos e a minha na frente. Perdemos as duas casas. Eu tirei de casa a minha mãe e meu filho e fiquei com os animais, três cachorros e oito gatos. Perdi tudo dentro de casa e ainda perdi três gatos”, diz.
Cerca de 35 dias depois do início da enchente, ela conseguiu retornar ao local para verificar os estragos. A casa dela deu perda total e a intenção era esperar a reforma no dique para avaliar o que fazer. A dos fundos, menos afetada, passou por uma reforma que se estendeu até o mês de setembro, quando conseguiu retornar ao terreno “meio acampada”, como salienta.
O intuito inicial do Fiscaliza Sarandi, segundo Isabel, era processar a Prefeitura para exigir medidas de reparação, bem como cobrar do Ministério Público do Rio Grande do Sul que elaborasse um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o poder público municipal referente à atuação no bairro. Contudo, reforça que a ideia, desde o início, sempre foi cobrar medidas tanto da Prefeitura, como dos governos estadual e federal. “O Eduardo Leite está muito quietinho”, ironiza.
Para exemplificar o alcance da tragédia no bairro, Arli conta sobre o caso de uma ação realizada pela empresa Tramontina para doar panelas para 90 famílias atingidas pela enchente. “Tinha uma fila de mil pessoas que foram às oito da noite de um dia, sendo que a entrega seria às dez da manhã do outro dia. Para você ver o desespero das pessoas”, conta.

Arli avalia que uma parcela dos moradores do Sarandi que está sendo ignorada são aqueles que tiveram suas casas danificadas pela enchente ao ponto de terem sido quase inviabilizadas para retornar, mas não ao ponto de serem totalmente destruídas, o que dificulta o acesso a programas de moradia.
“O que acontece conosco que temos terreno com escritura? Tínhamos a casa e caiu uma parede? A Defesa Civil vai lá e diz que pode consertar e habitar. Nós não ganhamos nada. O que estamos pedindo é que o governo federal faça um novo projeto, que seja ao menos a metade do valor, R$ 40 mil, R$ 30 mil, sei lá. Cinco mil só dá para comprar meia dúzia de móveis”, diz. “As casas de madeira caíram. Tem gente que tem escritura e quer voltar para o terreno, mas agora não tem dinheiro ou como tirar um financiamento para comprar madeira. Um pedreiro cobrou de uma amiga R$ 10 mil só para levantar uma parede. É uma situação muito difícil e o pessoal está se sentindo abandonado”, complementa.
Em um mesmo sentido, avalia que grande parte do bairro é formada por famílias de rendas média e baixa, mas não de extrema vulnerabilidade, o que inviabilizou o acesso a alguns programas federais e estaduais, como foi o caso do PIX SOS Rio Grande do Sul do governo estadual, limitado a pessoas de baixa renda inscritas no CadÚnico ou no Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF). “Quem ganha R$ 5 mil, R$ 10 mil, todos tiveram as casas destruídas e perderam tudo”, diz.
Arli avalia que, diante da destruição causada, seria necessário montar uma estrutura de gestão voltada exclusivamente para o Sarandi e que tivesse o foco de mapear todas as casas danificadas. “Nós precisamos que os três poderes estejam presentes”, diz.
Para ela, há muitas questões que precisam ser respondidas pelo poder público e que, inclusive, precedem a enchente, como as transformações pelas quais o bairro vêm passando. Ela pontua que, se é verdade que os moradores ocupam áreas que não deveriam ser ocupadas, o mesmo vale para empresas que se instalam na região em áreas que, no passado, eram alagadiças, como no caso das Lojas Havan da Av. Assis Brasil.
“Quando a gente era criança, era uma área alagadiça, um banhado. Quando chovia, alagava. Passava a chuva, voltava ao normal. Perguntei [em reunião com a Prefeitura] se existe um relatório de impacto ambiental. Esses aterros não influenciaram para voltar água para o bairro? O bairro Sarandi é uma bacia. Perguntei na reunião, disseram que não. Depois um engenheiro disse assim: ‘se bem que, ali, nós vamos ter que aumentar a capacidade da bomba’. Então, entendemos que sim. Essa questão do aumento da capacidade da bomba. Teve relatório de impacto ambiental? Como foram as drenagens? Tem muita coisa escondida. Estamos reféns e não queremos passar por isso de novo”, diz.

No dia 19 de agosto, a comissão de moradores Fiscaliza Sarandi participou de uma reunião convocada pela Prefeitura ao lado de outras entidades e associações representativas do bairro. Nesta reunião, foi entregue ao prefeito e candidato Sebastião Melo (MDB) uma pauta de reivindicações — que depois seria entregue em reuniões subsequentes aos governos estadual e federal –, cobrando providências imediatas para o bairro. As medidas reivindicadas são:
— Discussão desta pauta de reivindicações do Sarandi em uma mesa das três esferas de governo, com a participação da Comissão;
— Que nenhuma das medidas urgentes deixe de ser tomada por falta de um acordo entre as três esferas, ficando esta discussão de responsabilidades de cada uma para ser acertada a posteriori;
— Revisão das condições atuais dos diques com a participação de técnicos indicados pelas comunidades, como medida emergencial de segurança;
— Cercamento dos diques onde forem retiradas as casas, com a construção de estrada sobre este para acesso de caminhões e equipamentos de manutenção, impedindo que haja ocupação de casas nestas áreas críticas;
— Garantia de ligação das bombas em casos de alagamentos, e de que haja geradores não inundáveis em todas as casas de bombas;
— Abertura de algumas ruas como pontos de fuga, pois houve dificuldade de evacuação de certas áreas quando rompeu o dique;
— Limpeza e desentupimento dos bueiros, sendo após colocadas telas de proteção para evitar entrada de lixo evitando novos entupimentos. Mais bueiros por quadra;
— Moradia imediata para quem perdeu totalmente suas casas, e para quem terá que sair de áreas de risco. Direito de nova moradia para quem tem casa de madeira, ou que desabou parte dela. A prioridade emergencial não deve ser entregar dinheiro a construtoras numa cidade quem tem 110.000 imóveis desocupados;
— A Defesa Civil não deve exigir a reocupação da residência para fornecer o laudo, o que deve ser feita com hora marcada. É um contrassenso exigir que se volte para uma casa sem condições de habitação para fornecer um laudo que comprove que não há condições de morar;
— Revisão de quais são as áreas de risco em entrevista com as comunidades que apontam locais atingidos e não incluídos, como as que contêm moradias não regularizadas que foram atingidas pela cheia;
— Regularização de todas as moradias;
— Aumento imediato do valor dos auxílios, considerado valor-reparação, a ser calculado para cobrir os prejuízos em média de móveis, reparação das casas, etc. Conceder a todos que se encontram em áreas atingidas, independentemente da renda. Quando mais de uma família ocupa o mesmo terreno, cada família deve ter direito a um auxílio;
— Para quem está reconstruindo suas casas, além do valor-reparação, direito a crédito nos bancos públicos com juros e taxas zero;
— Exigir que, numa catástrofe como esta, não deva ser levado o critério de renda da assistência social para conceder benefício. Neste momento todos foram extremamente atingidos e prejudicados;
— Não exigência de matrícula do imóvel para isenção do IPTU, já que estão sendo pedidos documentos que foram perdidos na enchente, e o custo de uma nova matrícula nos cartórios de imóveis é altíssimo;
— Suspender a cobrança de água, luz e impostos da população atingida no mínimo por um ano;
— Anistiar as dívidas e empréstimos dos trabalhadores (incluindo empréstimo consignado de servidores e aposentados), da população pobre e dos pequenos empresários nas áreas atingidas;
— Prioridade para a reparação das escolas e aulas presenciais para todos já;
— Mais vagas nas creches para acolher todas as crianças cujas famílias foram afetadas, para que as mães possam se dedicar a reconstrução de seus lares;
— Auxilio financeiro para reforçar entidades que atendam a saúde de animais gratuitamente;
— Empregar todos que perderam empregos em frentes estatais de obras públicas para a reconstrução da infraestrutura de prevenção e das moradias em locais seguros;
— Suspensão de todos os aterros nas áreas de banhado do Rio Gravataí, que, a exemplo da Coca-Cola e da Havan, retiram a capacidade natural da região de absorver a maioria das águas de cheias. Acesso ao Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA) das regiões onde estão havendo aterros;
— Transparência e relatório público sobre doações e auxílios, valores e destinação, em específico as doações PIX do governo do Estado.
No encontro, o Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae) apresentou os planos para a reforma do dique, que nos pontos em que ocorreu o transbordo da água estava mais baixo do que a altura prevista no projeto original do sistema de proteção contra as cheias de Porto Alegre, que era de 6 m. Iniciadas em 30 de agosto, as obras emergenciais consistem em elevar a altura de todo o dique para ao menos 5,5 m, o que representa, segundo o Dmae, uma elevação de quase dois metros em alguns pontos. Ao todo, 48 residências localizadas sobre o dique do Sarandi foram retiradas em junho em preparação para a obra, cuja estimativa de conclusão é de em seis meses.

Além disso, o prefeito Melo apresentou aos moradores do bairro um ofício que ele já havia encaminhado ao governo do Estado solicitando ações de desassoreamento e dragagem nas áreas críticas do Guaíba, do Delta do Jacuí e demais bacias próximas que contribuiriam para minimizar o risco de novas cheias atingirem o bairro.
Em nota conjunta enviada em retorno a questionamentos do Sul21, o Departamento Municipal de Habitação (Demhab) e o Escritório de Reconstrução da Prefeitura de Porto Alegre informaram que, no mês de junho, foi realizado um levantamento via satélite que “mapeou o impacto da enchente em 20,7 mil habitações de cidadãos inscritos no CadÚnico em Porto Alegre”.
Este foi o número repassado ao governo federal como demanda habitacional de Porto Alegre a ser atendida. Posteriormente, o Ministério das Cidades e a Caixa Econômica Federal estabeleceram, por meio de portarias, diferentes níveis de detalhamento nos cadastros destas famílias para a liberação de recursos para alguma das alternativas do governo federal disponibilizadas para os atingidos pelas enchentes.
De acordo com a Prefeitura, até o dia 25 de setembro, 3.686 cadastros e laudos foram adequados a tais exigências da União. “Outro destes níveis de detalhamento são os laudos individuais, que vão comprovar à Defesa Civil Federal qual o nível de impacto da enchente em cada uma das residências. Cerca de 2 mil foram feitos com auxílio do governo Estadual nas ilhas”, diz a nota.
Além disso, no dia 10 de setembro, a Prefeitura iniciou uma nova fase de visitas técnicas com engenheiros e agentes sociais, especialmente nas regiões das Ilhas e nas proximidades do dique do Sarandi, para avaliar a possibilidade de realocação das famílias. “As visitas são parte de uma força-tarefa articulada pelo Escritório de Reconstrução, que mobiliza engenheiros e servidores de outras pastas da Prefeitura para integrar as rotinas do Demhab. O objetivo é desenvolver 19 mil laudos em toda a cidade nos próximos dois meses”, explica a nota.
Como as visitas técnicas devem se estender por mais semanas, não seria possível dizer ainda qual é a demanda habitacional no Sarandi.
Já a Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, pasta do governo federal que perdeu status de ministério no início de setembro e passou a ser vinculada à Casa Civil, informou ao Sul21 que, até o dia 17 de setembro, a Prefeitura havia concluído a indicação de 1.779 famílias para receberem novas casas, o que inclui famílias no bairro Sarandi, mas majoritariamente moradores da região das Ilhas e do bairro Farrapos.
Inicialmente responsável pela gestão da área habitacional da Ministério de Apoio à Reconstrução e agora da secretaria, o vereador licenciado Carlos Comassetto estima que o número de pessoas que precisam de novas casas é muito superior ao já indicado pela Prefeitura. “Tem mais gente em cima e fora do dique”, diz.
Ele ainda pontua que as famílias que tiveram a casa danificada mas desejam reconstruir suas moradias no mesmo local podem acessar recursos do Fundo Nacional de Interesse Social (FNIS), que disponibiliza até R$ 150 mil para este tipo de obra. No entanto, ele salienta que o recurso só é disponibilizado após identificação da necessidade por parte da Prefeitura.
“Tudo a porta de entrada é a Prefeitura, não tem como não ser. A Prefeitura é que manda os planos, que faz os estudos técnicos, que apresenta os cadastros das pessoas. O governo federal aprova e libera os recursos para que a Prefeitura organize a construção das casas”, afirma.
Ele ainda pontua que, até o momento, o governo federal já autorizou o empenho de cerca de R$ 600 milhões para obras voltadas para manutenção e fortalecimento do sistema de proteção contra cheias e das casas de bomba de Porto Alegre, o que inclui as demandas do Sarandi. Mas, mais uma vez ressalta, é necessária a apresentação prévia de projetos por parte das Prefeitura. “Não tem dinheiro sem projeto”, diz.

Até o momento, a Prefeitura já enviou uma série de cartas-consultas para solicitar a liberação dos recursos, o que é uma etapa prévia à apresentação do projeto executivo para a realização da obra, mas já indica a reserva do recurso, segundo Comassetto.
Entre as obras solicitadas pela Prefeitura por meio das cartas-consultas, está a ampliação das Estações de Bombeamento de Água Pluvial (Ebap) 12, 13, 14, 15 e 16, com duas propostas com soluções diferentes, nos valores de R$ 113 milhões e R$ 155 milhões; obras de macrodrenagem na bacia do Arroio Dilúvio, estimadas em R$ 115 milhões; obras específicas para enfrentar a situação de alagamentos no bairro Sarandi, estimadas em R$ 70,4 milhões; e intervenções para a recuperação do dique do Sarandi, estimadas em R$ 12 milhões.
Esta última obra emergencial no dique é a já iniciada pela Prefeitura, com recursos próprios, segundo informou o Dmae. O pedido de liberação de recursos junto ao governo federal seria a título de ressarcimento. “Todos os recursos do governo federal para atender o Sarandi e toda a catástrofe de Porto Alegre já estão aprovados, sejam eles para reconstrução dos diques, sejam eles para reconstrução da habitação. O que está demorado são os planos de trabalho da Prefeitura”, reitera Comassetto.
Morador da Vila Elizabeth, uma das mais afetadas pela enchente, Josué dos Santos Allemane, conhecido como Zezinho, ressalta que a principal demanda da comunidade é o conserto do dique. “Eles precisam organizar esse dique, investir nisso, nessa situação das represas ali”, avalia.
Segundo Zezinho, a comunidade já vinha alertando a Prefeitura há muitos anos sobre os riscos de enchente e rompimento dos diques. “Inclusive, em 2023, sentamos com o Melo e com Maurício Loss, o diretor do Dmae, para falar do temor que a comunidade tinha de que acontecesse uma tragédia. Eles eram sabedores”, diz.
Além disso, pondera que outras instalações do sistema de saneamento do bairro precisam urgentemente passar por manutenção, como a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) do Sarandi. “Ela foi totalmente atingida e, neste momento, está estragada, paralisada, não está ativa. Todos os esgotos da nossa região aqui estão bloqueados, eles estão parados. Essa chuva que caiu agora (dia 13 de setembro), as ruas ficaram totalmente alagadas e os bueiros botando esgoto para fora. Hoje, eu entendo que a maior preocupação, além de reforçar os diques, é que se organize logo essa estação de tratamento de esgotos para que eles consigam começar a funcionar e fazer a drenagem correta. Porque qualquer chuva aqui na região agora é uma preocupação para a comunidade”, diz.
Nesta quinta-feira (26), o bairro voltou a ficar alagado após a cidade ser atingida por fortes chuvas.
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Além da expectativa de resolução do drama de alagamentos e enchentes, o Sarandi, como qualquer bairro da cidade, também tem uma série de outras demandas reivindicadas junto ao poder público, agravadas ainda mais pela tragédia. Ex-conselheiro tutelar por duas gestões, Zezinho elenca que uma área que regrediu nos últimos anos foi a da educação.
“A região norte da cidade, nos últimos oito anos, vinha com déficit de vagas, por exemplo, na educação infantil. Isso é em toda Porto Alegre, a gente sabe disso, mas, aqui, era a mínima falta de vagas. Eu trabalhava como conselheiro e sempre quando se requisitava a vaga, se conseguia. Hoje não se consegue mais. Hoje as famílias para conseguir a vaga na educação infantil, elas têm que buscar o judiciário”, diz.
Além da falta de vagas para educação infantil, ele pontua que um problema que vem aparecendo cada vez mais é relacionada ao ensino fundamental, o que, segundo ele, não ocorria. “Existem crianças que, agora já estamos no mês de setembro, ainda não tiveram a sua vaga efetivada na escola. Agora, no pós enchente, que começou a ter algumas vagas em algumas escolas porque, por óbvio, as famílias acabaram mudando para outros bairros, porque perderam as suas casas e acabaram pedindo transferência. Então, na verdade, acabou de certa forma abrindo as vagas momentaneamente até que essas famílias retornem para a região, mas a possibilidade do nosso início do ano letivo novamente faltar vagas do ensino fundamental é muito grande”, avalia.
Procurada recentemente para falar sobre a falta de vagas, a Secretaria Municipal de Educação (Smed) informou que, no início do ano, 7,5 mil crianças de 0 a 3 anos buscavam e não conseguiam vagas para a educação infantil, número que foi reduzido para cerca de 3 mil até o mês de setembro a partir da compra de vagas em escolas parceirizadas e outras medidas. A Smed não contabilizava déficit no ensino fundamental.

Com relação ao Sarandi, a Smed informa que o bairro foi o mais atingido por pedidos de transferências apresentados por alunos matriculados na rede municipal de ensino da Capital entre o final de maio e o início de setembro. Das 571 transferência realizadas em escolas do município, 322 foram de estudantes do Sarandi.
Os alagamentos também causaram interrupção no atendimento de saúde. Zezinho destaca que a Unidade de Saúde Vila Elizabeth, localizada na R. Paulo Gomes de Oliveira, foi totalmente atingida e passou a operar por meio de um caminhão cedido pelo governo do Estado. Para além da enchente, ele destaca que há dois problemas principais no atendimento de saúde no bairro que resultam da terceirização dos serviços: falta de funcionários nos postos e a quebra de vínculo entre profissionais e moradores.
“As unidades de saúde aqui do bairro estão basicamente com trabalho mínimo de funcionários, porque em outras gestões, as unidades de saúde, por exemplo, tinham o pediatra, o ginecologista e médico clínico. Atualmente, estão atendendo aqui somente com os médicos de família. Então, se uma criança chega lá, ela passa pelo acolhimento pelo médico de família, mas se tiver um caso específico de atendimento de Pediatria, ela precisa aguardar numa fila de espera. Ou se a criança está muito mal, precisa ir para um hospital, para uma UPA, por exemplo”, diz. “A quebra de vínculo também é uma grande preocupação, porque os médicos precisam conhecer a família. O que acontece muito? Quando a comunidade começa a ter vínculo com o profissional que atende a família, ele simplesmente é deslocado para outra unidade ou é demitido. E aí aguarda-se um mês, dois meses, para que outro médico venha para unidade de saúde e retome os atendimentos. Então, acaba que os médicos estão sempre trocando, é constante, isso eu entendo que não é uma coisa boa”, complementa.
Por fim, com a experiência de ser um professor de Educação Física com 20 anos de trabalho social no Sarandi, Zezinho pondera que outra demanda urgente é a recuperação dos serviços do Centro de Comunidade Vila Elizabeth (Cecove), localizado na R. Jacob Philippsen, 76.
“Eu tenho 47 anos, nasci e cresci aqui, então eu digo que eu sou cria do Cecove. Ele sempre foi uma referência para toda a comunidade na área do esporte, lazer e recriação. O que eu tenho para te dizer? Não só não só nesta gestão agora, como nas últimas gestões que ocorreram, foram precarizando o serviço. O centro comunitário tem uma piscina que é a maior piscina da rede pública de Porto Alegre. A nossa piscina aqui é semiolímpica, tem 25 m por 15 m. Ela está fechada há 10 anos. Entra gestão e sai gestão e nenhuma aplica recurso para a resolver o problema das piscinas. Chegou ao ponto de que, nos últimos quatro anos, o Centro Comunitário ficou sem professor e fechou”, diz.
Zezinho afirma que, nos últimos anos, as únicas atividades desenvolvidas no Cecove foram iniciativa dele e de uma comissão de moradores que se organizou para administrar o uso do ginásio, pegando a chave do espaço com a Secretaria de Esportes.
“Nós usávamos o ginásio, fazíamos todos os trabalhos ali, abríamos e fechávamos o ginásio, inclusive fazíamos algumas manutenções, por incrível que pareça. Sem nenhum tipo de atividade pública oferecida para a comunidade. Eles simplesmente esqueceram da região do Sarandi. Se tu for lá no Cevi, na Vila Ingá, tem. No Ceprima, atrás do Zequinha, tem. No Cecores, na Restinga, inclusive teve emenda parlamentar, fizeram piscina, reformaram tudo. Se tu for em outros locais, em outras regiões, a verba é aplicada. Não é por falta de dinheiro, porque senão não teria investido em outros locais. Simplesmente aqui no Sarandi eles esqueceram de fazer qualquer tipo de investimento na área do esporte e lazer”, finaliza.
