Eleições 2022
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19 de agosto de 2022
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18:32

Depois de garantir eleição de Heinze em 2018, agronegócio migra para a candidatura de Leite

Por
Flávio Ilha
flavio.ilhasouza@gmail.com
Heinze em visita ao então governador Eduardo Leite no Piratini. Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini
Heinze em visita ao então governador Eduardo Leite no Piratini. Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini

O senador Luis Carlos Heinze (PP), candidato ao governo do Rio Grande do Sul coligado ao PTB, tem uma certeza: os votos do agronegócio gaúcho, que ajudaram a eleger o presidente Jair Bolsonaro em 2018, vão para ele em 2022. “Tenho 48 anos de trabalho no campo, nenhum parlamentar do Brasil tem essa trajetória. Não se trata de um voto partidário, mas de classe”, diz o senador, que se notabilizou na CPI da Covid, em 2021, por defender de forma incondicional o governo federal.

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A certeza, porém, parece não estar assentada em fatos: com 6% das intenções de voto na última pesquisa do Ipec, publicada no dia 15 de agosto, Heinze vê seu campo eleitoral se reduzir drasticamente no intervalo de quatro anos: se em 2018, na eleição para o Senado, surpreendeu ao obter 2,3 milhões de votos, em outubro – pelos levantamentos disponíveis até o momento – deverá encolher para algo em torno dos 500 mil sufrágios. Seria uma derrocada e tanto.

Motor da economia gaúcha, capaz de mobilizar lideranças nos quatro cantos do Estado, o agronegócio deve migrar em peso para a candidatura do ex-governador Eduardo Leite (PSDB) em 2022. Além de um governo amigável em questões importantes para o setor, especialmente na flexibilização de barreiras ambientais, Leite tem o apoio da ex-senadora Ana Amélia Lemos (PSD), novamente candidata ao Senado, e também da poderosa Farsul, a Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul.

“O governador conseguiu atender todas as nossas sugestões, reduziu o déficit do Estado e cortou despesas para retomar os investimentos. Apoiamos integralmente as suas iniciativas”, disse o presidente da entidade, Gedeão Pereira. No final do ano passado, em meio à disputa interna no PSDB para a indicação de um candidato à presidência da República, a Farsul já havia apelado publicamente para que o então governador se mantivesse no cargo e disputasse a reeleição. Em junho, a pretensão se materializou.

A migração não chega a ser uma surpresa para um dos mais experientes analistas políticos do Estado. O professor aposentado da UFRGS Benedito Tadeu César avalia que o cenário entre 2018 e 2022 mudou radicalmente – para azar de Heinze. “O ex-governador é confiável para o agronegócio e, neste momento, tem maior chance de vencer a eleição. Além disso, Bolsonaro perdeu a vantagem que tinha no Rio Grande do Sul, o que diminui a aposta no senador Luis Carlos Heinze. E se ficar claro que o Bolsonaro vai perder a eleição, parte dos seus votos também pode migrar do ex-ministro Onyx Lorenzoni para o candidato tucano”, prevê.

Mais do que isso: César acredita que a opção do agronegócio por Eduardo Leite pode afetar também a eleição para o Senado – onde o ex-prefeito Olívio Dutra despontou como favorito. “Para impedir a vitória de Olívio, os eleitores de extrema direita podem migrar para a candidatura de Ana Amélia, um pouco menos à direita de Mourão e, para eles, tão confiável quanto o vice-presidente de Bolsonaro”, arrisca o cientista político.

Não se trata de nenhuma novidade, segundo ele. “Como tem acontecido historicamente, desde o início da República, o embate no Rio Grande do Sul será entre os candidatos ligados aos grandes produtores rurais e aqueles de centro-esquerda. A desunião da ala mais progressista mais uma vez, facilitará as coisas para os conservadores, que podem colocar dois representantes no segundo turno [como ocorreu em 2018], mas na minha opinião existe a possibilidade, remota, de termos uma disputa mais acirrada do que pareceu inicialmente”, completa.

Não chega a ser uma opção estapafúrdia. Como salientou Gedeão Pereira, presidente da Farsul, o governo Leite atendeu integralmente as reivindicações do agronegócio. No primeiro ano de governo, apresentou um projeto de reforma do Código Ambiental do Estado que alterava nada menos que 480 itens da lei vigente – entre eles pontos polêmicos como o autolicenciamento, uma antiga demanda do empresariado rural.

Pressionado pelo setor, bancou a aprovação do projeto em tempo recorde e sem que a proposta passasse pela Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa. O novo código foi aprovado 75 dias após a apresentação do projeto, após a realização de uma única audiência pública. A normativa até então em vigor precisou de nove anos para ser debatida e aprovada.

Não foi a única benesse de Leite ao segmento. No ano passado, o ex-governador encaminhou pacote à Assembleia no qual propunha a liberação de dezenas de agrotóxicos proibidos aqui e também em seus países de origem. O projeto modificou uma lei de 1982, que havia colocado o Rio Grande do Sul na vanguarda da legislação nacional sobre o tema. A proposta foi aprovada por ampla maioria.

“Foi um governo desestruturante, destruidor e prostituinte porque desconstruiu décadas do nosso trabalho de conscientização ambiental”, pontua o presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Francisco Milanez. Para ele, nenhum governo foi tão bondoso com o agronegócio nas últimas décadas no Rio Grande do Sul quanto a gestão de Eduardo Leite.

Milanez vai além e diz que, na questão ambiental, o governo Leite é um dos principais aliados do presidente Jair Bolsonaro. “Na esfera federal, a aprovação de um novo marco legal dos agrotóxicos é tida como prioridade da bancada ruralista. E uma questão estratégica para o governo ”, compara. Conhecido como PL do Veneno, o projeto foi aprovado na Câmara mas ainda aguarda votação no Senado, onde tramita na Comissão de Agricultura.

Também pesa para o agronegócio a perspectiva de recuperação das perdas das duas últimas safras, especialmente devido à estiagem e à pandemia de covid-19. Em 2020, o PIB do setor agropecuário no Estado recuou 28% com uma redução de 8 milhões de toneladas. Em 2021 houve recuperação, com crescimento de 67% mas sobre uma base afetada pelo mau desempenho anterior. Para este ano, a Farsul prevê um crescimento muito tímido do setor – inferior a 2%.

As exportações, por exemplo, estão em queda: totalizaram US$ 3,5 bilhões no segundo trimestre de 2022, desempenho 26% inferior na comparação com o mesmo período do ano passado. O complexo soja, mais capitalizado do agronegócio gaúcho, caiu 62% em valor exportado.

Jair Bolsonaro e Eduardo Leite. Foto: Alan Santos/PR

De olho nos votos do campo, Heinze já ensaia uma estratégia de ataque ao governo de Eduardo Leite – o candidato tucano renunciou ao cargo em março deste ano para tentar emplacar como representante da terceira via ao Planalto. “É muito fácil governar como ele [Leite] fez. Pagou zero parcelas da dívida com a União, por conta de uma liminar do STF, e ainda recebeu mais de R$ 3 bilhões do governo federal para gastar onde quisesse, como compensação pelas perdas de ICMS durante a pandemia”, exemplificou.

O senador também criticou a adesão do Estado ao Regime de Recuperação Fiscal da União e prometeu conversar com os outros quatro estados mais endividados do país para renegociar uma dívida, para ele, “impagável”. O candidato deixou claro também que fará do ex-governador um dos seus principais alvos de campanha. “Ficou em cima do muro o quanto pôde, depois pegou votos dos bolsonaristas e agora nega o presidente? Vamos mostrar a verdade à população do Rio Grande do Sul”, disse. Para Heinze, se não declarasse apoio a Bolsonaro, Leite “certamente perderia a eleição” no segundo turno de 2018.


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