
Da Agência Brasil
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva irá ao velório do ex-presidente do Uruguai, José “Pepe” Mujica, que morreu nesta terça-feira (13), aos 89 anos. Ainda na China, onde cumpre visita oficial, o presidente concedeu uma entrevista coletiva a jornalistas brasileiros, chineses e de outros países, onde confirmou a viagem para se despedir do velho amigo. Ele ainda falou sobre uma série de outros assuntos, como o acordo entre China e EUA para redução das tarifas de importação e sobre as negociações de paz entre Rússia e Ucrânia, se comprometendo a trabalhar para que um encontro entre as partes aconteça na Turquia.
“Eu pretendo, chegando a Brasília, ir ao enterro do Pepe Mujica, porque o mínimo que a gente tem que fazer é se despedir das pessoas que serviram de referência para gente, com demonstração de muita dignidade e de muito respeito”, afirmou Lula.
Após a entrevista, em Pequim, o presidente e sua comitiva embarcaram de volta ao Brasil, onde a previsão de chegada é na noite desta quarta-feira (14).
O velório de Mujica ocorrerá no Palácio Legislativo, em Montevidéu, a partir de amanhã.
Lula já tinha se manifestado, mais cedo, em nota oficial, sobre a morte de Mujica e destacou seu legado político e social.
Na coletiva de imprensa, ele reforçou sua homenagem à memória do ex-presidente uruguaio, que chegou a ficar 12 anos preso por perseguição política da ditadura no país vizinho.
“O Pepe Mujica não foi apenas um militante de esquerda, um senador, um deputado ou um presidente da República do Uruguai. O Pepe Mujica foi um presidente muito importante para a democracia, para os setores progressistas da sociedade, para a esquerda. Porque eu acho que se ele não tivesse nascido, precisaria nascer outra vez, para que a gente tivesse um exemplo de ser humano, com muita dignidade, com muito respeito, com muita solidariedade e com muita coragem”, disse Lula.
O último encontro entre os dois ocorreu na chácara de Mujica, nos arredores da capital uruguaia, no fim do ano passado. Na ocasião, Lula condecorou Mujica com a Ordem do Cruzeiro do Sul, a maior honraria concedida pelo Estado brasileiro a cidadãos estrangeiros.
“Da última vez que eu vi ele, sentado comigo, ele me disse: ‘Lula, eu estou indo embora’. E, com a maior serenidade e tranquilidade que me disse isso, era o jeito que ele governava o Uruguai”, contou Lula.
“Difícil encontrar duas ou três pessoas no mundo com o caráter e a dignidade dele [Mujica]”, completou o presidente.
Por conta da morte de Mujica, o presidente em exercício, Geraldo Alckmin, decretou luto oficial de três dias no Brasil.
Lula também elogiou o anúncio de um acordo para redução de tarifas comerciais entre China e Estados Unidos, após rodada de negociação reunindo representantes os dois países, realizada há dois dias, na Suíça.
“O acordo entre EUA e China, em Genebra, é uma demonstração, pura e simplesmente, de que tudo seria mais fácil se antes de anunciar de forma unilateral as taxações, os EUA tivessem conversado com a China. Seria muito mais fácil, muito mais simples e muito menos penoso para o mundo. É uma demonstração de que tarda, mas não falha. A sabedoria leva a gente sempre à mesa de negociação”, disse.
Ele ainda defendeu a volta da Organização Mundial do Comércio (OMC) como principal mecanismo para discussão de tarifas comerciais.
Ambos os países anunciaram que reduzirão tarifas recíprocas extras impostas no mês passado. Pelo lado norte-americano, as tarifas contra produtos chineses cairão de 145% para 30%. Do lado oposto, os chineses reduzirão as taxas extras contra os EUA de 125% para 10%. As negociações entre as duas maiores potências econômicas do planeta prosseguirão, mas já trouxe alívio imediato para a economia mundial.
Para o presidente brasileiro, a visita à China fortaleceu a visão compartilhada com o líder do país, Xi Jinping, sobre a importância do multilateralismo na coordenação das questões globais.
“A China merece ser olhada com mais carinho e sem preconceitos. A China é a novidade econômica e tecnológica do século XXI. Os Brics é outra novidade extraordinária desse século”, destacou Lula, lembrando da Cúpula dos Brics que o Brasil sediará em julho, no Rio de Janeiro. “Nós queremos tomar decisões importantes para ver se a gente muda o eixo da geopolítica mundial”, garantiu.
Durante a coletiva, em Pequim, Lula foi questionado sobre a conversa que teve com o presidente chinês, na noite anterior, em jantar de boas-vindas, a respeito dos impactos negativos de redes sociais na inflamação da violência política, como o TikTok, que é uma plataforma criada e controlada pela China.
Ao responder, Lula disse que ele abordou o tema com Xi Jinping e manifestou irritação com o vazamento do teor da conversa, que envolveu um comentário da primeira-dama Janja da Silva.
O presidente contou que perguntou a Xi Jinping se ele poderia enviar um representante ao Brasil para discutir a questão do funcionamento das redes sociais, em especial o Tik Tok.
“E aí a Janja pediu a palavra para explicar o que está acontecendo no Brasil, sobretudo contra as mulheres e contra as crianças. Foi só isso”, disse Lula. “A pergunta foi minha. Eu não me senti nenhum pouco incomodado. O fato da minha mulher pedir a palavra é porque minha mulher não é cidadã de segunda classe. Ela entende mais de direito digital do que eu e resolveu falar”, destacou o presidente.
“A primeira coisa que eu acho estranho é como essa pergunta chegou à imprensa, porque só estavam meus ministros lá, o [Davi] Alcolumbre [presidente do Senado] e o Elmar [Nascimento, 2º vice-presidente da Câmara dos Deputados]. Então, alguém teve a pachorra de ligar para alguém e contar uma conversa que teve num jantar, que era uma coisa muito confidencial e muito pessoal”, criticou.
Ainda sobre a conversa com o presidente chinês, Lula revelou que Xi Jinping respondeu “que o Brasil tem direito de fazer a regulamentação”.
“Ainda bem que estava o Elmar, em nome da Câmara, e o Davi, que sabem que nós temos que regulamentar [as redes sociais]. Não é possível a gente continuar com as redes digitais cometendo os absurdos que cometem, e a gente não ter capacidade de fazer uma regulamentação”, afirmou.
O presidente ainda afirmou que ligará para o líder da Rússia, Vladimir Putin, para encorajá-lo a sentar à mesa de negociações com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, como forma de encontrarem uma solução para o fim da guerra entre os dois países.
“Todos nós sabemos os motivos da guerra, não precisamos entrar em detalhes dos motivos da guerra. Eu estou preocupado é em encontrar o motivo da paz”, afirmou.
Lula esteve na semana passada em Moscou, onde já havia tratado do assunto.
No último domingo (11), o presidente ucraniano se disse pronto para encontrar Putin em Istambul, na Turquia, país que também está mediando uma tentativa de acordo.
Apesar da oferta de conversa feita pelos russos, e endossada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, até o momento não houve confirmação da participação pessoal de Vladimir Putin no encontro, sugerido pelo próprio Zelensky.
“O meu ministro Mauro Vieira [Relações Exteriores] tinha recebido um telefonema do chanceler da Ucrânia dizendo que o Zelensky gostaria que eu pedisse para o Putin, para saber se o Putin estava disposto a fazer um acordo de paz, uma trégua de 30 dias. Tive a oportunidade de jantar ao lado do Putin e foi a primeira coisa que perguntei. E o Putin disse textualmente que ‘eu topo discutir isso a partir do acordo que estávamos fazendo em Istambul, em 2022’. Eu não conheço [os detalhes desse acordo]. Quando eu parar em Moscou [em escala de voo na volta ao Brasil], eu vou tentar falar com o Putin. Não me custa nada falar: ‘olha, companheiro Putin, vai até Istambul negociar, pô’”, disse Lula ao responder a pergunta de um jornalista.
O presidente foi incisivo na defesa de uma “movimentação política” pela paz, que só será alcançada por meio de negociação verbal entre as partes.
“Somente os dois [Rússia e Ucrânia] podem encontrar uma solução. E é com muito otimismo que ouvi a proposta do Putin, ouvi a aceitação da propsta do Putin pelo Zelensky. E que o presidente Xi Jinping e eu colocamos o resultado disso numa nota, parabenizando tanto a proposta do Putin quanto a aceitação do Zelensky, na possibilidade que juntem em Istambul e, ao invés de trocar tiro, trocar palavra”.
Durante a entrevista, Lula voltou a comentar sobre a situação dramática em Gaza, e pediu que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tenha o mesmo empenho para acabar com o conflito na Palestina como está tendo para o fim da guerra na Ucrânia.
“Com toda a divergência que eu possa ter com Trump e ele comigo, acho que a decisão dele sobre a guerra [na Ucrânia] foi importante. Você tinha o nosso amigo [Joe] Biden [ex-presidente dos EUA] falando em guerra todo dia, em destruir a Rússia todo dia. O Trump veio e falou que é preciso paz, fazer parar essa guerra. E eu espero que ele possa terminar o genocídio na Faixa de Gaza. Aquilo não é uma guerra, é um genocídio”, defendeu Lula.
“Não é uma guerra entre dois exércitos [na Faixa de Gaza]. É uma guerra entre um Exército altamente sofisticado contra mulheres e crianças”, reforçou.