Fernanda Morena

Durante o 2º Congresso Nacional de Direito Eleitoral, o procurador regional da República, Fabio Bento Alves, alertou para a centralização das campanhas políticas na questão financeira e disse que uma reforma eleitoral é necessária para devolver o poder político ao instrumento democrático das eleições. Na palestra de Alves na tarde de quinta-feira (24) no auditório do CIEE, o procurador defendeu o fim da doação por empresários às campanhas: “Hoje o eleitor no Brasil é o dinheiro”.
O Projeto de Lei (PL 060/2013) que invalida a participação empresarial na construção de campanhas dos partidos aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) e, por isso, a proibição não valerá para o pleito de outubro. Aprovado no Senado, a proposta voltou à Câmara dos Deputados em função de uma alteração feita pelo relator, o senador Roberto Requião (PMDB-PR). O texto original, de autoria da senadora Vanessa Graziottin (PCdoB-AM), admitia a aplicação de fundo empresarial em algumas circunstâncias.
Atualmente, o sistema de doação às campanhas é misto, ou seja, recebe legalmente recursos de pessoas física e jurídica e de origem pública – a última, por meio do Fundo Partidário. Entretanto, cerca de 95% das doações vêm de empresários, segundo Alves. “Essa desigualdade do poder econômico gera desigualdade política”, aponta o procurador.
Números exorbitantes
Para Bento Alves, que até recentemente exercia a Procuradoria Regional Eleitoral, o poder econômico interfere no sistema democrático. Só pelo fundo partidário, os recursos chegam a R$ 364 milhões (o mesmo valor gasto pelo governo federal com combustível ou um décimo do PIB gaúcho), distribuídos entre as legenda. Até 50% do valor recebido pode ser utilizado em serviços de manutenção, aluguel e pagamento de folha e 20% para “educação ideológica” (eventos de cultura partidária), ma não há um mínimo ou um máximo do recurso que pode ser dirigido à campanha. Desde 1995, R$ 1,75 bilhão já foi repassado pelo fundo às 32 siglas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O fundo foi criado pela Lei 9.096/95, a mesma que garante acesso gratuito a rádio e à TV pelos candidatos por uma contrapartida da União. Do valor que as emissoras deixam de ganhar, 80% pode ser compensado junto à Receita Federal por meio de desconto em impostos devidos. Só em 2014, a previsão é de que a perda da receita pública com os 45 dias de horário eleitoral gratuito chegue a R$ 839 milhões. “Desde 2002, o cofre público já deixou de arrecadar R$ 5,2 bilhões. São cifras que já não são mais milionárias. São astronômicas”, critica Alves.
Pelo fim da participação empresarial

O procurador não escondeu que é a favor do fim da participação empresarial nas campanhas políticas; mais do que isso, ele avaliou a dinâmica como antidemocrática. Segundo ele, a contribuição empresarial tem caráter discriminatório, porque coloca a pessoa jurídica como uma titular de direitos políticos. “O que significa que quanto mais dinheiro a empresa tem, mais ela pode. Com isso, a máxima ‘um homem, um voto’ é prejudicada. O poder econômico não pode interferir de forma tão incisiva no processo democrático.”
Com apenas 5% dos recursos vindos de doações de pessoas físicas, Alves aponta para o afastamento da sociedade da política nacional, que “deixa de doar R$ 500 porque a empresa vai dar R$ 50 milhões para outro candidato”. “No Brasil, o eleitor é o dinheiro”, afirmou.
Pela prática comum, diz Alves, as empresas seguem os resultados das pesquisas de intenção de voto e fazem as doações para os candidatos mais bem colocados, deixando o programa de governo em segundo plano – ou mesmo fora da equação. “A pessoa jurídica quer ter um rabo preso com os candidatos”, afirma.
Reforma ou minirreforma?
Ainda que o STF não tenha dado uma palavra final sobre o julgamento da minirreforma que irá retirar a possibilidade de contribuição por parte do empresariado, tudo indica que o PL será aprovado e entrará, assim, para o rol dos arremedos de alteração nas regras dos pleitos – uma feita em 2006 e outra em 2010. Mas Alves reitera: existe necessidade real de uma reformulação ampla no sistema eleitoral. “Tudo depende do bom senso do Legislativo para entender que precisa de uma reforma ampla, isonômica e orientada.”
O procurador citou a revisão de 45 dias de horário eleitoral gratuito para 30, que, não só diminuiria o ônus sobre os cofres públicos em um terço, mas também fortaleceria o debate e diminuiria a guerra publicitária entre agências. “É tanto foco no marketing, tanta pirotecnia nos anúncios que o debate do programa político fica em segundo plano”, criticou.
A solução, segundo ele, seria redirecionar a campanha para a internet. Desonerar a fazenda pública, cortar os custos das campanhas e atender o clamor da população seriam os benefícios trazidos pelo ativismo político online. Alves acredita que as campanhas poderiam até mesmo ser ampliadas na rede, uma vez que custam menos do que as de TV, diminuindo o investimento na campanha. “A internet depende de acesso e conta com a participação interessada de quem procura por aquele site, por quem busca aquela informação”, reflete o advogado, que acrescenta também o poder do meio em igualar os candidatos: “Com menos recurso, eles podem fazer uma campanha relativamente significativa na internet”.
Se o aporte de pessoa jurídica chegar mesmo ao fim, será necessário também revisar o programa de prestação de contas, pois pode facilitar doações ilegais e construção de caixas 2. Alvez considera essa uma oportunidade para rever a distribuição do fundo partidário, que onera a fazenda pública em quase meio bilhão de reais ao ano. O procurador afirmou que é necessário “ter um pouco de respeito com o contribuinte e a cidadania” e que a criação de um fundo público específico para campanha iria de encontro a isso. “É muito paternalismo, considerando que os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado”, criticou.

O STF e o TSE entendem que a bola da reforma ampla está na quadra dos legisladores e que as ações para a negação de investimento empresarial no caso de uma negativa de aprovação do PL podem ser apenas listar em seus domínios a decisão. Alves vê a validação da minirreforma no STF como “um estopim, um momento de deflagração da necessidade de uma reforma eleitoral mais ampla, que ataque e dê um tratamento adequado e isonomicamente direcionado para a questão dos financiamentos eleitorais”. A mudança ampla do processo eleitoral, entretanto, depende do Congresso e do Senado.
“Mais cedo ou mais tarde, nem que seja por um Projeto de Lei de base popular. É só lembrarmos da lei mais significativa que alterou o processo eleitoral dos últimos 20 anos que é a lei da ficha limpa. Em algum momento o Congresso Nacional vai ter que enfrentar esse tema”, declarou.