
Fabiana Sulzbacher Damian*
A pé, por aplicativo ou usando o transporte público. Independente da forma de deslocamento escolhida, com frequência, o medo está presente na rotina da mulher ao transitar pela cidade. Mudança de rota, troca de roupa, escolha de assento perto da saída são apenas algumas das estratégias adotadas para evitar situações de importunação ou violência. Mas nem isso é capaz de eliminar a sensação de impotência frente a um assédio.
“Já houve várias situações de homens me encarando, tentando puxar papo ou fazendo algum comentário. Um dia que eu estava indo pra escola, sentei no ônibus, e tinha um cara sentado atrás de mim. Quando cheguei vi que ele tinha me olhado. Passou um tempo, eu vi que tinha uma mão tentando encostar em mim. Eu pulei pra cadeira do lado e ele passou pra trás e começou a botar a mão. Fui pra frente do ônibus e sentei perto do cobrador. Eu senti muito medo”, relata uma estudante de Administração Pública e Social que pediu para não ser identificada.
Para a maioria das mulheres, os casos não são isolados, mas frequentes. “O cobrador ficava invadindo minha privacidade e sendo super desconfortável. Um dia eu cortei ele porque percebi que não era só simpatia, quase chorei no ônibus. Toda vez que eu precisava ir, era isso. E era o ônibus que tinha mais perto”, conta uma acadêmica de Relações Internacionais. O assédio só foi interrompido quando a universitária mudou de emprego e, consequentemente, de trajeto.
A busca por segurança faz com que planos sejam alterados e a simples necessidade de se deslocar sozinha pode se tornar motivo de medo. “Quando eu estou com alguém, se eu sei que vou pegar ônibus com meu namorado ou com algum homem eu já me sinto mais confortável. Eu realmente não me sinto nem um pouco segura no transporte público. É horrível porque a gente acaba se privando de fazer várias coisas por esse medo”, conta uma funcionária do hospital Ernesto Dornelles.

As mulheres são a maioria da população brasileira: 51,8%, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD). Suas jornadas são duplas e até mesmo triplas. Ainda assim, as cidades não possuem estrutura adequada para garantir o conforto e a segurança necessários. De acordo com a pesquisa Meu Ponto Seguro, da ONG ThinkOlga, 77,8% das mulheres brasileiras se sentem inseguras nos pontos de ônibus. Pensando nisso, o coletivo feminino Turba criou um projeto de intervenção urbana feito por mulheres e para mulheres. Intitulada Parada Segura, a ideia relaciona urbanismo tático com mobilidade de gênero.
“A gente colocou umas faixas, guias nas calçadas, com direção de alguns possíveis equipamentos. Se tem farmácia perto, se tem supermercado perto ou se tem, enfim, qualquer equipamento público específico, e indicar no piso para onde são esses lugares, para que, caso a mulher esteja na parada, se sinta insegura, possa saber pra onde pode ir. Se ela está esperando de noite, e vai demorar muito o ônibus, ela pode se resguardar nesses lugares”, explica Paula Motta, arquiteta e cofundadora do coletivo.
O projeto, produzido para um concurso de ideias, tem como principal objetivo tornar a espera da mulher pelo transporte um momento mais seguro e menos aterrorizante. As paradas do bairro Sarandi foram as analisadas para o desenvolvimento da ideia, onde as criadoras identificaram situações precárias. Segundo Paula, a estrutura dos espaços públicos de Porto Alegre ainda é muito deficitária, e é essencial pensar em ambientes mais inclusivos que acolham toda a população. “Se fica uma parada só para o uso específico da parada, se ninguém estiver esperando o ônibus não vai ter outra coisa. Se colocar uma brincadeira para as crianças, se colocar uma hortinha ou um banco, isso já vai atrair mais movimento, as pessoas podem usar aquilo de outra forma, o que também vai deixar a mulher mais segura e também vai acolhê-la”, pontua.
A Parada Segura ganhou menção honrosa no concurso Voltar para a Rua do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), mas ainda não saiu do papel. Para que isso aconteça, é necessário investimento e abertura da esfera pública.
Enquanto a cidade ainda está longe de ser um ambiente em que as mulheres possam circular em segurança, autoridades destacam a importância de denunciar as situações de violência. Para a titular da 1ª Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher de Porto Alegre, delegada Jeiselaure Rocha de Souza, a lei de importunação sexual sancionada em 2018 foi um grande avanço para a segurança das mulheres na cidade. A lei permite que práticas de cunho sexual realizadas sem o consentimento da vítima sejam denunciadas. Ainda assim, segundo a delegada, o número de denúncias é baixo.
“É importante que as mulheres não fiquem em silêncio, porque às vezes pode acontecer de um agressor de forma contumaz fazer isso em vários transportes, em vários meios de locomoção. E se as vítimas não denunciarem, a gente não vai conseguir apurar esse fato para uma estatística fidedigna sobre isso”, ressalta a delegada.
Jeiselaure instrui que as vítimas procurem a delegacia mais próxima, e se possível, tenham um contato de uma provável testemunha.
Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM): (51) 3288-2172
WhatsApp de denúncias da Polícia Civil do RS: (51) 98444-0606
Central de Atendimento à Mulher: Ligue 180
*É aluna de Jornalismo da Famecos. A reportagem integra projeto desenvolvido em parceria pelo Editorial J – Laboratório de Jornalismo Convergente do Curso de Jornalismo da Famecos/PUCRS e pelo Sul21 sobre mobilidade urbana em Porto Alegre.