
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tomou posse nesta segunda-feira (21) e uma de suas primeiras medidas foi retirar o país do Acordo de Paris. A medida não surpreende, já que o republicano havia feito isso em seu primeiro mandato, entre 2017 e 2021. Trump deve interromper uma trajetória em que os Estados Unidos vinham reduzindo, ainda que timidamente, suas emissões de gases do efeito estufa. Em 2024, projeções indicaram que o país reduziu em apenas 0,2%, e, em 2023, em 3,3%.
“Ainda não era na velocidade que a gente precisava, mas já era um progresso. Vai ser muito difícil aumentar as emissões dos Estados Unidos de uma hora para outra, mas ele vai diminuir o ritmo disso. Então, a gente está no momento que precisa aumentar a velocidade e ele vai pisar no freio”, avalia Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima.
Herschmann ressalta que a medida anunciada por Trump vem em um momento em que a humanidade se encontra em uma encruzilhada, uma vez que, em 2024, a temperatura média global ultrapassou em 1.6 grau o nível do período pré-industrial, e os esforços do Acordo de Paris eram para que se mantivesse em 1.5. “O que os cientistas falam é que a gente tem que cortar, até o fim dessa década, 43% das emissões para limitar o aquecimento a 1.5 grau e, em 2023, a gente ainda aumentou as emissões em 1,3% em relação a 2022. Então, o que a gente precisaria era o mundo todo, inclusive os Estados Unidos, mobilizando-se na velocidade da emergência climática para conseguir manter esse limite vivo”.
Por outro lado, a especialista pontua que a transição energética deve seguir adiante nos Estados Unidos, mesmo com esforços em contrário de Donald Trump. “Tem algumas coisas que ele não consegue parar. Hoje em dia, as energias renováveis são mais custo-efetivas do que o petróleo, do que o carvão. Então, tem coisas que ele não vai conseguir, mas ele atrapalha”.
Outra possível consequência negativa do anúncio do presidente estadunidense é que se torne um exemplo a ser seguido por outros líderes de extrema-direita pelo mundo. “A gente vê um alinhamento muito grande da extrema direita, por exemplo, na Argentina e países da Europa que estão sob ameaça de terem eleições e virarem mais pra direita do que são hoje. Então, isso pode ser realmente um incentivo ruim”, projeta Stela Herschmann.
A especialista também afirma que os Estados Unidos “sempre foram muito difíceis nas negociações climáticas”, o que, de certa forma, minimiza o impacto do desembarque anunciado por Trump. “O que a gente precisa agora é ocupar esse vácuo de liderança climática que os Estados Unidos deixam. A gente precisa que os outros países do mundo, isso inclui o Brasil, mas a gente pode pensar na China, em países da União Europeia, que eles realmente liderem a transição energética. Eles têm que se articular para conseguir avançar na implementação do Acordo de Paris, mesmo sem esse país que fica entrando e saindo, e bagunçando toda a conversa”.
Segundo o Acordo de Paris, países desenvolvidos deveriam destinar US$ 100 bilhões por ano para ação climática nos países em desenvolvimento. O desembarque dos Estados Unidos deve diminuir esse auxílio, mas Stela Herschmann ressalta que o financiamento nunca foi efetivamente realizado pelas nações mais ricas. “O que é financiamento climático nunca foi definido. Então, uma das críticas dos países em desenvolvimento é que nunca foi cumprido da maneira que deveria ser. Por exemplo, para os países desenvolvidos qualquer empréstimo para uma atividade que seja um pouco melhor em emissões conta como financiamento climático, só que empréstimo continua a aumentar os problemas de desenvolvimento nesse países, aumenta a dívida, e não é um instrumento adequado para lidar com as mudanças climáticas, porque você só vai perpetuando o problema”, explica.
Seja como for, alguns dos países mais pobres acabam tendo suas ações climáticas totalmente condicionadas a esse instrumento de financiamento. A diminuição dos pagamentos dos países desenvolvidos deve impactá-los diretamente. “Tem muitos países em desenvolvimento que falam ‘olha eu consigo fazer tanto por minhas próprias capacidades, mas se eu receber apoio de financiamento climático eu consigo fazer mais’. Então, há esse aspecto condicionado das metas climáticas, depende desse financiamento e esse financiamento não está nem perto do que é necessário”.