Meio Ambiente
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8 de novembro de 2024
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10:12

Projeto de mineração de fosfato em Lavras do Sul revolta pecuaristas familiares da região

Por
Luciano Velleda
lucianovelleda@sul21.com.br
Lavras do Sul é considerado um dos poucos lugares do RS com a vegetação nativa do Pampa ainda preservada. Foto: Laís Morais
Lavras do Sul é considerado um dos poucos lugares do RS com a vegetação nativa do Pampa ainda preservada. Foto: Laís Morais

Expulsão de famílias produtoras de alimentos, interferência nos rios, poluição. Esses são alguns impactos citados pela produtora rural Vera Colares caso se confirme a abertura de uma mina de fosfato em Lavras do Sul, proposta pela empresa Águia Fertilizantes S.A e já com a Licença de Instalação concedida pelo governo de Eduardo Leite (PSDB), por meio da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam).

Há outros impactos previstos por ambientalistas, como a perda de vegetação nativa do Pampa, o tradicional bioma gaúcho e um dos mais degradados do Brasil. Segundo o MapBiomas, anualmente, o Pampa perde em torno de 150 mil hectares de campos nativos, convertidos em lavouras, prioritariamente de soja, ou transformados em áreas de cultivo de eucalipto.

“A criação da mina invade o espaço dos pecuaristas familiares que produzem alimento saudável, além de interferirem nos rios da região com a construção de grandes barragens, na região que é conhecida como o ‘berço das águas’”, afirma Vera Colares, integrante da Associação para Grandeza e União de Palmas (AGrUPa). A entidade tem sede no Distrito de Palmas, em Bagé, mas atuação sem limitação de região, razão pela qual tem associados em vários municípios do estado. 

Por intermédio da associação, Vera conta que a comunidade local vem enfrentando a mineração desde 2016, com apoio de outras instituições. Ela diz que a população acompanha o debate sobre a mina de fosfato feito na imprensa, todavia, ressalta que vários documentos e alterações foram realizados no projeto sem que tais mudanças fossem levadas ao conhecimento por meio de audiências públicas. A produtora ressalta que houve pedidos – sem sucesso – para realização de audiências públicas no distrito de Três Estradas, em Lavras do Sul, e em Dom Pedrito.

O projeto da mina começou em 2011, com o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) encaminhado em 2017. O fosfato é um insumo importante para a agricultura e houve a descoberta de uma grande quantidade do produto em Lavras do Sul. Em 2022, a Fepam concedeu a Licença de Instalação do projeto.  

“O governo estadual nunca fala com as comunidades afetadas pelos projetos de mineração. Pedimos audiência com o governador e não fomos atendidos. Os empreendedores fizeram algumas reuniões tentando convencer a comunidade das ‘vantagens’ do empreendimento. A mina também atua nas comunidades através das escolas, financiando eventos e artistas, entre outras ações para angariar simpatias e mascarar os efeitos adversos que a mineração causa. Também faz um trabalho com parlamentares de todas as esferas a nível local, estadual e federal, de modo a aprovar a legislação de seu interesse, bem como utilizar recursos públicos para financiar sua atividade que, isso sim, poderiam ser utilizados em atividades que trouxessem desenvolvimento sustentável”, afirma Vera. 

No último dia 22 de outubro, a juíza Aline Cristina Zimmer, da 1ª Vara Federal de Bagé, negou o pedido de nulidade dos procedimentos do licenciamento ambiental do Projeto Fosfato Três Estradas. Na decisão, a juíza também negou o pedido feito pelo Ministério Público Federal (MPF) para que as licenças sejam condicionadas à manifestação prévia dos pecuaristas tradicionais. 

“Chamo a atenção para o fato de que em tempos em que o Rio Grande do Sul vem sendo duramente atingido pelas mudanças climáticas, é passado da hora de apoiar e proteger quem ainda mantém preservados e cuida do Pampa e dos rios. O nosso Estado vem perdendo a vegetação nativa e tendo seus rios poluídos por grandes empreendimentos num ritmo avassalador. É hora da sociedade se unir a nós em defesa da produção de alimentos, de água e de vida, porque se a pecuária familiar for expulsa dos territórios, com ela se vão todos os serviços ambientais que ela presta e que mantém os territórios harmônicos há quase 300 anos”, apela a integrante da Associação para Grandeza e União de Palmas (AGrUPa).

Região das Três Estradas, em Lavras do Sul, é o local escolhido pela empresa Águia Fertilizantes para instalar a mina de fosfato. Foto: Laís Morais

Professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador-geral do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), Paulo Brack destaca que, além da questão das comunidades tradicionais, na ação civil pública, o MPF apontou lacunas do projeto da mina relativas à questão hídrica, pois a região de Lavras do Sul sofre com falta d’água e esse tipo de mineração precisa de muito recurso hídrico. Na decisão, a juíza acatou partes do pedido relacionados ao tratamento dos rejeitos da mineração, alteração da taxa de recarga dos aquíferos, supressão de nascentes e alteração da disponibilidade hídrica, entre outros pontos.

Brack enfatiza que, atualmente, a pecuária familiar é enquadrada como comunidade tradicionail e que, por esse princípio, deveria haver uma abordagem diferente na época da elaboração do Estudo de Impacto Ambiental e do Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA).  

“A gente considera que Lavras do Sul e Caçapava do Sul são o coração do Pampa, daquilo que sobrou e ainda não foi alvo da soja e do eucalipto. O crescimento das monoculturas de soja e do eucalipto vem sendo de uma maneira impressionante”, explica Brack, enfatizando que a região é importante produtora de gado e, principalmente, ovinocultura. “São atividades tradicionais de mais de 200 anos. Aquelas famílias trabalham com isso e estão muito preocupadas. Um dos pontos principais é justamente manter o que sobrou do Pampa. Segundo os mapas das áreas prioritárias para biodiversidade, ali temos áreas de alta importância.”   

No projeto em Lavras do Sul, segundo o próprio EIA-RIMA, a previsão é de que sejam retirados mais de 220 milhões de toneladas de material do solo, sendo que deste total, 59 milhões de toneladas serão de fosfato e o restante de rejeitos. “Teremos enormes pilhas de rejeitos numa área que, hoje, tem campos preciosos, com diversidade biológica de campos nativos”, afirma, além de impactos secundários em rios da região.

Além da perda de vegetação nativa do Pampa, o professor da UFRGS enfatiza o impacto que a mina de fosfato causará no modo de vida das comunidades que vivem da pecuária familiar – uma atividade econômica que, inclusive, beneficia a preservação dos campos nativos do bioma típico do Rio Grande do Sul. 

“A biodiversidade depende desse modo de vida”, sustenta. Para ele, aos impactos da mina de fosfato em Lavras do Sul irão se somar os impactos que já ocorrem devido a mineração de calcário em Caçapava do Sul e a barragem de Taquarembó. Brack considera um “absurdo” a Fepam, como órgão ambiental, comemorar a liberação da Licença de Instalação numa área que está profundamente vulnerável a um conjunto de atividades econômicas. 

“Vamos dar uma punhalada fatal no que restou da pecuária familiar no Rio Grande do Sul”, lamenta. E acrescenta: “E o bioma Pampa também vai ser comprometido, talvez até de maneira irreversível”. 

Por fim, ele critica que a região se torne um pólo de mineração para suprir um modelo agrícola questionável por usar muito agrotóxico. “Do ponto de vista da biodiversidade, é uma catástrofe a gente reconhecer que o Estado não faz nada para proteger o Pampa e agora vem saudar a emissão dessa licença.”

Biodiversidade do Pampa pode ser ameaçada pela nova mina. Foto: Laís Morais

Por meio de nota, a Fepam diz que o governo estadual “atua para garantir o desenvolvimento do Estado com a máxima proteção ambiental”. Ressalta, ainda, que o Rio Grande do Sul conta com um órgão ambiental de licenciamento com um dos quadros técnicos “mais qualificados do país”. 

Apesar do governo Leite se caracterizar por flexibilizar a legislação ambiental do RS desde o primeiro mandato, quando começou desfigurando o Código Estadual do Meio Ambiente, a Fepam diz que o estado tem uma das legislações ambientais “mais rígida do Brasil, com um alto rigor das análises ambientais”.

Com relação especificamente à mina de fosfato em Lavras do Sul, o órgão explica que o licenciamento ambiental iniciou em 2015, com o requerimento do Termo de Referência para a elaboração, por parte do empreendedor, do Relatório e Estudo de Impacto Ambiental. A Fepam diz que os estudos técnicos apresentados e analisados foram discutidos em audiência pública em 2019.

“O licenciamento ambiental prévio e de instalação tramitaram dentro da maior rigidez técnica e legal. Os questionamentos advindos da Ação Civil Pública foram esclarecidos e sanados. A sentença publicada em 22/10/2024 reconheceu a legalidade de todos os atos praticados pela Fepam”, afirma a nota.

As entidades ambientalistas devem recorrer na Justiça da decisão da juíza da  1ª Vara Federal de Bagé.


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