
O anúncio do governo federal da nova meta do Brasil para reduzir as emissões de gases de efeito estufa entre 59% e 67% até 2035, na comparação aos níveis de 2005, causou surpresa e uma certa decepção entre ambientalistas e especialistas em mudança climática. Chamada de Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), a nova meta climática do Brasil no Acordo de Paris será entregue à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) pelo vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, chefe da delegação brasileira na COP29, conferência do clima da ONU que acontece em Baku, no Azerbaijão, de 11 a 22 de novembro.
Se por um lado os analistas elogiaram o Brasil pelo anúncio antecipado das metas de sua NDC, realizado na noite dessa sexta-feira (8), por outro houve a crítica de que o País precisa e pode ser mais ambicioso em sua meta de contribuir para que o aquecimento global não ultrapasse 1,5ºC, conforme definido no Acordo de Paris. Além de presidir a reunião do G20 este ano, o Brasil sediará a COP30 em 2025, a ser realizada em Belém, o que faz os especialistas destacarem que o País precisa buscar cortes maiores de emissões e apresentar mais detalhes e transparência em seu plano de transição para longe dos combustíveis fósseis.
A meta de reduzir as emissões entre 59% e 67% até 2035, representar chegar a níveis de emissões de 850 milhões a 1,05 bilhão de toneladas de dióxido de carbono equivalente. Para os ambientalistas, tal banda de cortes de emissão não está alinhada à meta de 1,5°C do Acordo de Paris e está bem abaixo da NDC proposta pelo Observatório do Clima, cuja meta calculada para ser alinhada à meta de 1,5ºC aponta para uma redução de emissões de pelo menos 92% até 2035, em relação aos níveis de 2005.
Para Marcio Astrini, secretário executivo do Observatório do Clima, os números da NDC apresentados pelo governo federal nesta sexta-feira (8) estão desalinhados com a “contribuição justa do Brasil” para estabilizar o aquecimento global em 1,5°C. “Eles também são inconsistentes com vários compromissos públicos já adotados pelo governo, assim como com a promessa do presidente de acabar com o desmatamento no país – em seu conjunto, essas políticas levariam a emissões líquidas inferiores a 650 milhões de toneladas até 2035”, afirma.
Além disso, ele ressalta que informações cruciais para avaliar a ambição da nova NDC do Brasil foram omitidas: “Como o desmatamento será abordado? Como será tratada a expansão dos combustíveis fósseis? Qual será a contribuição de diferentes setores econômicos para o cumprimento das metas?”, questiona Astrini.
Alexandre Prado, Líder de Mudanças Climáticas da WWF-Brasil, pondera que o Brasil, por ser o país-sede da conferência climática do próximo ano, tinha a obrigação moral de estar entre os primeiros países a apresentar seus novos compromissos sob o Acordo de Paris. No entanto, diz ele, além do conteúdo da NDC anunciada, a forma como o anúncio foi feito merece atenção: uma declaração publicada no site do governo brasileiro em uma noite de sexta-feira.
“Esse formato envia um sinal político preocupante no contexto atual. Espero que na próxima semana, durante a COP29, o governo brasileiro retome a postura de liderança climática que caracterizou sua trajetória nas negociações da UNFCCC, que atualmente constituem o maior processo multilateral do mundo e abordam o maior desafio existencial da humanidade neste século. Também espero que o Brasil apresente o compromisso robusto esperado, mostrando o caminho de como chegaremos lá. Infelizmente, o que foi apresentado hoje não está alinhado com a meta de 1,5°C do Acordo de Paris”, lamentou Prado.
Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, declarou que o Brasil assume a liderança ao anunciar metas de mitigação para 2035, considerando que o prazo final é fevereiro de 2025, o que reafirma seu compromisso e apresenta resultados concretos para acabar com o desmatamento nesta década. No entanto, ela avalia que a meta em faixa e o silêncio do governo brasileiro sobre a transição para longe dos combustíveis fósseis “sugerem fragilidades”.
“Esperamos uma surpresa positiva no documento que será submetido à UNFCCC pela futura Presidência da COP30. O Brasil precisa agir para fechar a lacuna de ambição – não há tempo a perder”, afirmou a presidente do Instituto Talanoa.
Por sua vez, o diretor da 350.org na América Latina, Ilan Zugman, disse que os últimos eventos climáticos extremos que ocorreram no Brasil deveriam ser suficientes para que o governo apresentasse metas mais ambiciosas para a sua nova NDC. “Estamos em um momento crítico e esses números não inspiram para que, de fato, haja um movimento eficaz para o planeta não ultrapassar o limite de 1,5 graus Celsius. Vindo do país sede da COP30, isso é preocupante, pois esse é o momento para irmos além e mostrarmos que queremos virar o jogo”, afirmou.
Zugman acredita que o Brasil, por meio de compromissos mais firmes e ambiciosos, conseguirá influenciar pelo exemplo e ter mais fôlego para negociar uma Nova Meta Quantificada de Financiamento Coletivo (NCQG) igualmente ambiciosa na COP29. “A expectativa agora é que, tanto no discurso da COP29, quanto no evento do G20, tenhamos mais clareza sobre metas de desmatamento e um planejamento com metas definidas para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis. É hora de agirmos e fazermos avanços significativos para uma transição energética justa e popular para as renováveis nos próximos anos. O momento é oportuno para o país se tornar um verdadeiro líder climático internacionalmente e firmar seu compromisso com a população e a sociedade civil brasileira.”
De acordo com os analistas, o Brasil precisará detalhar políticas específicas em sua submissão completa da NDC para que se possa avaliar plenamente a meta anunciada. Uma dúvida, por exemplo, é se o aumento projetado de 36% da produção de petróleo e gás até 2035 será mantido. Todavia, há o entendimento de que as metas setoriais provavelmente não farão parte da NDC completa a ser entregue em Baku, na COP29, e que tais metas por setores só devem ser estabelecidas quando houver o lançamento do Plano Clima, provavelmente em 2025.