Meio Ambiente
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8 de outubro de 2024
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17:42

Memórias entre as máquinas: comunidade luta para salvar Parque Saint’Hilaire da destruição

Por
Bettina Gehm
bettinagehm@sul21.com.br
Membros do grupo Salve o Parque Saint'Hilaire seguram mudas de plantas em frente às toras de árvores cortadas. Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Membros do grupo Salve o Parque Saint'Hilaire seguram mudas de plantas em frente às toras de árvores cortadas. Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Morador do bairro Lomba do Pinheiro há 54 anos, José Carlos Alves, mais conhecido como Caio, ainda lembra de quando passava as tardes no parque Saint’Hilaire durante a infância. “Isso aqui era a extensão do nosso pátio. Era futebol, ir para a praça, tomar banho de cachoeira. A gente tomava a água, pura, pura. Aqui no parque começam as nascentes do Arroio Dilúvio. Era uma outra realidade”, diz.

Caio planta uma muda de araucária enquanto conta sobre o passado do local onde está – uma tentativa de fazer crescer novamente aquilo que vem sendo destruído. Há cerca de um mês, os moradores do entorno do Saint’Hilaire vêm percebendo o desmatamento do parque. Estão sendo retiradas espécies exóticas, como pinus e eucaliptos, mas a mata nativa está sendo danificada ao mesmo tempo. A chamada “revitalização” do parque é responsabilidade do município de Viamão, para o qual a Prefeitura de Porto Alegre concedeu a parcela do Saint’Hilaire situada na Capital.

Representantes do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), entidade ambientalista que faz parte do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam), vistoriaram o parque e constataram o impacto ambiental decorrente do manejo inadequado da fauna. O local é uma unidade de conservação.

 

Caio realiza plantio de muda no parque Saint Hilaire. Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Os biólogos também observaram ferimentos e morte de exemplares de butiá, espécie ameaçada de extinção, e de figueira-branca. “Houve uso de maquinário pesado (tratores) com um significativo impacto de degradação ao meio ambiente, em especial atingindo o sobosque nativo”, diz o ofício enviado pelo InGá ao Ministério Público Estadual.

“A gente só tem ideia do projeto de revitalização para o lado de Viamão, mas, para cá, nada”, afirma Franciele Dornelles, 26 anos. Ela também nasceu e se criou perto do parque. Com base no que foi constatado pelo InGá, Franciele explica o que a preocupa: “No meio de pinus e eucaliptos tem mata atlântica em estágio médio, que chamam de sub bosque. Quando eles vêm com maquinário pesado por cima, eles acabam destruindo a mata nativa também. Além disso, de quatro nascentes, duas foram soterradas”.

Acessando o parque pela Av. Adão Pretto, em Porto Alegre, a destruição é imperceptível. Adentrando a mata um pouco mais, no entanto, é possível ver as clareiras onde antes havia árvores. Pilhas de toras de madeira agora ocupam o espaço. Algumas das que ainda estão de pé foram marcadas com um “X” vermelho, como num indicativo de que serão cortadas a seguir. Também passaram a ser vistas, andando pelo parque, pessoas que fazem a segurança do maquinário utilizado na supressão das árvores.

O cenário preocupa os moradores da Lomba do Pinheiro que, diante disso, criaram o movimento Salve o Parque Saint’Hilaire. Além de plantar mudas, eles estão tentando chamar a atenção de autoridades para o que acontece na área que, um dia, já foi verde.

 

Clareira em meio à mata. Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Árvore com marcação vermelha. Foto: Isabelle Rieger/Sul21

“A máquina trabalha quase que sozinha”, relata Caio. “Ela chega ali no eucalipto, gruda na parte de baixo, aciona a serra, corta e mantém o tronco em pé. Depois puxa e já limpa o tronco. Eles levam a madeira embora de caminhão durante o dia, de noite, de madrugada. No momento em que estamos sofrendo com fumaça, com queimadas, a gente vê a destruição sem saber o que fazer”.

Quando o prefeito Sebastião Melo (MDB) cedeu o parque Saint’Hilaire à prefeitura de Viamão, há quase dois anos, o município vizinho se comprometeu a atualizar as permissões de uso que recaem sobre as quatro áreas de lazer cedidas por Porto Alegre. Agora, a revitalização está quase pronta, incluindo academias de ginástica, quadras esportivas e pista de skate – tudo isso do lado de lá. Os moradores da Lomba do Pinheiro se perguntam o que será feito aqui.

“Quando a gente ficou sabendo que o prefeito lavou as mãos e entregou tudo para Viamão, a gente ficou desesperado. Ficamos sabendo pela imprensa”, afirma Tavama Santos, professora e líder comunitária da Lomba do Pinheiro. “Não fazemos ideia das intenções por trás”.

Não houve consulta pública para o projeto de revitalização do parque. Somado a isso, a cedência de parte do território ao município de Viamão não foi previamente apresentada ao Conselho Municipal do Meio Ambiente (Comam), órgão de participação direta da sociedade civil na administração pública municipal.

 

Foto: Isabelle Rieger/Sul21

A possibilidade de o Saint’Hilaire ser concedido à iniciativa privada também preocupa os moradores. A prefeitura de Viamão já pediu apoio do governo do Estado para executar uma parceria público-privada envolvendo o parque e teve a proposta pré-aprovada.

Além da incerteza que paira sobre o futuro do parque, o InGá denuncia que faltam informações sobre a intervenção que ocorre agora. Não existe, por exemplo, placa indicando a licença ambiental e os nomes dos responsáveis técnicos, bem como não se sabe se existem ou se foram requeridos os documentos de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART). O instituto questiona ainda quais as formas de compensação aos danos provocados e quem garante que a área resguardará sua condição anterior de Unidade de Conservação.

A Prefeitura de Porto Alegre, responsável por cobrar a manutenção das condições originais obrigatoriamente ligadas às unidades de conservação, disse ao Sul21 que o assunto deveria ser tratado diretamente com o município de Viamão. Já a Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre determinou, em resposta ao ofício do InGá, que se solicitem informações sobre as obras de revitalização do parque à Promotoria de Justiça do município vizinho.

Procurada em diversos momentos, a prefeitura de Viamão não concedeu entrevista ao Sul21 sobre o Saint’Hilaire.

Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Foto: Isabelle Rieger/Sul21

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