
A obra de ampliação do sistema de esgoto sanitário junto à bacia hidrográfica do Rio Tramandaí, realizada pela Corsan e que tem mobilizado a comunidade do litoral norte gaúcho, teve mais um capítulo nesta quinta-feira (5). Uma liminar concedida pelo juiz substituto Paulo de Souza Avila, suspendeu a obra que leva o esgoto sanitário das cidades de Xangri-lá e Capão da Canoa até o rio Tramandaí. Na decisão, o juiz determina que a suspensão ocorra “até que sejam esclarecidos os pontos referentes à extensão dos danos ambientais”.
A obra está sendo realizada no KM 30 da Rodovia RS 389 (Estrada do Mar), com uma extensão superior a nove quilômetros, para descarte no Rio Tramandaí. No despacho, Avila destaca que o artigo 225 da Constituição afirma que é direito de todos um meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo.
“A realização de obras ou empreendimentos de grande porte sem a devida elaboração de estudos configura uma afronta aos princípios basilares do direito ambiental, especialmente os princípios da prevenção e da precaução. O princípio da prevenção sustenta que o Estado e os particulares devem agir de maneira a evitar a ocorrência de danos ambientais, adotando medidas antecipatórias para impedir ou minimizar os riscos ao meio ambiente. Por sua vez, o princípio da precaução orienta que, na ausência de certeza científica sobre os impactos ambientais de determinada atividade, deve-se atuar com cautela, evitando a degradação potencialmente irreversível”, afirmou o juiz.
A decisão pela suspensão da obra ocorre numa ação popular movida pelo vereador de Tramandaí Antonio Augusto da Silveira Galaschi (PDT). Na ação, o parlamentar pleiteia a cassação da Licença Prévia e de Instalação para Alteração (LPIA no 00408/2023), emitida pela Fepam, e afirma que a licença foi concedida “sem estudos de outros órgãos ambientais e sem avaliar totalmente os danos e efeitos à população de Tramandaí e Imbé, bem como aos pescadores da região”.
Tendo como réus a Corsan, Fepam e o Governo do Estado, o juiz alega não haver estudos realizados por outros órgãos ambientais que possam avaliar totalmente os possíveis danos ambientais. Na decisão, o magistrado diz que a Corsan apresentou laudo unilateral para a liberação da licença, o qual indica que o tratamento do esgoto teria uma eficiência de 95%, sendo que os outros 5% de todo o esgoto (fezes, urinas, gorduras, graxas e outros) das cidades de Xangri-lá e Capão da Canoa “trariam prejuízos ao meio ambiente”.
“A importância da realização de estudos prévios reside, portanto, na sua capacidade de prevenir tragédias ecológicas e sociais. A ausência de estudos ou discussão aprofundada sobre as obras ou empreendimentos possivelmente causadores de impactos ambientais, aumenta significativamente o risco de desastres, como deslizamentos de terra, contaminação de rios, extinção de espécies e desequilíbrios nos ecossistemas locais. Tais danos não afetam apenas o meio ambiente, mas também as populações humanas que dele dependem, seja para atividades econômicas, como a pesca, seja para a preservação de suas condições básicas de vida”, sustenta o juiz na decisão.
A decisão liminar ocorre num contexto de crescente mobilização da população de cidades do litoral norte contra a obra da Corsan que lançará esgoto no rio Tramandaí. A insatisfação levou a realização de uma audiência pública no dia 14 de agosto, realizada pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa.
O Movimento Unificado em Defesa do Litoral Norte (MOV/LN) critica a obra e destaca que “além do risco de doenças, com o lançamento do esgoto no rio Tramandaí, haverá alteração da turbidez da água, acarretando a multiplicação de algas e inviabilizando a captação de água para abastecimento público”. O integrantes do movimento destacam que o modelo proposto pela Corsan para tratar o esgoto, com autorização da Fepam, “não remove poluentes químicos, agentes biológicos e patogênicos, fósforo e nitrogênio que serão lançados no canal lagunar chamado de rio Tramandaí”.
Álvaro Nicotti, coordenador do MOV/LN, ao mesmo tempo em que celebra a decisão liminar, adota uma postura de “pé no chão”, ciente de que a decisão liminar pode ser revertida. “Estamos vivendo o dia de hoje. O que antes era um grupo de ambientalistas, hoje somos um movimento engajado e a obra paralisou”, avalia, enfatizando o crescimento e a força do movimento. “Foi feita uma frente ampla nunca vista antes.”
Professor da rede pública e mestre em dinâmicas regionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Nicotti explica que o litoral norte gaúcho é, atualmente, divido pelo o que ele chama de “movimento do concreto”, com postura agressiva no âmbito de negócios, e o “movimento do desenvolvimento sustentável”, que também busca o crescimento da região, mas “com cuidado ao meio ambiente”.
Para ele, o Movimento Unificado em Defesa do Litoral Norte (MOV/LN) uniu interesses diversos que também se sentem prejudicados com o projeto da Corsan. “Muitos não querem o emissário aqui por interesses distintos”, afirma.
Ele critica que a autorização concedida à Corsan para lançar efluentes de esgotos tratados no canal lagunar, não teve consulta aos outros municípios que integram a Bacia Hidrográfica do Rio Tramandaí. O grupo do qual é coordenador também sustenta que a aprovação dos Planos Municipais de Saneamento devem anteceder qualquer outra medida que autorize o despejo de esgotos em cursos d’água, principalmente em lagoas, como é o caso.
Ao contrário da obra da Corsan, o MOV/LN defende a construção de emissários submarinos longos para jogar os efluentes tratados longe da costa marítima e também o estabelecimento de ferramentas de monitoramento e fiscalização em tempo real que permitam a paralisação do sistema em casos de inconformidades.