Meio Ambiente
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19 de junho de 2024
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14:13

Criada há 4 anos pelo governo Leite, recompensa para quem preserva ainda não foi paga a ninguém

Por
Luciano Velleda
lucianovelleda@sul21.com.br
Instrumento econômico tem sido destacado por Leite como aprimoramento do novo Código Estadual do Meio Ambiente. Foto: Adriano Gambarini/WWF
Instrumento econômico tem sido destacado por Leite como aprimoramento do novo Código Estadual do Meio Ambiente. Foto: Adriano Gambarini/WWF

A trágica enchente que devastou o Rio Grande do Sul em maio colocou as medidas do governo de Eduardo Leite (PSDB) na área ambiental sob os holofotes da imprensa do centro do País. Um dos principais questionamentos passaram a ser as 480 mudanças no Código Estadual do Meio Ambiente, que entrou em vigor no começo de 2020. A lei suprimiu ou flexibilizou artigos e incisos do antigo Código, criado no ano 2000, afrouxando regras de proteção ambiental dos biomas Pampa e Mata Atlântica – consequências que o governador tem negado sistematicamente.

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Em sua defesa, Leite passou a sustentar em entrevistas que as mudanças adequaram a legislação do Rio Grande do Sul às leis federais, naquele momento sob o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), conhecido por sua postura anti-ambientalista, assim como seu então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. A legislação, todavia, permite aos estados serem mais restritivos do que a lei nacional, se assim interessar.

Um dos “avanços” defendido pelo governador gaúcho nas mudanças do novo Código Estadual do Meio Ambiente é a criação do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), um instrumento econômico que busca recompensar quem, em virtude de suas práticas de conservação, proteção, manejo e recuperação de ecossistemas, mantém ou incrementa o fornecimento de um serviço ecossistêmico (benefícios providos pela natureza).

Entretanto, quase quatro anos e meio depois da sanção do novo Código Estadual do Meio Ambiente, o governo estadual ainda não pagou nenhum centavo pelo instrumento criado. O primeiro edital será lançado somente agora em julho, no valor de R$ 3 milhões, para a remuneração em áreas onde estão instituídas Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN).

“A gente está prevendo, a partir dessas alterações que fizemos (no Código Estadual do Meio Ambiente), fazer pagamentos, premiar e ajudar aqueles que preservam. A gente deseja e quer a preservação, mas a gente precisa também fazer com que se mobilize pela preservação a partir de resultados econômicos em favor da preservação”, disse Leite, em entrevista ao canal GloboNews, no dia 9 de maio, destacando a criação do PSA, mas sem esclarecer que o pagamento por serviços ambientais ainda não começou efetivamente.

Dias depois, em 13 maio, em coletiva de imprensa em Porto Alegre, o governador voltou a falar no Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). “Entendo que temos várias ações nos últimos anos bastante ligadas à preocupação que a gente tem com o que está acontecendo agora, como análise sobre mudanças climáticas, programas de cuidado com as bacias hidrográficas, programa para pagamento de serviços ambientais para pessoas que fazem preservação do meio ambiente”, disse, ao ser questionado se pretendia manter ou alterar a atual política ambiental do Estado.

No programa Roda Viva, no dia 20 de maio, gravado no Theatro São Pedro, Leite novamente citou o PSA como uma melhoria do novo Código Estadual do Meio Ambiente, mas novamente sem dizer que o pagamento sequer começou no RS.

Na visão da Associação dos Servidores da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Assema) e da Associação dos Funcionários da Fundação Zoobotânica FZB (AFFZB), o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) é, de fato, uma importante ferramenta de conservação que poderá ser grande aliada diante dos urgentes desafios ambientais, principalmente no atual cenário de desastres climáticos e redução da cobertura de vegetação nativa no Rio Grande do Sul.

Entretanto, a entidade defende a necessidade de haver mais avanços, muito além do que o governo estadual está anunciando para este ano, em busca de direcionar prioritariamente recursos para áreas e grupos que necessitam de maior apoio do poder público, como a conservação dos campos nativos do Bioma Pampa, os territórios das comunidades tradicionais, Áreas de Preservação Permanente, entre outras ações para a proteção dos efeitos de eventos climáticos extremos.

“Podemos usar exemplos de outros estados que já realizam a cobrança pelo uso d’água e direcionam seus recursos para ações ambientais, entre elas o pagamento de serviços ambientais. Infelizmente a cobrança pelo uso d’água, embora prevista há 30 anos, nunca avançou no nosso estado”, lamenta Pablo Pereira, presidente da Associação dos Servidores da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Urbanismo (Assema).

Ele destaca que o pagamento por serviços ambientais é novidade no âmbito do governo estadual gaúcho, mas outros estados, como Paraná, já implementaram a ação, além de cidades do RS, como Vera Cruz, Venâncio Aires e Santa Cruz.

 

Decreto sobre Reservas Particulares do Patrimônio Natural será a primeira aplicação do PSA no RS. Foto: Maurício Tonetto/Secom

O presidente da Assema enfatiza que o governo estadual precisa agir em outras frentes de preservação ambiental. Ele explica que experiências em outros locais mostram que onde a análise do Cadastro Ambiental Rural e a implementação do Programa de Regularização Ambiental está funcionando, há também maior aproximação e sucesso do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) junto aos produtores rurais. Nestes casos, o PSA funciona como incentivo à recuperação ambiental.

“O início da análise do Cadastro Ambiental Rural e a implementação do Programa de Regularização Ambiental no Rio Grande do Sul, além promover benefícios previstos em Lei a quem mais preservou, como as Cotas de Reserva Ambiental, também ajudaria a melhor dialogar com os produtores rurais e até mesmo planejar estratégias em que o PSA e outras formas de incentivos pudessem ajudar na recuperação de ambientes e na regularização ambiental dos imóveis rurais”, explica.

No RS, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) está paralisado devido a uma disputa jurídica entre o governo estadual e entidades ambientalistas. Uma decisão do governo de José Ivo Sartori (MDB), depois inserida no novo Código Estadual do Meio Ambiente, define como “área rural consolidada por supressão de vegetação nativa” campos usados para atividades pastoris (criação de gado, por exemplo). Tal permissão faz com que muitas propriedades rurais fiquem desobrigadas de cumprir a exigência de 20% de Reserva Legal, estipulada na Lei de Proteção da Vegetação Nativa, de 2012.

O imbróglio jurídico, entretanto, se refere apenas ao Bioma Pampa e, por isso, ambientalistas criticam o governo Leite por não aplicar o Cadastro Ambiental Rural nas propriedades localizadas no Bioma Mata Atlântica.

A remuneração para apoiar Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs) será a primeira aplicação do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) no Rio Grande do Sul, mais de quatro anos depois do instrumento ser previsto em lei. O PSA pode ser aplicável a diversas políticas públicas e áreas temáticas, atendendo à melhoria e garantia de serviços ecossistêmicos e ambientais.

No último dia 13 de junho, o governador Eduardo Leite assinou um decreto alterando a regulamentação de Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), com o objetivo de incentivar a preservação ambiental em áreas privadas. O novo decreto substitui outro, de 2009.

As RPPNs são unidades de conservação criadas em propriedades privadas a partir da manifestação voluntária do proprietário. Ao estabelecer uma RPPN, o proprietário assume compromissos ambientais para além das obrigações já previstas na legislação. Atualmente, existem 43 reservas deste tipo no RS.

“Acreditamos que não basta multar quem faz errado, é preciso também prestigiar e premiar quem faz a coisa certa. Neste sentido, o decreto é um passo importante para viabilizar o Pagamento por Serviços Ambientais, apoiando quem nos ajuda a cuidar do meio ambiente e incentivando a preservação”, afirmou Leite.

A titular da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura, Marjorie Kauffmann, explicou que os recursos disponibilizados via edital contribuirão para as melhorias necessárias nas RPPNs. Além disso, a área criada como RPPN pode ser excluída da área tributável do imóvel para fins de cálculo do Imposto sobre Propriedade Territorial Rural (ITR).

“Algumas das obrigações para uma propriedade que escolhe fazer a reserva são o plano de manejo, o cercamento e o impedimento da supressão de vegetação. O Estado, com esse decreto e o edital que será publicado, quer disponibilizar apoio financeiro para apoiar e impulsionar melhorias dentro das unidades de conservação, incentivando outras propriedades a criarem RPPNs”, disse.


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