Meio Ambiente
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4 de agosto de 2023
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20:09

Novo estacionamento indica anexação de áreas do passeio público ao Parque Harmonia

Por
Luciano Velleda
lucianovelleda@sul21.com.br
Estacionamento junto a  Avenida Augusto de Carvalho indica que obra pode estar descumprindo alinhamento determinado no Plano Diretor. Foto: Luiza Castro/Sul21
Estacionamento junto a Avenida Augusto de Carvalho indica que obra pode estar descumprindo alinhamento determinado no Plano Diretor. Foto: Luiza Castro/Sul21

Quem costuma caminhar pela Avenida Augusto de Carvalho, ao lado do Parque Harmonia, deve ter percebido que o espaço para pedestres reduziu consideravelmente este ano. Neste trecho, entre a rua Otavio Francisco Caruso da Rocha e a Avenida Edvaldo Pereira Paiva, a empresa GAM3 Parks, concessionária do parque pelos próximos 33 anos, começou a construir a entrada do futuro estacionamento da área. Sob uma base de cimento pintado de branco, há um portão preto, é possível ver onde ficarão as cancelas, enquanto uma cerca percorre toda a quadra e delimita o espaço que abrigará carros, marcando a separação entre o parque e a calçada.

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Ocorre que esse limite entre o parque e o passeio público já foi bem maior do que atualmente. Chamado de alinhamento, trata-se da divisão, em cada rua e avenida de Porto Alegre, entre o que é espaço privado e o que é espaço público, ou seja, o que é terreno e o que é calçada e rua. No caso do Parque Harmonia, assim como qualquer outro parque da Capital, embora seja área pública, não é diferente. É o alinhamento que determina os limites do parque. E esse limite, tudo indica, foi desrespeitado pela GAM3 Parks, anexando para dentro do futuro estacionamento trechos do passeio público.

Em Porto Alegre, o alinhamento dos logradouros da Capital pode ser conferido na Declaração Municipal Informativa (DMI), um “documento informativo do Regime urbanístico (volumetria, atividades, índices de aproveitamento, taxa de ocupação), condicionantes (aeródromos/ helipontos, ambientais, administrativos) e gravame (rua projetada, área de praça / escola, galerias, área não edificável)”, como explica o próprio site da Prefeitura.

No caso do Parque Harmonia, o alinhamento predial projetado mostra o limite da área verde, inclusive com a inscrição “cerca base” no documento disponível na Declaração Municipal Informativa (DMI) (abaixo). É possível constatar uma grande área entre o alinhamento predial (linha preta) e o início da avenida (linha vermelha). No lado oposto da avenida, em frente ao Centro Administrativo do governo estadual, o mapa inclusive específica a distância de 7,5 metros entre o alinhamento e avenida. 

 

Mapa do alinhamento na quadra do Parque Harmonia obtido no sistema da Declaração Municipal Informativa (DMI). Foto: Reprodução

Outro mapa, também disponível no site da Declaração Municipal Informativa (DMI), mostra o mesmo alinhamento sobreposto à imagem de satélite da quadra. Nesta perspectiva, o alinhamento do Parque Harmonia está marcado numa linha verde, enquanto o alinhamento no lado do Centro Administrativo aparece em amarelo. Do lado do parque, é possível ver o traçado dos postes de luz (com suas sombras) para fora do limite do Harmonia.

 

 

Imagem do Google Street View, de março de 2022, mostra como era o Parque Harmonia até pouco tempo atrás. Por este ângulo, é possível ver um conjunto de baixas estacas marcando o alinhamento do parque – a “cerca base” descrita na Declaração Municipal Informativa (DMI). Os postes de luz, nitidamente, estão no passeio público, fora da área do parque.

 

Em agosto de 2023, tudo mudou. A obra da concessionária fez a “cerca base” avançar para além do limite determinado no alinhamento predial, anexando área não pertencente ao parque e, assim, expandindo o número de vagas do futuro estacionamento. Os postes de luz, outrora fora dos limites do parque, agora estão todos dentro do estacionamento. 

“Existe a necessidade da área ser respeitada. A empresa não tem a concessão para fazer o que bem entender e descumprir elementos básicos”, afirma Tiago Holzmann da Silva, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (CAU/RS). 

Ele explica que conferir o alinhamento predial do logradouro é o básico de todo projeto arquitetônico. A responsabilidade, em caso de descumprimento, é do responsável técnico da obra e do proprietário do terreno (no caso do Harmonia, da concessionária GAM3 Parks), com a fiscalização ficando a cargo da Prefeitura. O presidente do CAU/RS explica ser comum, durante a execução de obras, a fiscalização ocorrer no momento das fundações para verificar se tudo está conforme o alinhamento estabelecido no endereço e, assim, não correr o risco de ter que refazer ou demolir alguma construção depois.

No caso da obra do Parque Harmonia, envolvida numa séria de denúncias, ele lamenta que a Prefeitura esteja agindo como “advogada de defesa” da concessionária. “Temos assistido isso com muita perplexidade. Parece que existe uma liberação geral para quem tem poder, fazer o que bem entende.”

 

Área do passeio público, incluindo os postes de luz que antes estavam fora do limite do parque, agora foram anexadas pelo estacionamento. Foto: Luiza Castro/Sul21

Um vídeo no canal do YouTube da Secretaria do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) explica como conferir o alinhamento nos logradouros da Capital, conforme feito pela reportagem do Sul21.

O arquiteto Cristiano Kunze também se surpreende com o descumprimento do alinhamento no trecho do parque, invadindo partes do passeio público. Ele conta que, desde o início do anúncio da concessão, circula pela região imaginando o que viria a acontecer. Até que este ano percebeu que os limites do parque foram estendidos quase até o limite do meio-fio da Avenida Augusto de Carvalho. 

“Logo começou a aparecer pavimentação e ficou nítido que eles estavam invadindo, pelo Plano Diretor e pelas cartas de alinhamento da Prefeitura relativo a passeio público. Não é a área privada ou mesmo a área concedida”, observa.

Em seguida, ele conta, vieram o piso e as estruturas de concreto das cancelas de estacionamento. O arquiteto explica que, ao consultar o sistema da Declaração Municipal Informativa (DMI) dos quarteirões da região, se constata que o alinhamento naquela quadra do parque é a continuação do alinhamento da quadra entre a Rua Otavio Francisco Caruso da Rocha e a Avenida Loureira da Silva.

“O passeio (público) não teria 2,5 metros ou 3 metros e sim muito mais, porque o alinhamento está lá pra trás, a gente vê nitidamente pela colocação dos postes de energia”, pondera. 

O arquiteto lembra que a  Avenida Augusto de Carvalho é duplicada no trecho entre a Avenida Loureira da Silva e a Rua Otavio Francisco Caruso da Rocha, ficando uma via sem canteiro central na quadra defronte o Parque Harmonia. “A gente enxerga, pelo Plano Diretor, que existe uma previsão de alargamento dessa avenida, e o estacionamento está construído sobre essa área. Então o estacionamento está sobre passeio público e isso o Plano Diretor mostra, não é uma opinião de ninguém”, explica.

Em nota, a empresa GAM3 Parks refuta a denúncia de que a empresa tenha estendido os limites do parque sobre o passeio público. A concessionária, inclusive, afirma que a cerca delimitando o parque está no mesmo local que sempre esteve. 

“Primeiro, as obras não estão concluídas. Portanto, não se pode afirmar que houve redução. O local está em obras, ou estava, antes da liminar. Atualmente está como o pré-existente, inclusive as cercas originais do parque estão na foto que apresenta. No projeto feito pelos arquitetos no estudo do EVU, não havia respeito ao limite. Ao evoluir para o projeto executivo em prática pela GAM3 Parks, foi necessário atender a diretriz do Plano Diretor de fazer um recuo de 3,5 metros. Ou seja, os limites do parque ficaram abaixo do que menciona. Isso que esta hoje é o pré-existente. A concessionária esta dentro do prazo de execução das obras”, explica a empresa, que ainda conclui: “Afirmar que houve uma invasão ao passeio público ou é falta de informação sobre as obras ou má-fé.”

Questionada sobre qual mapa ou documento do Plano Diretor mostra que o passeio público no trecho em questão é de 3,5 metros, a GAM3 Parks não respondeu até a conclusão da reportagem. Se o fizer, será incluído no texto.

A Prefeitura também se manifestou dizendo que o Plano Diretor determina que o passeio público entre a rua Otavio Francisco Caruso da Rocha e a Avenida Edvaldo Pereira Paiva tem 3,5 metros. Igualmente questionada sobre qual mapa ou documento do Plano Diretor determina tal largura, a Secretaria do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus) não se manifestou até a conclusão da reportagem. Caso o faça, a explicação também será incluída.  

Todavia, ao contrário da nota da GAM3 Parks, a Smamus informa ter identificado alguma divergência na obra do estacionamento, que ainda será corrigido, segundo a pasta.

“A Secretaria do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade esclarece que na avenida Augusto de Carvalho, o Plano Diretor de Porto Alegre determina que o passeio tenha largura de 3,5 metros. As obras que acontecem neste momento são em caráter temporário, por isso ainda não houve essa adequação. De qualquer forma, já foi solicitada pela parte técnica da Smamus para que o passeio da Augusto de Carvalho, quando feito em definitivo, fique com 3,5 metros, conforme preconiza o Plano Diretor.” 


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