Meio Ambiente
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28 de agosto de 2023
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16:32

Comunidade se mobiliza para barrar venda de parte de praça no Centro de Porto Alegre

Por
Luís Gomes
luisgomes@sul21.com.br
Comunidade se mobilizou para pedir diálogo sobre a desafetação de trecho da Praça da Família Imigrante | Foto: Joana Berwanger/Sul21
Comunidade se mobilizou para pedir diálogo sobre a desafetação de trecho da Praça da Família Imigrante | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Moradores do Centro Histórico de Porto Alegre, parlamentares e ambientalistas participaram no início da tarde desta segunda-feira (28) de um protesto contra a venda de uma área de cerca de 60 m² na Praça da Família Imigrante, localizada na Rua Riachuelo, próxima a Rua Caldas Júnior. A mobilização ocorreu após o vereador Jonas Reis (PT) chamar a atenção, na última sexta-feira (24), que o projeto de venda de parte da praça iria para votação nesta segunda.

De autoria do Executivo, o projeto prevê a desafetação da destinação de uso comum, a alienação e a constituição de servidão onerosa de uma área de 60,95m² da praça, contígua ao Edifício Tuyuty, prédio tombado na esquina da Riachuelo com a Caldas Júnior, que foi adquirido recentemente para receber a nova sede do Registro de Imóveis da 1ª Circunscrição Imobiliária de Porto Alegre. Pelo projeto de lei, a área seria vendida por R$ 154 mil, com a receita sendo revertida ao Fundo Municipal para Restauração, Reforma e Manutenção do Patrimônio Imobiliário do Município de Porto Alegre (FunPatrimônio).

Durante o ato, que contou com a participação de um representante do cartório, os manifestantes destacaram que foram surpreendidos com a votação e que tinham conhecimento sobre conversas para melhorias na praça, não que o local iria perder uma parte para que fosse erguido um espaço novo para o cartório e a instalação de uma escadaria de emergência para saída do cartório — em outra área de 49,67 m² –, intervenções que, além de reduzir a praça, obrigariam a retirada de ao menos cinco árvores.

Diante da mobilização, que incluiu até o ex-prefeito José Fortunati, o prefeito Sebastião Melo (MDB) disse, em nota, que solicitou a retirada do PLC 14/2023 da pauta de votação da Câmara Municipal para aprofundar o debate com a comunidade e esclarecer eventuais dúvidas.

 

Área a ser vendida é localizada nos “fundos” da Praça da Família Imigrante | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Com uma área de cerca de 400 m², a Praça Família Imigrante ocupa um terreno pertencente à Prefeitura entre dois imóveis privados. De um lado, o Edifício Tuyuty, de outro um condomínio residencial com comércios no primeiro andar. Por ser um dos raros espaços verdes nesta região do Centro Histórico, ela é considerada pelos moradores como um “oásis verde”.

Criador da praça, o aposentado João Burnett explica que se mudou para o condomínio vizinho em 1992 e que o local da praça era um terreno baldio, com um campo de futebol. Ele então tomou a iniciativa de plantar árvores no terreno, movimento que foi abraçado por outros moradores e culminou com o reconhecimento oficial da praça em 1996, com o nome Família Imigrante sendo escolhido por ele. “Eu pedi licença para a Prefeitura para fazer a praça. Ela foi crescendo e se transformou nessa ‘floresta’”, lembra João.

Prefeita da praça, Marcia Quatrin Peripolli conta que tomou conhecimento sobre as discussões envolvendo a praça em 2021, quando foi chamada para uma reunião, junto a outros moradores do bairro, com os representantes do cartório. Ela diz que, inicialmente, os moradores avaliaram a iniciativa como positiva, pois acreditavam que seriam feitas melhorias para a segurança e para a estrutura da Praça.

“A gente não tinha noção do tamanho da devastação que eles estão propondo, uma construção de 109 m². A praça já é super pequena. Se a gente for reduzir 109 m², a gente vai ter um canteiro de obras. Eles deixaram claro na época que viriam dialogar com a gente, mas não vieram mais. Aí a gente fez o movimento para impedir a votação hoje. Quero deixar claro que não queremos impedir a vinda do cartório para o prédio ao lado”, diz Márcia, acrescentando que tomaram conhecimento do projeto apenas na última sexta.

Marido de Márcia, o agrônomo Antonio Elisandro, que foi diretor-geral do DMAE na gestão Fortunati, pontua ainda que o valor de R$ 154 mil pode ser considerado irrisório pela área. “A princípio, seria um prédio de um andar, mas nada impede, depois de desafetada a área, continuar a construção para cima. Assim como a área de saída de emergência pega uma área de quase 50 m². Essa praça não tem 400 m², então nós estamos perdendo um terço da área”, diz.

Além disso, Elisandro pontua que a venda da área, caso ocorra, deveria passar por uma licitação, mas que um parecer da Procuradoria da Câmara (ver abaixo) autorizou a tramitação do projeto por considerar que a concorrência é inviável, em razão da “da situação peculiar do imóvel e do propósito específico incutido na alienação”.

 

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“Essa praça é uma das primeiras a ter sido adotada e que se mantém com o cuidado da comunidade. É um exemplo de pequenas praças fechadas, mas com acesso irrestrito aos moradores do entorno. Ela não tem problemas de segurança e funciona bem, é diversa, bonita, tem uma relação simbólica com os moradores. Muitos deles plantaram árvores e, pelo menos, uma meia dúzia seria removida para as obras”, diz Elisandro.

Durante a manhã, representantes da Associação Comunitária do Centro Histórico se reuniram com a Secretaria Municipal de Planejamento e Assuntos Estratégicos e outros órgãos do governo para tratar da situação do praça. Presidente da entidade, Ana Maria Engers Lenz pontua que a associação reivindica uma reunião com o cartório e com a Prefeitura para debater o tema.

“A gente quer saber qual é a metragem [do prédio a ser construído], porque um diz uma coisa e outro diz outra. E, no projeto que nos passaram, é que seria uma servidão e uma benfeitoria para a praça”, diz.

 

Escadaria de emergência seria construído ao lado do Edifício Tuyuty | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Presente no evento representando o cartório, Régis Borges explicou que, em razão do Edifício Tuyuty ser um prédio histórico cuja estrutura não pode sofrer grandes alterações, há a necessidade de construção de um novo espaço para atendimento de clientes. “O cartório recebe quase 1 mil usuários por dia e a gente precisa de espaço para atendimento”, diz.

Régis disse ainda que a escadaria de emergência, a ser construída na lateral do imóvel, seria uma exigência do Corpo de Bombeiros para que o prédio possa voltar a ser usado.

Ele avalia que o projeto não foi feito às escondidas, pois teriam sido realizadas conversas em 2021 e que o projeto não havia saído apenas por questões de trâmite relativas ao Edifício Tuyuty. Contudo, afirmou que o titular do cartório não teria interesse em entrar em conflito com a comunidade.

Como justificativa para venda de parte da praça, a Prefeitura argumenta que ela será adotada pelo Registro de Imóveis, que ficará responsável pela preservação, revitalização e manutenção permanente do espaço. Diz ainda que o projeto recebeu parecer favorável da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo (Smamus) e Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (EPAHC), além de estar de acordo com os objetivos do Programa de Reabilitação do Centro Histórico.

 

Praça está localizada entre imóveis na Rua Riachuelo | Foto: Joana Berwanger/Sul21

O processo de alienação de parte da área pública (menos de 1/3 do espaço total) anexa ao histórico e tombado Edifício Tuyuty (na rua Caldas Jùnior esquina com Riachuelo) foi uma construção que envolveu diálogo com os órgaos municipais e a comunidade do entorno, no âmbito do Programa de Reabilitação do Centro Histórico. A sede do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre contará com um Espaço Cultural e, ainda, com nova saída de emergência.

Como parte da negociação, o Registro de Imóveis irá adotar a Praça Família Imigrante, ficando responsável por investimentos em preservação, revitalização e manutenção permanente do espaço verde, proporcionando melhor utilização pelos cidadãos. E a receita com a venda de parte do terreno será revertida para o Fundo Municipal para Restauração, Reforma e Manutenção do Patrimônio Imobiliário do Município de Porto Alegre.

O projeto recebeu parecer favorável da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo (Smamus) e Equipe do Patrimônio Histórico e Cultural (EPAHC). Ainda, em 27 de janeiro de 2022, os proprietários realizaram reunião com moradores do entorno e do condomínio Marília para apresentar a proposta, que teve a presença da hoje prefeita da praça, senhora Marcia Peripolli, e a concordância da maioria dos presentes, com exceção de uma moradora, conforme a ata do encontro.

O prefeito Sebastião Melo solicitou a retirada do projeto de lei (PLC 14/2023) da pauta de votação do Legislativo desta segunda-feira, 28, para aprofundar o debate com a comunidade e esclarecer eventuais dúvidas.

 

Foto: Joana Berwanger/Sul21
Foto: Joana Berwanger/Sul21

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