Iniciada em outubro de 2024, a obra de revitalização da Orla de Ipanema, na zona sul de Porto Alegre, já tem pelo menos 50% dos trabalhos concluídos. Mas, enquanto máquinas avançam sobre o calçadão, moradores e comerciantes da região reclamam da ausência de diálogo com a Prefeitura no planejamento da intervenção e dos prejuízos causados pela desorganização da área, que teria afastado o público que frequentava o espaço.
A Orla de Ipanema é um dos principais pontos turísticos da Capital. O calçadão à beira do Guaíba, conhecido por atrair moradores e visitantes, teve sua paisagem transformada em maio de 2024, quando a enchente histórica que atingiu Porto Alegre inundou a região e causou sérios danos à infraestrutura local.
A Prefeitura de Porto Alegre, por meio do Escritório de Reconstrução e Adaptação Climática, vinculado à Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), é responsável pelas obras de revitalização da Orla de Ipanema. A intervenção prevê a reforma completa do calçadão e da infraestrutura da área. Entre as modificações, estão a substituição do calçamento de pedra por concreto, a construção de uma mureta de contenção em concreto e a instalação de pedras ao longo da orla para atuar como quebra-mar. A obra, no entanto, não integra o Sistema de Proteção Contra Enchentes e está orçada em R$ 10 milhões, viabilizada por meio de um Termo de Conversão em Área Pública firmado com a empresa Multiplan, referente a contrapartidas do empreendimento Golden Lake, construção ao lado do Barra Shopping Sul.
Atualmente, com as obras de revitalização em andamento, os trechos da Orla de Ipanema não estão formalmente interditados ao público, mas as inúmeras adversidades causadas pelos trabalhos tornam a circulação de pessoas praticamente inviável.
“É uma falta de cuidado. As areias tudo reviradas, as pedras atiradas, os ferros soltos. Eles vão limpar, mas agora está tudo meio revirado ali. Semana passada, eu disse pro cara da obra: ‘Manda botar a areia de volta aí, eu quero pisar na areia, quero ir ali na água’”, conta Pasqualino Ventre, feirante que atua na região. Pare ele, quem tenta acessar o local tem “a sensação é de que tu não pode chegar ali”.
O bloqueio da circulação tem afetado diretamente o comércio local, relata Gerson Garcia, proprietário do Pipoca Ipanema. “Já passou um ano da enchente, nada foi feito antes e isso impacta muito nas nossas vendas. Está espantando o público demais e isso é muito ruim. O passeio está interditado, não tem como tu caminhar com uma criança ali na orla, ou mesmo um adulto sozinho”, afirma.
Na cheia de maio de 2024, o estabelecimento de Gerson foi parcialmente atingido pelas águas, necessitando ser reformada posteriormente. Agora, após os investimentos na reestruturação, as vendas não voltaram ao patamar anterior. “As nossas vendas também estão muito abaixo do que era previsto. E em questão de público mesmo é o que a gente pede, sabe? Porque o pessoal vai querer passear na folga num lugar bonito. Na tua folga tu quer ir num lugar bonito e aqui tá sem isso agora”, lamenta.
Integrante da associação de moradores de Ipanema, Gerson também critica a ausência de diálogo da Prefeitura com a comunidade local. Segundo ele, os moradores só foram informados sobre os detalhes da obra após o início dos trabalhos. A falta de comunicação resultou na necessidade de refazer um trecho da intervenção. Entre as ruas Leme e Gávea, a mureta construída foi demolida e será reconstruída em nova posição. A mudança ocorreu após reivindicação dos moradores, que contestaram a largura do espaço destinado ao passeio no calçadão. Com o recuo da estrutura, o calçadão ganhará mais espaço.
“Já era estreito antes dessa obra toda. Aí como foi colocada a mureta, ela tomou parte da calçada. É uns 50 cm que ela tomou de calçada. Não pode, para Ipanema não pode ter calçada estreita, tem que ser uma calçada larga”, aponta.
Gerson afirma que, na visão dele e de outros moradores, o recuo da mureta deveria ocorrer ao longo de toda a orla, ampliando o espaço destinado à circulação de pedestres. No entanto, diante do andamento da obra, relata que o desejo agora é apenas que os trabalhos sejam concluídos quanto antes, sem expectativas de novas contestações em outros trechos.
Moradora de Ipanema desde a infância, Marcia Morales Salis participa de duas associações locais e também relata que não houve qualquer consulta prévia por parte da Prefeitura. “Não houve uma apresentação do projeto, não houve nenhuma conversa”, afirma. A ausência de planejamento participativo, segundo ela, contribuiu para falhas, como a reconstrução da mureta em um trecho.
Proprietária da Casa do Brique de Ipanema, espaço coletivo de venda de artesanato, Marcia relata queda de 50% no movimento. “Todo comércio local tá sentindo baixa frequência de público. Eles não tiveram a mínima preocupação em pelo menos arrumar o calçadão na frente do comércio local”, critica.
Márcia chama atenção para as atuais condições do calçadão de Ipanema, onde fios expostos, tapumes de madeira soltos e ferros no chão tornam a circulação perigosa e afastam as pessoas da orla. Além da insegurança, ela critica o período escolhido para a execução da obra, que coincide com datas tradicionalmente fortes para o comércio, como Natal, Páscoa, Dia das Mães e toda a temporada de verão.
Assim como Gerson, Márcia aguarda ansiosamente a conclusão da obra, mas expressa preocupação de que após esse período turbulento, o público não retorne à orla com a mesma frequência de antes. “Quem costumava vir aqui, migrou para outro lugar e dificilmente vai sair desse outro lugar. A pessoa cria vínculos com a paisagem, ela se torna uma paisagem afetiva. Ipanema, todo mundo vinha para cá, mas foram pra outros lugares, pro Gasômetro, pra outra Orla, e eles vão se apegar àquela paisagem, a memória vai puxar o corpo para aquele lugar. A gente já sabe que vai ser difícil conquistar o público de novo.”
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