
Em Porto Alegre, a Campanha do Agasalho 2025 foi lançada na última quarta-feira (28). As temperaturas ainda não haviam despencado, mas a meteorologia já avisava que uma onda de frio viria naquela noite, se estendendo até o começo de junho com temperaturas muito abaixo da média. Sem proteção adequada, duas pessoas em situação de rua morreram de frio nas primeiras horas da quinta-feira (29). Depois disso é que foi aberto para acolhimento o Ginásio do Demhab, no bairro Santana.
André, a primeira vítima, estava na rua Voluntários da Pátria, esquina com a rua Coronel Vicente. O outro homem, conhecido como Mano, foi encontrado na Voluntários com a rua Paraíba.
Se as medidas de enfrentamento ao frio vieram pouco depois das mortes, ações de retirada da população de rua aconteceram antes. Na terça-feira (27), a Pastoral do Povo de Rua afirma ter testemunhado a retirada de pessoas e seus pertences de baixo do Viaduto da Conceição por agentes da Prefeitura, a metros de onde André morreu.
O deputado federal Matheus Gomes (PSOL) também registrou o fato, conversando com moradores de rua que foram alvo da operação. “Hoje ouvi relatos revoltantes de pertences e documentos que foram jogados fora durante a madrugada, em ação arbitrária sem o acompanhamento da Assistência Social. Isso é um absurdo, mas não é novidade no governo Melo”, escreveu o parlamentar em publicação no Instagram.
Para Renato Farias dos Santos, membro da coordenação da Pastoral do Povo de Rua, a Prefeitura deveria ter se antecipado à onda de frio. Uma resolução do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) prevê que o plano de ação da Operação Inverno seja entregue ao Conselho. O documento, no entanto, só chegou à entidade nesta sexta-feira (30), após o início da operação – e depois do registro das mortes.
Outro problema elencado por Renato é a localização dos albergues de acolhimento. Ele defende que os espaços deveriam ser instalados próximo a onde existe concentração de população de rua.
“O albergue Acolher II, que ficava na Sete de Abril, bairro Floresta – próximo ao rapaz que morreu próximo à Paraíba – foi transferido lá para o bairro Santa Maria Goretti, a 11 km dali. Esse pessoal, nem ir para o ginásio do Demhab a maioria não vai. Eles tem dificuldades com grupos, com trânsito. Quem está no entorno da Voluntários, no centro próximo ao viaduto da Conceição, não vai para um bairro totalmente diferente”, explica, ao defender acolhimentos mais regionalizados.
O mapa mostra que os corpos de Mano e de André foram encontrados em locais que ficam de 2,4 km a 3,7 km do albergue mais próximo.
Renato, da Pastoral, levanta ainda a falta de participação de órgãos como o CMAS Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para a População em Situação de Rua (Comitê PopRua) nas políticas delimitadas pela Prefeitura.
“Esses órgãos querem discutir, não querem só ser comunicados. Não adianta só chegar nos comitês depois que já decidiram, e decidiram mal. Existem movimentos da população de rua, esses grupos têm que ser ouvidos. Essa falta de diálogo e a falta de transparência dessas atividades têm causado situações como essa”, argumenta, atentando para as mortes registradas esta semana.
Ainda no início do ano, a Câmara dos Vereadores aprovou a extinção da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) e a criação da Secretaria Municipal de Assistência Social – medidas que também foram classificadas como arbitrárias.
Então presidente do CMAS, Ângela Silva disse ao Sul21, durante a discussão do projeto, que o órgão levantara diversas dúvidas em relação à criação da nova secretaria. “O texto deixa muita lacuna”, apontou. “O projeto não fala do SUAS, não fala do Conselho Municipal de Assistência Social, que é quem delibera sobre essas políticas”.
Um dos homens encontrados mortos, André foi aluno da rede municipal de ensino. Em nota, o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) questiona: Que tipo de cidade nós somos? Que Porto Alegre é essa?. Leia na íntegra:
André Romário, que foi aluno da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (RME/POA), veio a falecer por complicações respiratórias agravadas pelo frio na madrugada de 28 para 29 de maio. Nossa Porto Alegre, não tão Alegre, deixa os seus cidadãos morrerem de frio ao relento, pois sim: André Romário fazia das calçadas a sua casa, já que a cidade e o poder público não disponibilizam moradia à população.
Tem muita moradia para poucos e nada para muitos. Junto com André Romário, faleceu outro cidadão com o codinome “Mano”, outro sujeito de direito que não teve respeitado o seu direito a uma vida digna. Há alguns dias, na mesma região onde André Romário e Mano faleceram, foram retirados colchões, cobertores e pertences pessoais por parte de outros cidadãos, por supostamente estarem “sujando e atrapalhando a circulação na via pública”.
Importante pensarmos que tipo de cidade nós somos? Que Porto Alegre é essa?