
Depois da enchente de maio de 2024, o Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE) firmou contrato milionário com a finalidade de evitar que a falta de luz voltasse a impedir a retirada de água das Estações de Bombeamento de Águas Pluviais (Ebaps), deixando as ruas de Porto Alegre inundadas. As estações receberam geradores de energia no final do ano passado, mas a medida não impediu que a situação se repetisse quando uma chuva intensa caiu na Capital na tarde de terça-feira (1º).
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Em entrevista concedida à Rádio Gaúcha na manhã desta quinta-feira (2), o novo diretor-geral do DMAE para a segunda gestão do prefeito Sebastião Melo, Bruno Vanuzzi, afirmou que um dos motivos pelos quais os geradores instalados nas casas de bomba não funcionaram durante o temporal desta quarta-feira é o fato de que não havia “quem soubesse operá-los” durante a falta de luz. Segundo ele, o processo é realizado de forma manual e, no momento do temporal, os plantonistas das prestadoras de serviço não sabiam fazer o acionamento dos geradores. Vanuzzi ainda disse que o processo deve ser automatizado já a partir da próxima semana, o que evitaria a repetição do problema.
Procurado pela reportagem, o DMAE confirmou que, das 10 Ebaps que ficaram sem energia elétrica durante a tempestade desta quarta, sete têm geradores, mas em três delas houve falha no acionamento dos equipamentos — as Ebaps de números 3 (bairro São Geraldo), 5 (bairro Navegantes) e 20 (bairro Sarandi). Segundo o DMAE, essa falha impossibilitou a operação, mesmo que parcial, das bombas, o que resultou nos alagamentos.
De acordo com o Climatempo, Porto Alegre registrou 88 mm de chuva nesta quarta, com rajadas de vento de 69 km/h. A CEEE Equatorial informou que 115 mil clientes ficaram sem luz no pico do desabastecimento provocado pelo evento meteorológico.
Questionado pela reportagem sobre o motivo da falha e de quem seria a responsabilidade pela operação, o DMAE informou que, no último trimestre de 2024, iniciou o processo de contratação de empresas para o fornecimento de geradores e que hoje o serviço é prestado por três prestadoras de serviço. O não acionamento teria sido causado, segundo o DMAE, por um problema na troca de informações entre as empresas.
“O parque eletromecânico do DMAE é composto por mais de 900 motores. Contudo, o Departamento nunca trabalhou com geradores. Essa operação iniciou no último trimestre de 2024, em razão das necessidades identificadas especialmente em episódios de chuva. Hoje, três empresas contratadas pelo DMAE atuam nas Estações de Bombeamento de Águas Pluviais. Houve problema na troca de informações entre estas prestadoras de serviço – que já foi diagnosticado e será corrigido”, diz nota do DMAE encaminhada à reportagem.
A reportagem do Sul21 questionou o DMAE sobre a relação dos prestadores de serviço para a área, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. Em consulta ao Portal LicitaCon, do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS), é possível identificar que, em novembro de 2024, o DMAE firmou um contrato no valor de R$ 6.999.823,52 com a empresa Tecnogera Locação e Transformação de Energia S/A para a prestação de e serviços de fornecimento de energia elétrica de emergência para estações de bombeamento de águas pluviais operadas pelo departamento. O contrato tem vigência prevista até dezembro de 2025.
O contrato prevê que a empresa deve disponibilizar e operar grupos de geradores de acordo com a demanda, ficando responsável pela mobilização e desmobilização, instalação e desinstalação. No entanto, não faz menções sobre a responsabilidade de oferecer treinamento para o acionamento dos geradores. O contrato também não faz menções explícitas sobre o acionamento de geradores, bem como não informa para quais Ebaps a Tecnogera deve prestar serviços.
Em casos de não cumprimento dos serviços contratados, há previsão de punições à empresa que incluem advertência; multa; impedimento de licitar e contratar, pelo prazo de até 3 (três) anos; e declaração de inidoneidade para licitar ou contratar.
Apesar de o DMAE informar que três empresas contratadas prestam serviços de geradores para as Ebaps, o Sul21 não identificou no portal do TCE nenhum outro contrato ativo para a prestação de serviço similar.
Durante a tarde desta quinta, o prefeito Sebastião Melo disse, segundo GZH, que a Prefeitura aluga atualmente 26 geradores de “pelo menos” duas empresas diferentes que teriam sido contratadas por meio de licitação e que estas empresas teriam seus operadores. Segundo o prefeito, uma terceira empresa de engenharia também auxilia o DMAE em ocasiões de alerta de chuva. O prefeito afirmou que a “força de trabalho do DMAE é insuficiente”.
O Sul21 apurou com uma fonte no DMAE que, de fato, o único contrato em vigor para o aluguel de geradores seria com a Tecnogera e que as outras empresas referidas pelo departamento e pelo prefeito Melo seriam responsáveis por contratos anteriores e que já estão encerrados.
Um levantamento realizado pelo Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), divulgado em maio do ano passado, apontou uma forte redução na força de trabalho do DMAE desde 2007. Naquele ano, o departamento tinha 2.493 trabalhadores, entre estatutários celetistas, cargos de comissão, estagiários, adidos e cedidos. Em janeiro de 2024, eram apenas 1.047. No início da gestão Melo, em 2020, eram 1.558, o que representa uma redação de um terço da força de trabalho apenas na gestão Melo. Conforme dados do Portal da Transparência de Porto Alegre, há previsão de que o DMAE possa ter até 3.632 cargos. Um concurso público para a contratação de novos servidores
“É mais urgente do que nunca a nomeação dos aprovados no último concurso para o DMAE. É preciso nomear servidores concursados e qualificados para todas as áreas, em especial para as atividades operacionais de ponta. E preciso reverter a precarização proposital do DMAE, pois quem sofre a consequência da ‘não gestão do DMAE’ são os moradores de porto alegre. Em vez de indicar alguém que tem como único objetivo preparar a ‘entrega’ do DMAE ao mercado privado, Melo deveria indicar um técnico comprometido com o atendimento da população”, pondera Edson Zomar de Oliveira, diretor do Simpa Cores-DMAE. A Prefeitura realizou no ano passado concurso público para o departamento, mas ainda não efetivou nomeações.
Em setembro passado, a Câmara de Vereadores de Porto Alegre aprovou um projeto de lei, posteriormente sancionado pelo prefeito, que estabelece que o Executivo Municipal deve informar no site da Prefeitura, a cada ano, as condições operacionais das Estações de Bombeamento de Águas Pluviais, das Casas de Bombas e de seus geradores. Até o momento, estas informações não foram disponibilizados de forma oficial. “Essa chuva mostrou que a Prefeitura continua não fazendo seu trabalho. Tinha que revisar as casas de bombas, tinha que revisar os geradores e tinha que ter condições de suportar uma chuva de um dia apenas. Por certo, não estão fiscalizando”, diz o vereador Pedro Ruas, autor da lei.