Geral
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20 de dezembro de 2024
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18:40

Suicídio de policial penal acirra embate entre a categoria e o governo estadual

Por
Luciano Velleda
lucianovelleda@sul21.com.br
 Foto: Maurício Tonetto/Secom
Foto: Maurício Tonetto/Secom

O suicídio de uma policial penal, acontecido nesta quarta-feira (18), em Santa Maria, é mais um episódio na difícil relação entre a categoria e o governo de Eduardo Leite (PSDB). A policial tirou a própria vida com um disparo de arma de fogo, dentro de casa. Ela deixa três filhos e o marido, também policial penal. Este é o quinto suicídio de um policial penal num período de um ano e um mês, com o primeiro tendo ocorrido em novembro de 2023.

“Vários deles deixaram cartas dizendo que o sistema penal, pela forma como estava sendo gerenciado e tocado, acabou levando eles, em parte, a fazer essas loucuras. Mas, infelizmente, o governo não tem mudado o perfil, tem permanecido exatamente da forma que nós falamos, uma forma assediadora”, afirma Cláudio Dessbesell, presidente do Sindicato da Polícia Penal (Sindppen).

Em função da morte da colega, o Sindppen sugeriu que a categoria fizesse um sirenaço ou buzinaço, nesta quinta-feira (19), em todas as unidades prisionais pela memória da policial. A sugestão, entretanto, foi mal recebida pelo governo estadual. Segundo Dessbesell, colegas relataram que os diretores de unidades prisionais ameaçaram com represália quem aderisse ao ato.

“Para nosso espanto, em várias casas prisionais, os colegas nos ligaram dizendo que tinha uma nota dentro de um grupo de diretores que dizia que, se algum colega tentasse fazer ou fizesse, era para ser registrado e encaminhado para a corregedoria. Na verdade, que nem iria para a corregedoria, iria direto à PGE (Procuradoria Geral do Estado), com um pedido de exoneração dos colegas, que estão jogando a carreira fora se eles descumprissem e tentassem fazer isso”, diz o presidente do Sindppen.

Ainda assim, alguns policiais penais fizeram um minuto de silêncio em solidariedade. No dia da morte, o Sindppen emitiu uma nota expressando a contrariedade da categoria em relação ao modo como o governo estadual tem gerenciado o trabalho dos policiais penais.

“Estamos de luto. Não apenas pela perda de mais uma colega, mas pelo desmantelamento de nossa instituição. Quando um sistema que deveria formar e fortalecer seus profissionais se torna, ele mesmo, fonte de adoecimento, é hora de parar e refletir. O formato militarizado imposto desde o curso de formação é um exemplo cruel disso. Logo na entrada, as pessoas já são submetidas a uma cultura de punição coletiva, onde o erro de um é pago por todos. A pressão é incessante. Regras desumanas, sem fundamento e absurdas se acumulam. Pequenos detalhes ganham dimensões absurdas, enquanto o essencial – a saúde mental e o preparo real para a profissão – é negligenciado”, denuncia o documento.

De acordo com o sindicato, os policiais penais, ainda em formação, estão sendo colocados em novas cadeias sem o treinamento prático necessário para lidar com o “cotidiano caótico do sistema”.  “Longe de suas famílias, enfrentam injustiças, assédio moral e isolamento. Pior, são separados dos colegas mais experientes, que poderiam oferecer o apoio e a segurança que tanto precisam. A gestão não só ignora essa riqueza de experiência como faz questão de criar divisões. Uma lógica que afasta, ao invés de unir, enfraquecendo ainda mais quem deveria ser fortalecido”, destaca a nota.

O Sindppen reconhece que o suicídio tem múltiplas razões, mas pondera que o trabalho é um dos principais reguladores da saúde mental e que, quando o ambiente de trabalho se torna fonte de angústia, ao invés de realização, ele corrói aos poucos a capacidade das pessoas de lidarem com os desafios da vida. 

“É nesse contexto que surgem sentimentos de inutilidade, esvaziamento e falta de prazer. As relações afetivas se fragilizam. O que sobra depois disso? A perda de uma vida é sempre irreparável, mas o silêncio e a omissão diante das causas é inaceitável. Que ninguém tenha a audácia de dizer que, por ser nova, a colega não foi impactada pela instituição. A verdade é dura, mas precisa ser dita: nossa forma de conduzir as coisas está matando. É urgente repensar o caminho. Não podemos aceitar que as pressões impostas por um sistema desumanizante sejam normalizadas”, sustenta a nota.

Procurada, a assessoria da Polícia Penal refuta que tenha havido qualquer orientação para impedir atos de homenagem à vítima. “Não procede a informação. Não houve nenhuma ameaça ou orientação para impedir manifestações sobre o caso. Cabe salientar que há o canal para denúncias no sistema prisional através da Corregedoria-Geral. Além disso, a Polícia Penal lamenta o ocorrido e manifesta solidariedade à família”, diz a nota do governo estadual.

O Centro de Valorização da Vida (CVV) promove apoio emocional e prevenção do suicídio, com atendimentos gratuitos a qualquer pessoa. O centro garante sigilo total e atende por telefone, e-mail e chat 24 horas por dia, nos sete dias da semana, pelo telefone 188.


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