
O Sul21 publicou nas últimas semanas duas reportagens que apresentam questionamentos e apontam falta de transparência em relação a contratos firmados pela Prefeitura de Porto Alegre, por meio da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), com Organizações da Sociedade Civil (OSCs) para a instalação de até 10 abrigos temporários para o acolhimento de desabrigados da enchente e para a contratação de até 128 profissionais, entre psicólogos e assistentes sociais, para atuarem nestes abrigos. Acionado pelo Sul21 após a publicação destes trabalhos, o Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS), órgão de controle social que tem o objetivo de avaliar e deliberar sobre a política de assistência social de Porto Alegre, indicou que também tem questionamentos sobre os contratos e que não aprovou a contratação de terceirizados.
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A primeira reportagem, publicada em 21 de agosto, informa que a Prefeitura firmou, em julho deste ano, três contratos com OSCs, com valores que, somados, poderiam chegar a quase R$ 4,2 milhões, para a instalação de até 10 abrigos voltados para o acolhimento de desabrigados da enchente de maio na Capital pelo período de seis meses. A expectativa era de que fossem acolhidas 50 pessoas por abrigo, totalizando 500 vagas.
Contudo, de acordo com números oficiais, os acolhidos nestes espaços giravam, na época da publicação, na casa de 150 pessoas, sendo que a maioria não eram desabrigados, mas pessoas em situação de rua. O Sul21 também visitou abrigos, identificando em um deles apenas quatro pessoas acolhidas, de uma capacidade de 50. Outro abrigo visitado, também com baixo número de desabrigados da enchente, apresentava condições precárias de acolhimento e foi fechado logo após a publicação.
Além disso, a Fasc não divulgou se todos os recursos previstos foram destinados às OSCs, apesar da demanda de vagas ser inferior à contratada, uma vez que a posição oficial era de que não poderia informa nome e locais dos abrigos parceirizados. A reportagem apurou que valores referentes à verba de implantação do número máximo de abrigos instalados já tinha sido paga a uma das OSCs parceirizadas, a Associação Vivendo Atos 29.
Após a publicação da primeira matéria, assistentes sociais terceirizadas procuraram a reportagem com o objetivo de denunciar que profissionais contratadas no âmbito de parceria firmada entre a Fasc e a OSC Centro de Educação Profissional São João Calábria, não tinham demanda de trabalho que justificasse o contrato firmado, o que deu origem a nova reportagem, publicada em 2 de setembro.
Válido por 180 dias, o contrato com a Calábria prevê o pagamento de até R$ 8.486.107,14, tendo sido assinado por meio de dispensa de licitação em razão do decreto de calamidade pública da Prefeitura de Porto Alegre — mesmo rito seguido no contrato para a instalação de abrigos. No entanto, conforme relataram ao Sul21 em condição de anonimato três assistentes sociais que foram contratadas pela Calábria no âmbito da parceria, os profissionais terceirizados têm baixíssima demanda de trabalho, passando o dia em home office ou na sede da instituição, no bairro Nonoai, sem executarem as atividades previstas de assistência social junto à população desabrigada. Além disso, grande parte dos trabalhadores contratados já teriam sido demitidos pela OSC nas primeiras semanas após suas contratações. A Fasc não respondeu nenhum questionamento encaminhado antes da publicação deste material.
Acionada pelo Sul21 após a publicação da segunda reportagem, a Direção Executiva do Conselho Municipal de Assistência Social de Porto Alegre encaminhou nesta segunda-feira (9) três resoluções aprovadas pela entidade em 27 de junho relacionadas ao Plano de Planejamento das Ações para Calamidade Pública e de Emergência, documento apresentado pela Prefeitura com ações de resposta às enchentes no âmbito da assistência social. Na resposta, a direção do CMAS destaca que o projeto de alojamentos aplicado pela Fasc, objeto de parceria com três OSCs, não é o mesmo que foi aprovado no conselho e que a parceria para a contratação de servidores terceirizados de assistência social, objeto do termo de colaboração firmado entre Prefeitura e Rede Calábria, não tem previsão legal.
O próprio CMAS questionou a Fasc oficialmente sobre o número de alojamentos em funcionamento, quais seus endereços e qual a entidade gestora estaria executando o serviço, mas também não obteve resposta. Ainda assim, representantes do Conselho visitaram abrigos identificados como parte de parcerias firmadas com Organizações da Sociedade Civil e encontrou situações que corroboram as denúncias feitas na primeira reportagem do Sul21.
“O CMAS realizou visitas em alguns abrigos e pode constatar que o projeto aprovado no CMAS não estava sendo observado, que o alojamento localizado na Pitinga, executado por uma OSC, não tinha a menor condição de estar em funcionamento, assim como também se observou condições precárias de funcionamento nos alojamentos do Centro Vida e do Centro de Treinamento Esportivo (CETE), não havia privacidade, constatamos policias dentro dos espaços filmando etc. Os relatórios dessas visitas foram encaminhados para FASC”, diz nota encaminhada pela diretoria do conselho.
A pedido do Ministério Publico, o CMAS também visitou o Abrigo Marlene, que é um equipamento próprio do município que teve o prédio alagado, com os seus abrigados tendo sido encaminhadas para outro espaço. “Também se constatou que não era possível manter as pessoas lá. Atualmente essas pessoas se encontram num local locado em melhores condições do que o anterior, conforme relato dos trabalhadores. O documento foi encaminhado ao MP e também para a FASC”, diz a nota.
Conforme consta na Resolução 82/2024 aprovada pelo CMAS, o Plano de Planejamento das Ações para Calamidade Pública e de Emergência previa a instalação e manutenção de 10 alojamentos temporários parceirizados para acolher desabrigados pela enchente pelo período de seis meses, com previsão de investimentos de R$ 7.140.000,00, sendo R$ 1.522.521,07 recursos da própria Prefeitura e os demais oriundas do Programa Aproxima RS, do governo do Estado, e a maior parte do Fundo Nacional De Assistência Social (FNAS). Contudo, o CMAS apresentou ressalvas a este item do Plano: “Solicitar de que forma será realizada a parceria, quais critérios de escolha da entidade, destacando que esta deverá ter expertise na oferta parceirizada. Realização de um diagnostico, considerando a partir deste, a possibilidade de um novo aporte de recurso à parceria”.
Esta resolução ainda indica uma série de outras ações que foram aprovadas pelo CMAS, o que inclui medidas para as quais o conselho apresentou ressalvas e outras aprovadas sem ressalvas. Contudo, não consta entre estas ações, como dito na nota encaminhada à reportagem, a contratação de servidores terceirizados de Assistência Social e Psicologia para atuarem junto à população desabrigada.
Já a Resolução 88/2024, aprovada na mesma reunião do CMAS, apresenta uma série de itens do Plano que foram rejeitadas pelo conselho, o que inclui aquisição de computadores, aditivo para ampliação de metas de atendimento no albergue Dias da Cruz, a criação de uma Casa de Passagem masculina e o serviço de locação de veículo com motorista. A resolução indica questionamentos apresentados pelo CMAS que levaram à rejeição das ações.