Geral
|
25 de agosto de 2024
|
07:50

Projeto ajuda mulheres chefes de família a recomeçarem depois da enchente

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br
Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Na véspera do aniversário de 40 anos, Paula Alves precisou sair da casa onde morava com os dois filhos pequenos – uma menina de três e um menino de seis anos – por causa da inundação que tomava o bairro Sarandi, zona norte de Porto Alegre. O imóvel ficou com água até o teto, ocasionando a perda de todos os bens da família. Além disso, o casamento dela acabou na mesma época: Paula se viu na posição de chefe de família em meio a uma catástrofe climática. Ela é uma das beneficiárias do projeto Mulheres da Enchente, que busca suprir demandas materiais e imateriais de famílias chefiadas por mulheres.

“Eu sempre cuidei das crianças, é uma coisa que eu nunca abri mão. É bem difícil ter que fazer dois papéis e lidar com a cabecinha deles com tudo o que aconteceu”, relata Paula. Ela diz que os filhos estão traumatizados: o menino, de seis anos, passou por uma fase de revolta com a tragédia; a menina de quatro anos não entende porque não tem mais seu pijama favorito. A mãe, por sua vez, prioriza que eles tenham o que levar de merenda na escola. Para isso, Paula se desdobra em bicos durante a semana inteira: “faxina, descarga de caminhão, pintura, montagem de móveis”, enumera. 

O trabalho não acaba quando Paula chega no apartamento que agora ela e os filhos dividem com a mãe, já debilitada, onde moram de favor – e ela não é a única a desempenhar esse papel. As mulheres investem, no cuidado com familiares e tarefas domésticas, quase o dobro do tempo que os homens dedicam ao chamado “trabalho não remunerado”. Os extremos do clima impostos pelo aquecimento global têm acentuado essa desigualdade: uma pesquisa do Observatório do Clima indicou que mulheres pobres de periferias urbanas são a maioria dentre as vítimas de enchentes e outros eventos climáticos.

“Cheguei num ponto em que não consigo colocar o condomínio em dia, e a gente não consegue uma casa para alugar por ser caro. Por mais que eu faça faxina pesada e trabalhe até montando móveis, isso virou uma bola de neve. São duas crianças para vestir e alimentar”, desabafa a moradora do Sarandi. O apartamento onde ela vive atualmente com a família também foi atingido pela água.

“Qualquer pessoa que assume uma família sozinha já enfrenta dificuldades. No caso das mulheres, isso se amplifica pelo estigma de ser mãe solteira, pelo papel dado à mulher de cuidar e de estar a serviço de outras pessoas. E muitas ainda recebem salário menor do que o dos homens”, afirma Amaralina Xavier, gestora de projetos sociais. Um desses projetos é o Mulheres da Enchente, tocado por ela e mais duas amigas, já com experiência em ONGs, que se atentaram à condição de pessoas como a Paula.

Cerca de 15 famílias chefiadas por mulheres que foram atingidas pela enchente de maio já foram contatadas pelo projeto. Funciona assim: líderes comunitários mapeiam quem são essas mulheres que estão precisando de ajuda para se reerguer após a tragédia. As coordenadoras do projeto então conversam com cada uma para entender suas maiores necessidades materiais, de cinco a sete itens. “Geladeira e fogão aparecem muito, além de cama, sofá, armários de cozinha que foram deteriorados”, elenca Amaralina. Mas as mulheres também são perguntadas sobre necessidades imateriais – aquelas que não podem ser sanadas com um pix generoso. O apoio psicológico é a maior delas.

O projeto então faz a ponte entre as mulheres que precisam de ajuda e os doadores, que podem preencher um formulário online. É possível doar os itens em si (novos ou usados) ou então o valor correspondente a um móvel ou eletrodoméstico que esteja fazendo falta nas casas. Foi assim que Paula ganhou um fogão. “Até então, estávamos usando o microondas para fazer comida. O fogão da minha mãe estragou com a água”, relata.

O foco do Mulheres da Enchente é ajudar famílias em Porto Alegre e região. Amaralina conta que os bairros Sarandi e Humaitá, na Capital, e Mathias Velho, em Canoas, concentram o maior número de beneficiárias. A meta é auxiliar 100 famílias no período de um ano, a depender da ampliação da rede de voluntários.

“Temos como voluntários psicólogos, pessoas que atuam na comunicação do projeto, e pessoas que ajudam com burocracias ou acesso à internet. Estamos precisando de advogados”, ressalta Amaralina. Algumas beneficiárias precisam de ajuda para acessar benefícios sociais por meio de cadastros online, por exemplo. “As mulheres focam nas necessidades que são urgentes, mas os voluntários têm visto diversas possibilidades de ajuda”, acrescenta a coordenadora do projeto.

Amaralina compartilha o principal intuito do Mulheres da Enchente: “que elas se sintam com a dignidade recuperada para voltar a sonhar com outro futuro”.


Leia também