
No dia 8 de agosto, o Diário Oficial de Porto Alegre (Dopa) publicou uma portaria nomeando um novo representante da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS) no Conselho Deliberativo do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) em substituição ao antigo titular, o professor Fernando Setembro Cruz Meirelles, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH). Oficialmente, o Dmae diz que a substituição foi feita pela UFRGS em correção a uma falha processual na indicação de Meirelles, que ocorreu em abril deste ano, mas ela ocorre semanas após o professor enviar um documento questionando a Procuradoria Geral do Município (PGM) sobre uma série de ações do Dmae que estariam em desacordo com o regimento da autarquia.
Nesta segunda-feira (12), o IPH divulgou uma nota em que afirma que não possui mais representantes no Conselho Deliberativo do Dmae. “Este fato ocorre após novas decisões, sem consulta ao IPH, por parte da administração central da UFRGS e Dmae para cancelamento da participação dos professores do IPH, até então conselheiros, e designação de servidores de outro setor da universidade como representantes. O IPH espera ter contribuído para o Dmae no tempo que ocupou a cadeira no CD do Dmae, e a comunidade do Instituto está orgulhosa da participação dos professores que historicamente contribuíram nesta atividade”, diz a nota.
De acordo com o decreto municipal 18.080, de 2012, que regulamenta o Regimento Geral do Dmae, o Conselho Deliberativo do departamento tem como funções aprovar ou autorizar; opinar sobre; organizar seu regimento interno; requisitar o pessoal e o material necessário à execução de seus trabalhos; exercer fiscalização sobre o exato programa de trabalho e de obras e propor medidas que julgar conveniente; e exercer qualquer atribuição de natureza deliberativa atinente às finalidades do Dmae, não expressamente outorgada em Lei ou Regulamento a outro Órgão ou Poder.
O decreto lista as ações que o Conselho deve aprovar ou autorizar como:
a) os planos gerais de obras do Dmae;
b) os programas anuais de trabalho e das obras e serem executadas, propostos pela Diretoria-Geral;
c) as licitações e contratos, exceto os relativos a pessoal, para aquisição de materiais e execução de obras e serviços, nos termos da legislação vigente;
d) os valores da tarifa de água e esgoto e demais serviços, calculadas de acordo com a Lei, que serão decretadas pelo Prefeito Municipal;
e) a proposta anual de orçamento, sem prejuízo da competência legal dos Poderes do Município;
f) o relatório anual dos trabalhos executados e do andamento dos serviços, e os pareceres emitidos pela Delegação de Controle, sobre os balancetes mensais, balanço e prestações anuais;
g) os convênios, operações financeiras e outras medidas de interesse do Dmae;
h) a dispensa e inexigibilidade de licitação, nos termos da legislação em vigor;
i) a alienação de materiais inservíveis, através de licitação;
j) baixa dos bens patrimoniais; e
k) a política geral de pessoal, que lhe for submetida pelo Diretor-Geral.
Meirelles diz que, em março deste ano, foi indicado pelo IPH como membro titular no Conselho do Dmae, sendo nomeado em abril. A primeira reunião da qual participou foi em 8 de abril, tendo participado de todas as demais, que ocorrem às segundas-feiras, até ser exonerado no dia 8 de agosto.
Procurado pela reportagem, o Dmae informou, por meio de nota, que, conforme previsto no regimento interno do Conselho Deliberativo da autarquia, as vagas da UFRGS foram renovadas em abril de 2024, mas que o ofício enviado à autarquia partiu diretamente do IPH, sem a assinatura da reitoria. “O Dmae solicitou que a UFRGS ratificasse a indicação, com o objetivo de garantir a legitimidade das decisões tomadas pelo colegiado. A reitoria da universidade, então, respondeu com os nomes escolhidos para a sequência dos trabalhos, substituindo um dos nomes apontados inicialmente”, diz a nota.
A reportagem do Sul21 questionou a reitoria sobre a substituição, mas não obteve retorno até o fechamento da matéria.
O professor avalia que é prerrogativa do reitor da UFRGS, Carlos André Bulhões, indicar os representantes da universidade no Conselho do Dmae. “A vaga não é minha, é da universidade, então o reitor deve ter atendido uma solicitação do Dmae de me substituir. Eu avalio como dentro da normalidade. Agora, porque eu fui substituído, eu não recebi nenhuma explicação”, diz.
Ele foi comunicado por WhatsApp na manhã de quinta-feira (8) que a Prefeitura faria a indicação de seu substituto. “Não fui comunicado nem pela UFRGS nem pelo Dmae que seria substituído”, diz.
Por outro lado, Meirelles pontua que vinha fazendo questionamentos sobre o fato de muitas ações do Dmae, que deveriam passar pelo Conselho, não estarem sendo avaliadas pelo colegiado.
“Eu fiz um questionamento, porque eu comecei a achar estranho alguns procedimentos de análise de processos, questionando qual era a nossa base legal. O decreto de 2012 estabelece o papel do Conselho e diz lá que a direção deve passar pelo Conselho antes diversas situações, diversos processos, e não estavam passando. Eu fiz esse questionamento sobre por que não estavam passando essas novas ações sobre a cheia e também sobre os empréstimos que estão sendo anunciados na imprensa. Está colocado que uma das competências do Conselho é aprovar esses empréstimos e convênios. Então, a gente sabia no jornal antes de qualquer outra fonte ou qualquer outra manifestação. E aí eu perguntei: quando é que o Conselho vai se manifestar sobre isso, se é um conselho deliberativo? Eu coloquei esse questionamento no sentido de dizer, se existe um decreto, se existe uma forma de agir do Conselho, porque não está sendo obedecida ou se existe uma nova orientação”, diz Meirelles.
No dia 15 de julho, ele encaminhou formalmente à PGM, que possui um representante com participação regular no Conselho, os seus questionamentos. No documento (ver ao final), Meirelles pontua que, por ocasião dos eventos climáticos extremos, “observou-se a pronta ação da Direção do Departamento para atendimento das necessidades do município e de sua população, baseando-se para isso na Medida Provisória 1221/2024”. A partir disso, ele pondera que os planos e programas de obras do Dmae, que deveriam passar por deliberação do Conselho, “certamente foram alterados”.
O professor diz ainda que a Direção-Geral do Dmae deveria apresentar ao Conselho uma novo plano de obra, delimitando o exato programa que será executado no âmbito da MP citada, e apresentou seus cinco questionamentos à PGM. Foram eles:
1) se a rotina das reuniões ordinárias semanais do Conselho Deliberativo, cujas pautas referem-se majoritariamente às atribuições definidas nas alíneas c, i e j do inciso I (aprovar ou autorizar as licitações e contratos, exceto os relativos a pessoal, para aquisição de materiais e execução de obras e serviços, nos termos da legislação vigente; a alienação de materiais inservíveis, através de licitação; e baixa dos bens patrimoniais) estão de acordo com o estabelecido com o Decreto;
2) se a Direção Geral deve apresentar o Plano Geral de Obras para o enfrentamento dos efeitos dos eventos climáticos extremos ocorridos;
3) se a Direção Geral deve apresentar uma revisão do Programa Anual de Trabalho e Obras a serem realizadas, considerando os efeitos dos eventos climáticos extremos ocorridos;
4) quando a Direção Geral deve apresentar o exato programa de trabalho executado no âmbito da Medida Provisória de excepcionalidade; e
5) quando a Direção Geral deve apresentar ao Conselho Deliberativo as propostas de convênio com o Departamento, se ainda na fase inicial de tratativas ou apenas após a aprovação da respectiva minuta.
Meirelles diz que os questionamentos nunca foram respondidos e, embora não possa ter certeza, acredita que motivaram sua substituição.