Geral
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7 de junho de 2024
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16:14

Enchente na Capital teve desnível de 3m entre região do aeroporto e extremo sul, mostra pesquisa

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br
 | Foto: Isabelle Rieger/Sul21
| Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Uma pesquisa desenvolvida por cientistas no âmbito do Programa de Gestão Portuária do Porto de Porto Alegre, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), aponta que a cheia do Guaíba que atingiu a Capital em maio foi intensificada por represamento em uma parte “estrangulada” entre os rios Jacuí e Guaíba, próximo à Usina do Gasômetro. A pesquisa identificou que os níveis de água eram alguns metros mais altos na Zona Norte de Porto Alegre, em locais como o Sarandi, do que o observado em outras regiões da cidade.

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A equipe, formada por especialistas em sensoriamento remoto, hidráulica e geociências integrantes de uma interação acadêmica entre a Universidade e a Portos RS — autoridade portuária do Estado, utilizou dados de campo e imagens de satélite para medir níveis de inundação mais altos na Zona Norte da cidade.

Orientador da pesquisa, o professor do Departamento de Geodésia do Instituto de Geociências (IGEO) Felipe Geremia Nievinski observou que a cheia extrema inclinou a superfície da água, causando um desnível de quase 3 metros entre a região do aeroporto e a extremidade sul da Capital. Desse modo, a enchente teve danos intensos apesar das medidas de controle implementadas desde a última grande cheia, em 1941.

 

Mapa de satélite mostra a cota da superfície da água nos rios Guaíba e Jacuí (em metros com relação à régua histórica da Estação Harmonia) em 06/05/2024, cerca de um dia após o pico da cheia | Foto: Reprodução

“A altimetria via satélite revelou que no rio Jacuí a inundação foi agravada pelo represamento em uma parte estrangulada. Já o Guaíba, mais largo, apresentou menores níveis de água”, explica o autor principal do trabalho, Leonard Silveira, egresso do Centro de Sensoriamento Remoto e Meteorologia (CEPSRM) da UFRGS e professor na Universidade Federal do Pampa. A inclinação da superfície d’água foi o parâmetro que aumentou mais drasticamente, “de cerca de meio centímetro por quilômetro (0,4 cm/km) para 15 cm/km”.

Os mapas de elevação da água, feitos a partir de satélites, foram validados com levantamentos hidrográficos e três estações de medição do nível d’água espalhadas pelo município, ambos usando satélites GPS/GNSS.

Segundo os pesquisadores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) e coautores do estudo, Eduardo Puhl e Rafael Manica, “os resultados indicam que o controle de enchentes poderia ser melhorado na região norte da cidade, considerando que os diques foram projetados em sua maioria com uma cota de coroamento constante (igual a 6 m), enquanto o nível da água observado variou bastante entre norte e sul da cidade”.

O estudo também mostrou os impactos e as reações dos acontecimentos e que as técnicas de sensoriamento remoto se mostraram valiosas para medir o nível e a inclinação da água.

A pesquisa indica ainda uma série recomendações que poderiam ser adotadas para o futuro para proteção das populações. Entre elas, medir em campo as marcas do nível máximo deixadas pela cheia ao longo da margem dos rios. “Os resultados evidenciam que as máximas foram maiores quanto mais a montante [rio acima], ou seja, não foi uma máxima única”, diz Elírio Toldo Júnior, pesquisador do IGEO.

Vice-diretora do IGEO e coautora da pesquisa, Tatiana da Silva ressalta a necessidade de aprimoramento da rede de monitoramento para maior previsibilidade de eventos extremos, com estações de medição automática do nível da água em mais de um local.

Como explicam os doutorandos e também coautores Kenji Yamawaki e Vitor de Almeida Júnior, é importante que as diversas réguas e sensores de nível adotem um mesmo referencial ou altitude da cota zero, para viabilizar a comparação das medições em diferentes locais e o cálculo do desnível. Isso é importante não apenas dentro de Porto Alegre, mas também nos rios afluentes da bacia hidrográfica e na Lagoa dos Patos.

Em sua conclusão, a pesquisa também destaca a necessidade de revisão das estruturas de controle de inundações na cidade, pois o “projeto dos diques, de 1968, subestimou o efeito de remanso, tornando a área urbana mais suscetível a inundações na Zona Norte”.


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