
Trabalhadores contratados pela incorporadora CFL iniciaram no início da manhã desta segunda-feira (13) a demolição das casas de cinco famílias que firmaram acordo com a Defensoria Pública do Estado para deixar a área do Quilombo Vila Kédi. Autorizada pela Procuradoria-Geral do Município (PGM), contudo, a ação foi suspensa no início da tarde após intervenção da Superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária no Rio Grande do Sul (Incra), que questionou a legalidade da ação em razão da área estar sob reivindicação quilombola. Duas casas chegaram a ser totalmente demolidas e outra, parcialmente.
De acordo com a PGM, a demolição foi acordada na mediação conduzida pela Defensoria Pública e teria como resultado a tomada da posse das casas demolidas por parte da Prefeitura, uma vez que a área é oficialmente um próprio municipal e está marcada como um gravame de rua.
A demolição foi realizada por trabalhadores contratados pela CFL, que foi acionada pela PGM pelo fato da empresa ser a responsável por pagar as indenizações aos moradores da Kédi que desejam deixar a comunidade, conforme previsto em um termo de conversão de área pública (TCAP) assinado com a Prefeitura em 2022. Contudo, a defensora pública Ana Carolina Zacher esclarece* que a responsabilidade da ação é da Prefeitura e não há possibilidade das áreas das casas demolidas passarem para o controle da incorporadora.

“O caminhão é privado, mas é o Município que está executando, não a CFL. O que aconteceu? Na sexta-feira, alguns moradores fecharam o acordo com o Município para desocupação da casa e recebimento do pagamento da indenização”, explica a defensora.
Ana Carolina confirmou que a previsão era de demolir cinco casas nesta segunda e outras duas em breve, referentes às sete famílias que já firmaram acordo com a Defensoria e a PGM para receberem R$ 180 mil de indenização para deixarem a Kédi. Ela também confirmou que cerca de 40 famílias estão em negociação para deixarem a comunidade, de cerca de 100 famílias que moram na região.
No entanto, representantes das famílias que reivindicam a área como quilombola questionaram a ação, alegando que a demolição das casas representa um esbulho de uma área que está sob reivindicação de demarcação territorial, com processo aberto e em andamento junto ao Incra, e que não poderia ser alterada enquanto o processo estiver tramitando, independente de moradores estarem fechando acordos individuais para saírem da comunidade. A principal preocupação das famílias quilombolas era com a previsão de que o muro que separa a Kédi do terreno onde a CFL pretende construir um empreendimento avançasse para a entrada da casa demolida, configurando perda de território. Antes, o muro terminava nos fundos das moradias.

“A gente estava aqui desde cedo e foi muito complicado. Chegou um grupo de supostos representantes e trabalhadores da empresa, com uma senhora que se dizia da PGM, orientando a demolição das casas. A gente não conseguia nem ter acesso e eles já estavam com as marretas demolindo, a patrola derrubou os muros e arrebentou canos de água, deixando a comunidade sem água. Aí chegou o Incra e nem o Incra eles estavam respeitando”, diz o advogado da associação dos moradores do Quilombo Vila Kédi e da Frente Quilombola do Rio Grande do Sul, Onir de Araújo.
Após ser acionado, Sebastião Henrique dos Santos Lima, responsável pelo Serviço de Regularização de Territórios Quilombolas na Superintendência do Incra no Rio Grande do Sul (Incra/RS), interviu junto aos trabalhadores pela suspensão da demolição, cobrando a ordem judicial que autorizava a ação, o que não foi apresentado. “Eu pedi para a empresa que apresentassem a ordem. Quem se apresentou como mandante foi uma pessoa que agora foi identificada pela Polícia Federal, mas não se identificou na hora”, disse Sebastião Henrique ao Sul21.
Posteriormente, o procurador-geral do município, Nelson Marisco, compareceu no local e dialogou com o Sebastião Henrique. Os dois firmaram um acordo para suspender as demolições até que seja realizada uma reunião entre Prefeitura, Incra, Fundação Cultural Palmares e representantes da comunidade. Ainda não há prazo para essa reunião. “Vamos marcar essa reunião, mas nós temos a posição de que qualquer intervenção da Prefeitura só caberá ao fim do processo do Incra”, afirma Sebastião Henrique.

Pelo acordo entre PGM e Incra, as casas já demolidas permanecerão como estão e o muro que separa a comunidade do terreno da CFL será reerguido como estava até este domingo. Também foi acordado que a comunidade se compromete em não permitir a ocupação das casas demolidas, nem por membros, nem por pessoas de fora. Segundo a PGM, a negociação com as famílias que desejam sair continuam ativas, o mesmo valendo para o pagamento das indenizações.
Após a mediação entre Incra e PGM, agentes da Polícia Federal compareceram ao local, em razão da reivindicação quilombola ser tema a ser tratado na esfera nacional. De acordo com o delegado Fernando Bertuol, um inquérito será aberto para investigar eventuais crimes durante as ações e entender o papel das partes no processo.
Para entender mais da situação do Quilombo Vila Kédi, leia a reportagem publicada no Sul21 em 19 de outubro deste ano.
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*A matéria foi atualizada nesta quarta-feira (15) para deixar mais claro que a posse dos terrenos não passará para a CFL.