
Na última semana, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou os dados do primeiro levantamento sobre a população quilombola residente no Brasil, junto ao Censo Demográfico de 2022. Para Ubirajara Carvalho Toledo, metroviário e integrante do Instituto de Assessoria às Comunidades Remanescentes de Quilombos (IACOREQ), a pesquisa inédita é uma ferramenta que reforça o papel do Estado em assegurar os direitos da população quilombola, já determinados na legislação. “O Censo está coadunado com aquilo que está escrito na Constituição, que diz que é reconhecida a propriedade definitiva das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos. O quilombola é reconhecido como sujeito de direito e com quem o Estado tem responsabilidade”, observa.
Segundo os dados do censo, 1.327.802 pessoas se identificam como quilombolas no país, correspondendo a 0,65% da população. O levantamento mostrou também que o Rio Grande do Sul é o 13º estado brasileiro em número absoluto de quilombolas, com 17.496, e o primeiro na região Sul, seguido por Paraná, com 7.113, e Santa Catarina, com 4.447.
Toledo atribui a inclusão da questão no Censo Demográfico ao esforço da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) e do movimento negro. “Há um trabalho importante de fazer esse diálogo com o IBGE e mostrar esse Rio Grande e esse Brasil profundo onde tu encontra comunidades negras rurais em condições ainda muito aquém daquelas que são de viver com dignidade”, afirma.

De acordo com os dados do levantamento, 2.608 quilombolas gaúchos vivem em territórios oficialmente delimitados (14,91%) e os demais 14.888 fora desses territórios (85,09%). Segundo Toledo, isso se deve ao deslocamento dessa população para outras áreas, já que, diferente do que assegura a Constituição, muitos territórios não foram delimitados ou garantidos.
“A política que trata da titulação é fruto de toda uma discussão, de norte a sul e de leste a oeste do país, que está diretamente relacionada com a questão dos ciclos econômicos que nós vivemos. Quando encerrou o ciclo do algodão, os senhores abandonaram os seus campos e deixaram seus negros lá. Nunca houve um processo de inclusão. A primeira lei de terras do Brasil de 1850 impedia que negros e indígenas, mesmo que estivessem em testamentos e tivessem documentos, conseguissem registrar suas terras”, explica.
Em particular no Rio Grande do Sul, Toledo aponta que houve um apagamento histórico da população quilombola e negra na descrição do Estado como um território branco e europeu, como uma tentativa de esconder que sua construção foi feita pelas mãos de homens, mulheres e crianças negras durante a escravidão. Os números, no entanto, evidenciam a presença dessas pessoas. “O apagamento oficioso dessa parcela expressiva exime o Estado de políticas públicas para uma população que existe e que está na maioria das cidades do Estado do Rio Grande do Sul”, diz.
Para o Censo 2022, foram consideradas quilombolas as pessoas que se autoidentificaram como tal. A pergunta “Você se considera quilombola?” abria no aparelho utilizado pelo recenseador apenas em localidades previamente mapeadas pelo IBGE, que englobam territórios quilombolas oficialmente delimitados, agrupamentos quilombolas e demais áreas de conhecida ou potencial ocupação.
Os dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) utilizados pelo IBGE mostram que o Rio Grande do Sul possui 27 territórios quilombolas oficialmente delimitados, com diferentes status fundiários. Somente três territórios estão integralmente titulados pelo Estado: Chácara das Rosas (Canoas), Família Silva (Porto Alegre) e Rincão dos Martimianos (Restinga Seca).
O caminho até a titulação de territórios é burocrático. É necessário, primeiro, a Certidão de Registro no Cadastro Geral de Remanescentes de Comunidades de Quilombos da Fundação Cultural Palmares. Depois, é feito o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), um estudo técnico elaborado e publicado pelo Incra, a primeira fase do processo de titulação.
Um Comitê de Decisão Regional (CDR) analisa o relatório e, se aprovado, o publica, senão, o arquiva. O RTID é encaminhado para a Fundação Palmares, IPHAN, SPU, FUNAI, Conselho de Defesa Nacional, Serviço Florestal Brasileiro, IBAMA, Instituto Chico Mendes e os órgãos ambientais estaduais para que se manifestem em até 30 dias. O processo de identificação do território acaba com a publicação de uma portaria pelo Incra.
A partir disso, se o território incidir em terra privada, o Incra deverá desapropriar a área, indenizar o proprietário para então proceder a titulação. Se estiver em terras do Estado, o processo será encaminhado para o órgão competente para que proceda a titulação.

Seis territórios estão com decreto de desapropriação por interesse social, que autoriza a desapropriação das áreas inseridas em seus limites e estão em processo de indenização dos imóveis:
- Cambará (Cachoeira do Sul)
- Casca (Mostardas)
- Manoel Barbosa (Gravataí)
- Quilombo dos Alpes (Porto Alegre)
- Rincão dos Caixões (Jacuizinho)
- São Miguel (Restinga Seca)
Seis estão na fase da portaria de reconhecimento:
- Areal Luiz da Guaranha (Porto Alegre)
- Arvinha (Sertão)
- Limoeiro (Palmares do Sul)
- Mormaça (Sertão)
- Palmas (Bagé)
- São Roque (Mampituba)
Outros 12 territórios estão com o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação:
- Anastácia (Viamão)
- Arnesto Penna (Santa Maria)
- Cantão das Lombas (Viamão)
- Costa da Lagoa (Capivari do Sul)
- Família Fidélix (Porto Alegre)
- Fazenda Cachoeira (Piratini)
- Linha Fão (Tigre)
- Morro Alto (Maquiné e Osório)
- Paredão (Taquara)
- Picada das Vassouras (Caçapava do Sul)
- Quadra (Encruzilhada do Sul)
- Rincão dos Negros (Rio Pardo)
