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16 de agosto de 2015
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15:13

Com a crise, restaurantes no Centro veem filas diminuirem e público trocar mesas por quentinhas

Por
Luís Gomes
luisgomes@sul21.com.br
Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Restaurantes sentem reflexos da crise com redução de até 30% da frequência | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Luís Eduardo Gomes

Quem almoça com regularidade no Centro de Porto Alegre tem percebido a diferença. Restaurantes em que antes as mesas eram disputadíssimas e era preciso esperar em filas, agora estão, quase todos os dias, com espaços convidativos até mesmo ao meio-dia. Seria a crise econômica afetando o bolso das pessoas?

Para verificar como o momento da economia nacional e estadual está impactando o setor alimentício, percorremos diversos estabelecimentos do Centro e verificamos que, de uma maneira ou outra, bares e restaurantes foram afetados por queda de faturamento e até pelo aumento de manifestações no bairro. Contudo, também há aqueles que até expandiram seus negócios nos últimos meses.

O restaurante Sabor Natural, localizado na Av. Siqueira Campos, é um daqueles que foi atingido em cheio pela crise. Segundo o proprietário, César Leite, desde julho a frequência caiu cerca de 30%. Se antes atendia entre 200 e 250 pessoas por dia, agora está recebendo no máximo 180.

Quando visitamos o local, por volta das 12h de quarta-feira, haviam várias mesas disponíveis. Em outros tempos, existiriam filas. “O que acontece é que varia bastante. Um dia bom e outros dois dias fracos. O público não vem tão seguido”, diz.

As filas também minguaram no Rossi, restaurante localizado na Rua dos Andradas, quase na esquina com a João Manoel. Com preços relativamente baratos e à la minutas bem servidos, o estabelecimento era conhecido por registrar filas de dobrar à esquina desde antes do meio-dia e até depois das 13h. Agora, as filas encurtaram e, em determinados dias, nem estão mais lá. Segundo o dono, Paulo Rossi, às 13h30 já não há mais público.

Foto: Caroline Ferraz/Sul21
No Rossi, as filas de dobrar a esquina foram substituídas por aglomerações menores | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Rossi estima uma queda na frequência de 15% no público ao meia-dia e 50% de noite. Além disso, a clientela tem procurado pratos mais baratos. “O pessoal que comia os pratos de R$ 20, estão nos de R$ 16. Quem comia os de R$ 16, está nos de R$ 13 (opção mais barata)”, afirma, salientando que, porém, ainda não tomou nenhuma medida de “ajuste”. “Tem que aguentar no osso”, diz.

O momento certo em que os bares e restaurantes começaram a sentir os efeitos de uma retração na economia varia de caso para caso. Segundo Sérgio Souza, um dos proprietários do restaurante Natureza, localizado na Galeria Chaves, a presença de público em seu restaurante vem caindo desde março deste ano. Ele estima que, na comparação com o ano passado, a queda seja de 20%.

“É um momento delicado, porque você tem uma diminuição de público, mas tem gastos que você tem que assumir. Paralelamente a isso, tivemos também aumentos de preços, carnes, hortifrutigranjeiros”, diz Souza, acrescentando que somente a energia subiu cerca de 50%. “Isso causa um impacto muito grande nos custos do nosso setor. Você tem que gerenciar esse custo, tentar controlar o consumo de luz e ar-condicionado, renegociar com fornecedores”.

Para Thais Kapp, diretora executiva da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes do Rio Grande do Sul (Abrasel-RS), os restaurantes do Centro têm apresentado uma queda de 15% a 20% no faturamento. “Esses sofrem, sim, um impacto de redução do tíquete médio (valor gasto por pessoa no restaurante), mas muito maior na redução do número de clientes, que também caiu aproximadamente 20%, segundo levantamento da Abrasel”, diz Kapp.

Público não é mais previsível

Marcos Hans e Rainer Krusche possuem três restaurantes em Porto Alegre, dois deles no Centro da cidade (Porto Executivo, Porto Caldas), um deles de padrão executivo e outro mais popular, ambos localizados próximo à esquina das ruas Riachuelo e Caldas Júnior. Eles dizem que o faturamento e a frequência começaram a cair a partir de maio.

Apesar de seus restaurantes não serem dos mais afetados – estimam a queda entre 8% e 12% -, já precisaram demitir quatro funcionários para conter custos, além de diminuir o volume de compras.

Eles reclamam que um dos grandes problemas enfrentados até o momento é a imprevisibilidade do público. “Por incrível que pareça, tem dia da semana que é zero, tem dia que é 10. Mas isso não tem como explicar. Semana por semana está oscilando, e dia por dia também está oscilando”, afirmou Hans, salientando que isso prejudica o planejamento de quanto deve ser comprado dos fornecedores.

Eles ainda preveem que uma nova queda de público deve ocorrer nos próximos meses. “Como dizia o Lula, veio a marolinha. Ainda bem que ainda não veio o tsunami”, brincou Hans.

Foto: Caroline Ferraz/Sul21
“Quem sente mais a crise é o pessoal de menor poder aquisitivo”, afirma o dono do Boteco Andradas, que já abriu nova filial | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Tsunami para uns, marola para outros

Contudo, a crise não atinge a todos da mesma forma. Enquanto uns sofrem uma queda brusca no faturamento, outros se mantém estáveis ou até apresentam crescimento. Este é o caso da filial da Petiskeira no Centro Histórico, localizada na Av. Siqueira Campos, próximo ao Mercado Público.

Segundo o gerente da casa, Michel Marcelo Lopes, o faturamento da filial não caiu. Pelo contrário, está crescendo entre 1% e 2% neste ano. Lopes atribui o resultado positivo ao fato de o restaurante, por fazer parte de uma grande rede – presente em Porto Alegre e Canoas -, ter mantido a estrutura e ter conseguido não fazer aumentos drásticos de preços.

Por outro lado, os números do Centro estão abaixo das demais lojas da rede, que têm crescido na casa de 6% e 7%, segundo Lopes. Ele também notou uma queda nas gorjetas dadas aos garçons e uma procura maior por promoções realizadas pela casa em horários determinados – crescimento médio de 5%, segundo ele.

Outro estabelecimento a não sentir tanto o impacto da crise foi o Boteco da Andradas, localizado perto da Casa de Cultura Mário Quintana. Estabelecimento inaugurado em setembro de 2013, recentemente ganhou uma filial na Cidade Baixa, o Boteco da República.

Segundo um dos sócios, Vilmar Federizzi, a queda de público não chega a 10%. Ele explica que a diferença que conseguiu notar é, ao contrário de outros restaurantes, na procura pelas opções mais baratas do menu, enquanto a clientela que procura por pratos com filés e picanha se manteve. “Quem sente mais a crise é o pessoal de menor poder aquisitivo”, diz.

Crise no Estado também afeta

Além da crise nacional, a crise vivida pelas finanças do Estado também tem afetado os restaurantes do Centro de Porto Alegre, mas não necessariamente pelo impacto econômico direto.

Como o Sabor Natural está localizado próximo a autarquias estaduais, César Leite afirma que uma parte da queda de público pode ser atribuída ao congelamento e parcelamento nos salários dos servidores. Marcos Hans, dos restaurantes Porto, também diz que conseguiu perceber diferenças após o anúncio do parcelamento. “Ainda não deu para sentir certinho, mas que diminuiu, diminuiu”, diz.

Contudo, diversos proprietários e gerentes reclamaram que o grande problema relacionado ao Estado vem do fato de a situação política e econômica do Rio Grande do Sul ter motivado muitos protestos. Segundo Michel Lopes, da Petiskeira, em dia de manifestação a presença cai consideravelmente. Souza, do Natureza, corrobora. “Tem dias no mês que têm protesto, ônibus que não circula. Isso tem um impacto direto bem grande, não só no restaurante, mas na economia geral do centro”, diz.

Para onde foram os clientes?

Thais Kapp explica que, segundo levantamento da Abrasel-RS, a redução maior de público tem se verificado em relação aos clientes que consomem por lazer. “A comida funcional do dia-a-dia, principalmente o almoço, não tem sofrido tanto impacto pela dificuldade de se alimentar em casa nesses horários”, diz.

Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Leite acredita que parte de seu público tem preferido levar comida de casa a gastar em restaurantes  | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Contudo, ela afirma que um dos motivos para a queda de público em restaurantes com preços um pouco mais elevados, em faixas superiores a R$ 20, pode ser explicada pela migração para restaurantes mais baratos.

Quem aposta nessa teoria são os proprietários dos restaurantes Natureza e Sabor Natural. Além disso, eles acreditam que muitas pessoas que trabalham no Centro têm optado por trazer comida de casa, a popular quentinha. “O pessoal migrou para lugares mais baratos ou traz comida de casa”, avalia Leite, do Sabor Natural.

O Grelhados Veneza, localizado na Rua dos Andradas próximo à Gen. João Manoel, talvez seja um desses locais que esteja se beneficiando com a migração do público, pelo menos é isto que imagina o proprietário, Rômulo Luís.

Com pratos baratos – o à la minuta de frango sai por R$ 12,50 e a opção bovina mais simples sai por R$ 15, ambas acompanhadas de um copo de guaraná -, a casa registrou apenas uma pequena queda na frequência, em torno de 5%, segundo estima o proprietário. “Às vezes o pessoal vem aqui porque é mais barato, mas a comida é de qualidade”, diz Rômulo, salientando que o tíquete médio do restaurante está na casa dos R$ 14.

Rômulo também diz que tem tentado segurar o aumento dos pratos e não repassar a inflação para o consumidor. Porém, salienta que terá de subir em R$ 1 o valor dos principais pratos quando a temperatura esquentar. Até o momento, ele vinha tentando manter o ar-condicionado desligado na maior parte dos dias, mas sabe que perderá clientes se mantiver isso durante o verão.

Contudo, também não se pode dizer que esta é a realidade de todos os restaurantes mais populares. O Alto Astral II, localizado na esquina da Andradas com a Rua Bento Martins, tem em seu cardápio uma opção de prato do dia que sair por R$ 13 – era R$ 12 até poucos meses -, mas o público tem caído bastante desde a Copa do Mundo. “Cerca de 20% a 30%”, disse Paulo Pedriva, um dos sócios.

Questionado sobre como lidar com a situação, Pedriva diz que não há muito o que se possa fazer além de cortar gastos e “esperar que a coisa melhore”. Até o momento, não demitiu ninguém, mas também não contratou nenhum substituto para um funcionário que pediu demissão recentemente.

Segundo Thais Kapp, da Abrasel-RS, é mais ou menos esta a resposta verificada em todo o setor de bares e restaurantes. “Por enquanto, isso não tem impacto no emprego, não gera demissão”, diz. De todos os restaurantes visitados para essa reportagem, apenas os proprietários do Porto Executivo e Porto Caldas relataram que precisaram demitir.

Kapp também está otimista quanto à recuperação do setor. “Devemos fechar o ano, sim, com uma pequena queda no total do balanço, no comparativo com 2014. Mas, para 2016, a estabilidade deve retornar”, diz. “Notamos uma adaptação do consumidor ao seu poder aquisitivo atual, e não um abandono do hábito de comer fora. Ele está gastando menos, gerando um tíquete médio menor, menos vezes por semana, e reduzindo a alimentação de lazer”, finaliza.

Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Rua dos Andradas usualmente fica lotada no horário do almoço durante a semana | Foto: Caroline Ferraz/Sul21


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