
Débora Fogliatto
Está em tramitação na Câmara de Vereadores de Porto Alegre um projeto de lei que pode significar o fim da presença da Brigada Militar nos estádios de futebol da cidade. A proposta, de autoria da vereadora Sofia Cavedon (PT), aborda uma antiga polêmica que agora volta à tona: de quem é a responsabilidade pela segurança dos torcedores nos dias de jogo. Enquanto a BM argumenta que precisa deslocar centenas de policiais para o mesmo local quando as partidas acontecem, os clubes não consideram que os seguranças privados conseguiriam agir com a eficácia da corporação.
Segundo a vereadora Sofia Cavedon, a iniciativa para a criação do PLCL 10/2013 veio do entendimento de que há uma lacuna no Código de Posturas da cidade a respeito da responsabilidade pela segurança de eventos. “A prática dos eventos privados é de colocar seguranças, a Brigada não faz segurança de nenhum show ou clube, por exemplo, a não ser na rua. Então só tem a exceção para os jogos de futebol, que também é um evento privado”, explicou. O projeto aborda eventos culturais e de entretenimento em geral, mas o debate maior é concentrado nos jogos de futebol, por serem os únicos eventos privados que têm policiamento constante da Brigada.
José Amarante, vice-presidente de administração do clube Internacional, um dos maiores de Porto Alegre, no entanto, afirma que a comparação com outros eventos nem sempre é válida. “Nós temos em um jogo pessoas agindo por impulsos muito violentos. Não é a mesma coisa que um show, onde todos estão num momento relaxante. Por isso que o policiamento, além de ter uma previsão legal, é essencial para que não ocorra nenhuma tragédia”, afirmou, alegando que a Constituição Federal prevê o policiamento por parte das polícias militares.
Embora existam divergências de interpretações, no Estatuto do Torcedor está estabelecido que “a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo é do clube mandante e de seus dirigentes”, conforme consta no projeto da vereadora. “Temos um um investimento público sendo feito em um evento privado, pago, que não tem nada de filantrópico, nem contrapartida social. É privado, de entretenimento e trabalha com alto volume de dinheiro”, argumentou Sofia.

O comandante-geral da Brigada Militar, coronel Fábio Duarte Fernandes, explicou que a BM discute a possibilidade de sair dos estádios desde o ano passado, inclusive devido à determinação da FIFA para a Copa do Mundo. Nos jogos da Copa, a Brigada vai atuar apenas como apoio aos seguranças civis, apenas no entorno dos jogos. Em setembro, uma audiência pública conjunta entre o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES-RS) e a Comissão de Segurança e Serviços Públicos da Assembleia Legislativa reuniu representantes das partes envolvidas, em que a BM apresentou a proposta de sair dos estádios.
Alternativa
Uma possibilidade para que a BM continue nos estádios seria uma espécie de convênio entre a corporação e os clubes privados. “Sei que há precedentes. Quando coloquei essa possibilidade, verifiquei que a SMIC (Secretaria Municipal de Indústria e Comércio) utiliza a BM para fazer enfrentamentos com ilegalidade, como fechar bares, algumas situações específicas”, descreveu Sofia Cavedon. “Existe um convênio da prefeitura com a Brigada, e a prefeitura repassa recursos para a BM em função do trabalho. Então a Brigada tem esse tipo de convênio, se vai definir por fazer para os jogos será em outro momento”. A Brigada Militar é ligada ao governo do Rio Grande do Sul, não tendo nenhuma relação direta com a prefeitura.
Ambas as partes parecem receosas com a proposta de ressarcir a BM. “Se a Brigada quer o pagamento, vamos discutir o pagamento. Se quiser sair por algum motivo, tudo bem, mas condicionar é uma irresponsabilidade enorme”, acredita José Amarante. O coronel Fábio Fernandes explica que os gastos que a BM tem fazendo o policiamento não são cobertos pelos clubes. “Em 2012, gastamos oito milhões de reais com futebol. A alternativa é que os clubes possam ressarcir o Estado dessas perdas, isso não é nem taxa nem imposto”, esclareceu.

Paz nos estádios
As diferenças entre a atuação da Brigada em relação a seguranças privados é um dos pontos que fazem com que os clubes hesitem em abrir mão do policiamento. “Há um estudo que diz que é necessário um brigadiano para conter 40 pessoas. Imagina um grupo de seguranças privados para segurar 40 pessoas, precisaria de 10, 15, e o efeito não seria o mesmo. Queremos que a BM faça o policiamento interno exclusivamente em função da integridade das pessoas”, argumentou José Amarante.
O coronel Fábio Fernandes, no entanto, acredita que a segurança comece em outro ponto: “Temos que desenvolver uma cultura de paz nos estádios. Se não tivermos violência nos estádios não precisa nem de segurança privada”, argumenta. Ele entende que há mecanismos de tecnologia, como já instalados em outros países, que podem facilitar isso, como a identificação digital, também mencionada pela vereadora Sofia Cavedon como uma alternativa. “Essa ideia de identificação digital proibiria, por exemplo, alguém que já se envolveu em briga e violência de entrar nos jogos”, explicou a vereadora. “O principal é desenvolver a cultura. Dificilmente se encontra hoje torcedor invadindo um campo, por exemplo, porque se sabe as consequências para o time. Se tivermos um regramento bastante rígido a respeito da violência, o mesmo pode acontecer”, exemplificou o comandante-geral.
O projeto está em tramitação na Comissão de Urbanização, Transporte e Habitação (Cuthab) e já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e pela Comissão de Economia, Finanças e Orçamento (CEFOR). Antes de levar ao plenário, a vereadora Sofia pretende conversar com a presidência da Câmara para que aconteça uma audiência pública a respeito do caso, ainda no início de 2014.