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22 de janeiro de 2014
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19:57

Etnia indígena Charrua tem dificuldade de acesso à educação em Porto Alegre

Por
Sul 21
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Ireno Jardim/ Divulgação
Cacica Acuab: educação indígena é precária na aldeia Polidoro Ireno Jardim/ Divulgação

Mayara Bacelar
Especial Sul21

Ao mesmo tempo em que estão inseridos em projetos de educação ambiental, a fim de mostrar às crianças da cidade um pouco da cultura da etnia Charrua, os índios da aldeia Polidoro, em Porto Alegre, sofrem com uma série de carências na educação. Primeira mulher a liderar uma aldeia Charrua no Rio Grande do Sul, a cacique Acuab Charrua é uma das debatedoras do grupo de trabalho “Educação, diversidade e inclusão” do Fórum Mundial da Educação (FME), realizado em Canoas até quinta-feira (23). Em entrevista, Acuab denuncia a negligência com a segurança e educação formal das crianças da aldeia, bem como as dificuldades culturais que os pequenos indígenas enfrentam ao frequentar a escola tradicional.

Sul21 – Quais são as relações da aldeia Polidoro com a educação formal?
Acuab Charrua – A minha aldeia é pertencente a Porto Alegre, mas é do lado de Viamão. É uma aldeia histórica porque é a primeira da etnia, então a gente faz trabalhos com hortas, trabalho, por exemplo, com colégios, com educação, com as professoras. A gente recebe as crianças lá em abril, na época do Dia do Índio a gente marca visitas. A gente faz trabalho de trilha ecológica, com camisetas, com pinturas nas crianças, professores, alunos e trilha ecológica.

Sul21 – Em relação à educação das crianças da aldeia, é enfrentada alguma dificuldade?
Acuab Charrua – Quando a gente foi morar lá, pedimos um colégio para a lei (Justiça), só que a lei nos deu as costas, não quis nos dar o colégio. E para nós podermos botar uma deficiente visual para estudar, por exemplo, que ela está no segundo grau, as outras crianças para estudar, tivemos que entrar na Justiça, porque as professoras e diretores não queriam. Eu pergunto sobre isso, porque depois as pessoas querem dizer que os índios têm que estudar, mas não dão oportunidade. Falar é uma coisa e provar é outra. A prova é não quererem colocar as crianças no colégio. As professoras, as diretoras, porque estão ali dentro do colégio, se sentem donas da escola. Então, tivemos que entrar na Justiça para isso.

Sul21 – E quais as consequências dessa situação para os índios da aldeia?
Acuab Charrua – É um sofrimento muito grande. No colégio, batalham para estudar, está cheio de crianças de outros colégios, começam a brigar entre eles, acabam acertando as crianças da aldeia.

Sul21 – Há dificuldade de adaptação com a presença dos alunos indígenas?
Acuab Charrua – Exatamente. Quando as crianças da minha aldeia entram no ônibus, já tem outras 500 crianças lá dentro, e eles se “pegam a pau”, não respeitam nem os adultos. Pode ser comigo, como já aconteceu, de puxarem cabelo, isso as crianças de outros colégios. Então é uma dificuldade, muito grande, porque a gente até queria ter um colégio. Até eu, não tive estudo, mas gostaria de estudar português. E o mais velhinho da nossa aldeia, que é o vice-cacique  dos Charrua do Rio Grande do Sul, ele também queria estudar. É muita política para fazer acontecer. Tem estudo para criança que está lá em cima (em séries mais adiantadas), outros tem estudo lá em baixo, os mais velhos não tem estudo nenhum. E outra coisa que eu vou colocar, que é importante, eu tenho uma irmã, missioneira, nasceu nas missões. Ela é uma pessoa que perdeu sua voz,  não fala nem ouve, tem problema de cabeça, mas é muito de desenhar. Com tudo que é problema na cabeça, ela desenha eu e outros, desenha ela mesma.

Sul21 – E vocês gostariam de ter uma educação especial para esse tipo de caso na aldeia?/strong>
Acuab Charrua –
Olha, eu já nem sei mais o que eu vou querer, se a lei não dá o direito do meu povo Charrua. Meu povo está pedindo, é reconhecido, está pedindo o que é do povo, não o que é do branco, mas infelizmente, o branco que está no cargo (político), ele pouco viu o índio. Inclusive, como os Charruas foram os últimos a ser reconhecidos, então são os mais pisoteados, mas tem que ficar bem claro: têm leis que apoiam o meu povo. Tem outras que não apoiam. Temos outros problemas, não entregam alimentos todo mês. Tudo (chega à aldeia) em sacolinhas pequeninhas. Como vai ficar dois, três meses com uma criança comendo uma sacolinha só? Isso tinha que melhorar.

Sul21 – E vocês conseguem enviar as crianças para a escola? Como é o transporte?
Acuab Charrua – A gente sofre para embarcar eles, porque está sempre cheio. A gente sofre para ir buscar porque estamos no meio do mato e a gente não vê quando o ônibus passa na frente da aldeia. É como uma trilha de tatu, tu fica na frente da aldeia, desce, sobe. Temos dificuldade muito grande no transporte, porque já tentaram roubar as crianças dentro do ônibus com um carro seguindo. Quando as crianças, os miúdos (menores) chegam e o sol já está caindo, é um momento que tem carro, que tem moto, gente no mato para roubar as crianças que estão na minha aldeia. Vamos falar sério, eu gostaria de ter um colégio. Até eu iria estudar, não tenho estudo. Não sei ler o ônibus para pegar, não sei ler.

Sul21 – A senhora compõe um grupo de trabalho no FME que leva o termo inclusão no nome, consegue ver avanços nessa área, principalmente em relação ao respeito à cultura indígena hoje?
Acuab Charrua – Temos três etnias, por exemplo, os Caingangues, os Guaranis e os Charruas. Juntamos as três etnias de nações de índio e fizemos uma cartilha pelos direitos humanos, só que os mais sofridos são os índios do meu povo Charrua. A gente foi os últimos a ser reconhecidos e pode ver que estamos na pior situação. É casa, é alimento, é educação. E quando a gente pediu colégio dentro da aldeia, não quiseram dar. Como eu disse, tivemos que entrar na Justiça para colocar as crianças no colégio. E o colégio não é do lado da aldeia, até assaltos já aconteceram na escola.


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