

Marco Weissheimer
As crises que estão se desenrolando hoje no território europeu não possuem precedentes históricos e podem resultar em problemas muito mais graves dos já experimentados em outros períodos. No caso da Ucrânia, uma alternativa não diplomática implicaria em uma guerra de proxies entre Estados Unidos e Rússia, e a Europa sofreria com uma nova Síria em seu território. A avaliação é de Fabiano Mielniczuk, doutor em Relações Internacionais, professor da ESPM-SUL e Diretor da Audiplo Educação e Relações Internacionais.
Em entrevista ao Sul21, Mielniczuk fala sobre as atuais crises políticas e econômicas na Europa (Grécia e Ucrânia, em especial) e seus possíveis desdobramentos geopolíticos. Para ele, é difícil pensar em outra alternativa que não seja a via diplomática para a superação dessas crises. A alternativa ao caminho da negociação, adverte, teria graves consequências humanitárias como campos de refugiados, grandes fluxos de pessoas, áreas de sob controle de milícias armadas, e uma guerra em larga escala na fronteira do território alemão.
Após se reunirem em Minsk, na Bielorússia, os presidentes de Rússia, Ucrânia, Alemanha, e França anunciaram um cessar-fogo na Ucrânia previsto para entrar em vigor a partir deste domingo (15). Alguns dos principais pontos em negociação neste novo acordo são: uma zona desmilitarizada com extensão aproximada de 50 a 70 quilômetros que abrangeria toda a linha de frente, retomada pela Ucrânia de áreas na fronteira com a Rússia e maior autonomia para os separatistas apoiados pelos russos.

Sul21: A Europa vive hoje um clima de turbulência política, com duas crises se destacando: a relação da Grécia com a União Europeia e o conflito na Ucrânia. Na sua opinião, à luz dessas duas crises, a Europa caminha para um cenário de enfrentamentos ou de solução negociada dessas crises?
Fabiano Mielniczuk: É difícil pensar em outra alternativa que não seja a negociação. Quando analisamos o atual cenário da Grécia, enfrentamento significaria a exclusão da Grécia do bloco Europeu. Tal medida drástica seria tomada por motivações econômicas, e elucidaria o total desrespeito da vontade soberana da população grega, que escolheu um partido cuja plataforma eleitoral se baseou na renegociação dos termos de parceria da Grécia com o resto da Europa.
No caso da Ucrânia, uma alternativa não diplomática implicaria em uma guerra de proxies entre Estados Unidos e Rússia, e a Europa sofreria com uma nova Síria em seu território. (NR: Guerra de proxies é um conflito armado no qual dois países se utilizam de terceiros – os proxies – como intermediários ou substitutos, de forma a não lutarem diretamente entre si).

Sul21: A crise na Ucrânia recolocou em evidência a relação da Rússia com o chamado Ocidente (EUA + UE). Há quem fale de um retorno da Guerra Fria. É possível falar de uma nova Guerra Fria na sua opinião?
Fabiano Mielniczuk: Sim. Guardadas as devidas proporções, é possível identificar uma nova configuração de poder no mundo que lembra a Guerra Fria. Ainda temos a dissuasão nuclear como principal mecanismo para manter o equilíbrio de poder, percebemos a formação de alianças em contraposição ao Ocidente, como as que aproximam Rússia e China e, aos poucos, fica evidente que o modelo de organização política, econômica e social desses países representa uma alternativa ao modelo Ocidental. A existência de guerras quentes no Oriente Médio e no leste da Europa contribuiu para acelerar esse processo.
Sul21: Quais são as forças políticas que estão em jogo hoje na Ucrânia?
Fabiano Mielniczuk: Após a derrubada de Yanukovich, a anexação da Criméia e a eclosão da guerra civil contra os movimentos separatistas do leste do país, a elite política daUcrânia passou a adotar um discurso nacionalista do partido da guerra, denunciando a Rússia como uma ameaça à sobrevivência do país. Assim, os russos do leste do país passaram a ser tratados como terroristas e a atual administração recorreu a todos os recursos necessários para angariar apoio ocidental contra a Rússia. O problema é que muitos desses políticos, inclusive o presidente Poroshenko, estavam habituados a participar confortavelmente do governo do presidente deposto e seus negócios privados eram beneficiados com a proximidade em relação à Rússia.
Esse histórico compromete a legitimidade desses líderes em uma guerra, e fortalece grupos ultranacionalistas com feições fascistas que também ocupam o governo atual. É possível, inclusive, que o presidente Poroshenko passe a enfrentar manifestações públicas lideradas por esses setores por ter aceito os termos das negociações do quarteto em Minsk, divulgadas no último dia 12 de fevereiro.
Sul21: A Alemanha vem resistindo às propostas dos EUA de fornecer mais armas e apoio militar ao governo de Kiev. Como entender a posição da Alemanha no atual cenário?
Fabiano Mielniczuk: A Alemanha sabe que fornecer armas à Ucrânia seria como lançar líquido inflamável sobre as chamas já existentes. Isso resultaria em um maior engajamento da Rússia e teria consequências imprevisíveis para o futuro da Europa, sendo o prolongamento do conflito a mais óbvia.
Esse cenário seria péssimo para os alemães, que além de dependerem do fornecimento de energia dos russos, também têm sofrido perdas em razão das sanções econômicas impostas pelo Ocidente ao governo de Putin. Isso para não mencionar as consequências humanitárias (campos de refugiados, fluxos de pessoas, áreas de sob controle de milícias armadas) de uma guerra em larga escala na fronteira de seu território.

Sul21: A União Europeia corre risco em função das graves crises econômicas vividas por países como Grécia, Espanha e Portugal?
Fabiano Mielniczuk: A crise econômica da Europa, embora tenha causas conjunturais bem precisas, parece ser resultado de problemas estruturais muito mais profundos. O fato é que, como consequência, as populações dos países mais afetados pelas crises têm optado por representantes que contestam as premissas liberais que se tornaram hegemônicas na integração a partir dos anos 1990.
A escolha de representantes de esquerda que contestam essas premissas econômicas serve para lembrar que o processo de integração da Europa é, antes de tudo, político, e que teve como principal motivação evitar futuras guerras no continente. A retomada dessa dimensão política começa pelo respeito à vontade popular dos países membros e pela renegociação dos termos de suas relações econômicas. Caso isso não seja feito, aí sim o risco de “desintegração europeia” será real.
Sul21: Você faria algum paralelo histórico entre a situação vivida pela Europa hoje e outra vivida por ela no passado?
Fabiano Mielniczuk: Não. Acho que as crises que enfrentamos atualmente não possuem precedentes históricos e podem resultar em problemas muito mais graves dos já experimentados em outros períodos.