
Jaqueline Silveira
Aos 54 anos, o deputado federal Vieira da Cunha se prepara para seu maior desafio político. Escolhido na pré-convenção do PDT realizada no final de 2013, ele concorrerá ao governo do Estado, depois de ter na sua trajetória um mandato de vereador em Porto Alegre, três de deputado estadual e dois de deputado federal. Natural de Cachoeira do Sul, o procurador da Justiça terá a educação, bandeira tradicional dos trabalhistas, como prioridade número um da sua campanha.
Com a foto do maior líder trabalhista, Leonel Brizola, ao fundo, Vieira falou ao Sul21 de seus planos para governar o Rio Grande do Sul caso seja eleito. Disse que é preciso reorganizar as finanças para o Estado ter capacidade de fazer investimentos e conseguir cumprir a lei do piso do magistério, o que ele não se comprometeu em pagar. Também fez críticas ao atual governo gaúcho, que seu partido integrou até o final de 2013, abordou a questão de sua aliança ter partidos de ideologias opostas ao PDT e a “situação delicada”, que, segundo ele, o partido enfrentará no Rio Grande do Sul por ser uma candidatura de oposição ao governo petista, ao mesmo tempo, que, em nível nacional, apoia a reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT). Confira a seguir a entrevista de Vieira da Cunha:
Sul 21 – Por que o senhor resolveu ser candidato ao governo do Estado?
Vieira da Cunha – Além da tese que um partido da nossa estrutura, da nossa história deveria ter candidato, o que nos move a abraçar essa candidatura e cumprir essa missão é a indignação que, como gaúcho, eu sinto em ver nosso Estado nas condições em que se encontra. O Rio Grande do Sul, num passado não muito distante, sempre foi referência positiva em praticamente todos os setores da administração pública, a começar pela educação, que é a prioridade das prioridades para um trabalhista como eu. Nós temos esse compromisso programático com as crianças e os jovens, nós entendemos que deve ser a prioridade das prioridades e eu não me conformo em ver o Rio Grande do Sul nesse patamar. Todos os rankings de qualidade da educação pública mostram que o Rio Grande do Sul ano a ano vem perdendo terreno. No último levantamento, nós fomos o 8º Estado em termos de educação, de desempenho e de qualidade na área educacional. Essa indignação que eu sinto como gaúcho, esse inconformismo de ver nosso Estado nessas condições, é que motivou a minha candidatura e evidentemente o chamamento partidário para cumprir essa missão partidária que, para mim, é muito honrosa. Eu me sinto amadurecido, pronto para desempenhar essa missão não só de ser um candidato próprio ao governo do Estado, como também de liderar uma frente de partidos que se une em torno dessa causa, qual seja: tirar o Rio Grande do Sul desse verdadeiro atoleiro em que se encontra.
“Eu me sinto amadurecido, pronto para desempenhar essa missão não só de ser um candidato próprio ao governo do Estado, como também de liderar uma frente de partidos que se une em torno dessa causa”.

Sul 21 – Além da educação, quais são suas propostas?
Vieira – A respeito das propostas, quero referir que nós fomos o primeiro partido a lançar um site: www.planodegovernocolaborativo.com.br. Por intermédio desse site, nós estamos recebendo contribuições, críticas, sugestões da sociedade, todos aqueles que queiram colaborar conosco, tenham uma sugestão a fazer, elas serão muito bem-vindas. Nós criamos esse mecanismo de interação com a sociedade, porque nós queremos construir um plano de governo que tenha esse caráter participativo. Por isso que nós temos percorrido, Lasier Martins (pré-candidato ao Senado) e eu, várias regiões do Estado com o propósito de realizar debates sobre as prioridades daquela região, seus principais problemas. E nesse nosso giro pelo Estado nós temos visto que algumas questões são praticamente unânimes e uma delas é a infraestrutura, principalmente no que diz respeito as nossas rodovias. Nós temos quase cem municípios até hoje sem acesso asfáltico. A questão da segurança é outra reclamação praticamente unânime. Hoje é uma preocupação generalizada nas comunidades Rio Grande afora que reclamam, principalmente, dos altos índices de criminalidade. Isso sem falar no sistema penitenciário. Em plena capital do Rio Grande do Sul, nós temos aqui uma das piores cadeias do Brasil, isso é motivo de vergonha para os gaúchos. Nós vamos fazer o discurso crítico, porque nossa candidatura é de oposição e de mudança, mas ela também vai ser propositiva, ou seja, a cada crítica que nós fizermos, nós vamos apresentar proposta concreta para superar essas dificuldades. Esse conjunto de propostas está sendo objeto de debate, nós já pretendemos anunciar pelo menos a espinha dorsal do nosso plano de governo nas áreas prioritárias da administração pública já na nossa convenção partidária no dia 21 de junho, em São Borja.
“Nós vamos fazer o discurso crítico, porque nossa candidatura é de oposição e de mudança, mas ela também vai ser propositiva”.

Sul 21 – O Estado tem uma situação financeira muito difícil. Quais seriam as alternativas, então, para obter recursos e construir mais acessos asfálticos, melhorar a segurança?
Vieira – Esse é realmente um pressuposto para a implantação das propostas que nós vamos defender: reorganizar as finanças públicas estaduais, porque sem esse passo nós não poderemos dar os outros. Por exemplo: cumprir com a lei nacional do piso do magistério, investir o percentual constitucional na saúde pública de 12%, reorganizar e reestruturar os serviços de segurança pública, conceber e implementar um plano de recuperação de rodovias, tudo isso passa pela recuperação do equilíbrio econômico e financeiro do Estado. Hoje, o Rio Grande do Sul é o Estado mais endividado do país, nós estamos devendo cerca de R$ 47 bilhões. Nós vamos atuar em duas frentes: em primeiro lugar, mantendo o bom desempenho da receita pública que tem evoluído num ritmo desejável. Evidente que nós não estamos falando em aumento de impostos porque a carga tributária já é altíssima. Então, nós temos de atuar na outra ponta, qual seja: a da contenção de despesas, realizar uma administração austera e eficiente, inclusive com enxugamento evidentemente que não prejudique o bom desempenho da máquina pública. O nível de investimentos hoje é baixíssimo, está num dos menores patamares da história do Rio Grande do Sul. Hoje, o governador Tarso Genro está conseguindo investir apenas cerca de 5% da receita corrente líquida. É uma situação que realmente nós temos de enfrentar e com ações que permitam reequilibrar as finanças do Estado para poder alcançar os objetivos a que me referi.
“Hoje, o Rio Grande do Sul é o Estado mais endividado do país, nós estamos devendo cerca de R$ 47 bilhões”.
Sul 21 – O senhor acredita que o Congresso votará até o final do ano a mudança do indexador da dívida dos Estados que poderia trazer alívio aos cofres gaúchos?
Vieira – A Câmara dos Deputados já votou a troca do indexador e a redução da taxa de juros. É um avanço, embora não seja, ainda, uma solução, porque nós estamos comprometendo um percentual muito alto da nossa receita com o pagamento da dívida com a União: está em 13%. Além de o Senado aprovar esse projeto, porque ele está hoje engavetado no Senado e espero que seja aprovado o quanto antes, nós também temos que renegociar com a União a repactuação desse índice de comprometimento, que hoje é muito alto e que é uma das causas da incapacidade de investimento do Estado. Nós temos, aliás, em relação à nossa relação com a União que redefinir outras questões importantes, não só da dívida. Por exemplo, o Fundo de Participação dos Estados. Hoje, o Rio Grande do Sul tem uma participação muito pequena, incompatível com o que representa o Estado no contexto da Federação. Uma outra questão que, no meu entendimento, é inexplicável e temos de enfrentar e renegociar com o governo federal é as perdas da Lei Kandir. A Lei Kandir desonerou as exportações, inclusive dos produtos primários, e, em função das características próprias da economia do Rio Grande do Sul, nós fomos muito prejudicados por essa lei. Essa própria lei disse que os Estados prejudicados seriam compensados, ocorre que isso não vem ocorrendo e essas perdas vêm se acumulando. Para se ter uma ideia, só no período 2003 a 2012, essas perdas acumuladas somam R$ 26, 75 bilhões. Hoje, essa compensação não chega a 15% das nossas perdas. Isso é inadmissível!
“A Câmara dos Deputados já votou a troca do indexador e a redução da taxa de juros. É um avanço, embora não seja, ainda, uma solução”.

Sul 21 – O senhor disse que irá reorganizar as finanças do Estado para aumentar a capacidade de investimento e cumprir a lei do piso nacional do magistério. Isso quer dizer que o senhor vai prometer na campanha pagar o piso aos professores?
Vieira – Eu não vou prometer, eu não quero ser mais um como o atual governador que prometeu e depois chega lá e diz que não pode cumprir. Chegou ao ponto de entrar na Justiça para não cumprir a lei, sendo ele um dos que subscreveu a lei como ministro na época. Essa é uma das causas, no meu entendimento, do profundo desgaste do atual governo. Então, eu não vou fazer promessas, o que eu digo e reafirmo que tenho compromisso prioritário com a causa da educação, agora para pagar o piso nacional do magistério, para fazer o investimento que nós temos de fazer não só na educação, tudo que requer ação do Estado nós temos que reequilibrar as finanças. Eu não tenho hoje como assumir um compromisso de que vou pagar o piso nacional do magistério, porque exatamente essa situação de precariedade, de desorganização, de caos das finanças públicas impede que eu ou qualquer candidato sério e responsável assuma esse tipo de compromisso. O que nós podemos assumir desde já é que nós vamos tomar todas as medidas necessárias para que o Rio Grande do Sul possa recuperar seu equilíbrio financeiro e assim cumprir suas obrigações, começando pela lei federal do piso nacional do magistério. Nós temos algumas questões da própria legislação que têm impedido que o Rio Grande do Sul possa ter aporte de recursos federais para pagar o piso. Nós estamos procurando resolver, já há iniciativas legislativas, inclusive um projeto de lei que eu apresentei para mudar a legislação do piso, permitindo que a União possa repassar os recursos para Estados que têm dificuldades, como é o Rio Grande do Sul.
Sul 21 – Como está a política de alianças em torno da sua pré-candidatura?
Vieira – Nós temos dois partidos que já manifestaram publicamente apoio a nossa pré-candidatura, que é o Democratas e o PSC, e estamos dialogando com várias outras siglas e num estágio adiantado de conversas com o PV (Partido Verde) e o PRB. Se derem certo essas conversas, se tiverem um final feliz, a nossa aliança terá cinco partidos: PDT, DEM, PSC, PV e PRB.

Sul 21 – E quando será definido o vice?
Vieira – Assim que nós tivermos definido o leque da aliança, nós vamos sentar e conversar com os dirigentes desses cinco partidos e então definir o vice. O vice sairá de um desses partidos.
Sul 21 – Essa demora para fechar a aliança não pode prejudicar o início da campanha?
Vieira – Não, porque as alianças podem ser fechadas até o dia 30 de junho. É natural e faz parte do processo político que as negociações estejam em andamento. Mas é claro que se dependesse da nossa vontade, a coligação já estaria formada, mas cada partido tem sua dinâmica interna, seus prazos, suas instâncias de consulta e nós temos de respeitar esses processos dos partidos com os quais estamos dialogando.
Sul 21 – A aliança entre PDT e DEM não é contraditória, já que são partidos ideologicamente de campos opostos?
Vieira – As alianças se formam entre partidos que têm perfis diferentes, se nós pensássemos iguais, nós estaríamos no mesmo partido. E nós, quando iniciamos nossa caminhada, fizemos convites a vários partidos, inclusive aqueles que têm perfis ideologicamente diferentes do nosso, como é o caso do DEM, e fizemos o convite para esses partidos para que eles se juntassem a nós para que nós pudéssemos implementar um projeto comum de governo. Então, todos os partidos que tiverem conosco estarão unidos em torno de uma proposta comum, nós temos as nossas diferenças políticas e ideológicas e elas são conhecidas, são públicas, mas elas ficam num segundo plano porque a causa que nos une é maior, que é exatamente a soma dessas forças para implementar essa proposta que retire o Rio Grande do Sul dessa situação de atoleiro em que se encontra. No nosso debate interno, muitas vezes, esse assunto foi questionado e nós lembramos aos críticos a essa aliança de um fato histórico, que foi a eleição de Leonel Brizola para governador o Rio Grande do Sul. Leonel Brizola se elegeu governador com uma aliança com o PRP, um partido de extrema direita, era o partido ao qual pertenciam os integralistas, e isso não impediu, porém, que Leonel Brizola fizesse o mais revolucionário governador da história do Rio Grande do Sul. Portanto, eu considero que o perfil da aliança não compromete a linha de governo e esse fato histórico da aliança de Brizola com a direita em 1958 é uma prova disso.
“Nós temos as nossas diferenças políticas e ideológicas e elas são conhecidas, são públicas, mas elas ficam num segundo plano porque a causa que nos une é maior”.

Sul 21 – Por falar em diferenças ideológicas, o senhor não acha que o eleitor poderá ficar confuso com o fato de sua aliança ter partidos que podem dar palanque no Estado à presidente Dilma Rousseff, ao senador Aécio Neves (PSDB) e ao pastor Everaldo (PSC)?
Vieira – Eu considero que seria bom que nós pudéssemos fazer o debate focado naquele plano, naquela instância de governo específica, porque um debate pode contaminar o outro. A eleição geral, por exemplo, é um debate das questões da cidade e pode prejudicar o debate nacional. Assim como agora, a eleição nacional será junto com as eleições dos Estados, então nós vamos ter um debate sobre a questão nacional e um debate da realidade local que nem sempre é a mesma. Veja por exemplo o caso do PMDB. O PMDB tem o candidato a vice-presidente (Michel Temer) da atual presidente da República, que é presidente nacional do seu partido, e aqui no Rio Grande do Sul apoia o candidato a presidente do PSB (Eduardo Campos) por uma questão de realidade política local. Então, são essas contradições que já estão sendo a marca desta eleição. O PDT do Rio Grande do Sul queria ter candidato próprio, exatamente para que nós tivéssemos essa coerência. Isso (o PDT aprovou na convenção do dia 10 apoio á reeleição da presidente Dilma) coloca o PDT no Rio Grande do Sul numa situação difícil, porque aqui nós somos uma candidatura de oposição ao PT e como o eleitor vai compreender a minha candidatura fazendo oposição à reeleição do atual governador e, ao mesmo tempo, apoiando a candidatura da presidente Dilma. Então, realmente é uma situação de dificuldade política para nós, que dirá para o eleitor. Agora é uma situação que está se repetindo em relação praticamente a todas as candidaturas (governo do Estado). Nós do PDT, vamos ter uma reunião no dia 7 de julho para decidir a nossa posição do PDT do Rio Grande do Sul a respeito do palanque presidencial. O que eu já decidi é que, por uma questão de reciprocidade, quando os candidatos a presidente dos partidos que me apoiam estiverem aqui no Rio Grande do Sul, eu vou recebê-los, porque é uma questão de gesto político, de reciprocidade, em função do apoio que estão me dando.
“Aqui nós somos uma candidatura de oposição ao PT e como o eleitor vai compreender a minha candidatura fazendo oposição à reeleição do atual governador e, ao mesmo tempo, apoiando a candidatura da presidente Dilma. Então, realmente é uma situação de dificuldade política para nós, que dirá para o eleitor”.

Sul 21 – O senhor disse que fará uma campanha de oposição à atual administração estadual, mas, ao mesmo tempo, propositiva. Mas o fato de o PDT ter participado dos últimos governos do Estado não criará dificuldades para o partido se colocar na disputa?
Vieira – Eu penso que não, pelo contrário, o PDT sempre teve essa postura de colaborar. Quando fomos oposição sempre tivemos a preocupação de não fazer oposição ao Estado do Rio Grande do Sul e, sim, ao governo naquelas situações em que a nossa postura era exigida como de contestação ou de discordância de determinadas ações de governo. Mas o PDT, pela representatividade que tem no Rio Grande do Sul, sempre tem sido procurado para participar dos governos até por uma questão de base de apoio na Assembleia Legislativa. Foi assim no governo Rigotto (Germano, PMDB), foi assim no governo Yeda (Crusius, PSDB) e foi assim no governo Tarso. O próprio governador Tarso Genro, embora tenha sido eleito no primeiro turno, nos fez o convite para que nós participássemos do seu governo. Eu votei contra o convite dentro do meu partido, mas fui vencido, a maioria achou que deveria participar do seu governo e o fizemos com a responsabilidade de ter três secretarias de Estado. Agora, no momento em que o PDT decidiu ter candidatura própria, nós entregamos as secretarias por solicitação minha, como pré-candidato, para ter independência na defesa das suas propostas. Se nós temos uma visão crítica em relação ao atual governo, não tem sentido continuar participando dele.